Apesar de ser considerada uma especialidade, ela ainda é o centro de polêmicas
Cláudia Guimarães, da redação
claudia@ciasullieditores.com.br
Entre uma doença ou outra, a Medicina Veterinária aponta para diversos caminhos curativos. Há as especialidades reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) e as chamadas terapias alternativas, ou seja, aquelas que não possuem embasamento científico e, portanto, apresentam-se como uma possibilidade de tratamento. Onde a homeopatia se enquadra nisto tudo?
Há tempo, o CFMV, bem como o Conselho Federal de Medicina (CFM), a reconhece como especialidade, mas ainda há certa discussão sobre seu efeito tanto em humanos, quanto em animais. Em julho, a pesquisadora colaboradora do Instituto de Ciências Biomédicas, da Universidade de São Paulo (ICB-USP), e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), Natalia Pasternak, participou de uma entrevista onde afirmou que a homeopatia é placebo e, por isso, não deve ser oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Ela aplica a mesma consideração à Medicina Veterinária. “Não se trata da minha visão. Consensos científicos são formados após a análise rigorosa, por especialistas, de um corpo de evidências. Isso foi realizado para a homeopatia. As melhores revisões sistemáticas e meta-análises sobre o tema – que são agregados de diversos estudos independentes – mostraram que a homeopatia não tem efeito maior do que um placebo”, menciona.
A homeopatia se baseia na lei dos semelhantes, emexperimentação medicamentosa e na farmacotécnicahomeopática (Foto: reprodução)
Como explicado pela profissional, placebo é uma substância inerte, que pode ser uma injeção de solução salina ou uma pílula de açúcar ou farinha. “É algo que não tenha um princípio ativo e que possa ser utilizado como grupo controle em testes clínicos. O efeito placebo é real e mensurável”, atesta e conta que ele foi descrito, pela primeira vez, por um médico chamado Henry Beecher, durante a Segunda Guerra Mundial. “Ele injetou solução salina nos soldados quando faltou morfina e eles, realmente, relatavam redução da dor. Diversos estudos mostram como o efeito placebo funciona e como ativa receptores de dor no cérebro. Por isso, quando testamos um medicamento, dizemos que ele deve funcionar melhor do que um placebo”, adiciona.
Fundamentos homeopáticos. Natália aponta que a homeopatia se baseia em dois princípios: ‘similar cura similar’ e ‘diluições infinitesimais’. “O primeiro diz que algo que provoca os sintomas da doença no paciente deve ser capaz de curá-lo; o segundo diz que quanto mais diluído o princípio ativo, maior a potência do medicamento. Assim, um remédio para insônia pode ser feito de café, por exemplo. Similar cura similar e já que café provoca insônia, então, se ele for ultra diluído, como manda o segundo princípio, deve curar a insônia”, explica.
Sobre os princípios em que se baseia a especialidade, o coordenador do Curso de Medicina Veterinária, da Universidade de Marília (Unimar), e presidente da Comissão Técnica de Homeopatia do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), Fábio Manhoso, complementa e reforça os três princípios: “A homeopatia se baseia na lei dos semelhantes: o agente causal tóxico passa a configurar como o agente terapêutico; experimentação medicamentosa: todos os medicamentos homeopáticos são devidamente experimentados, testados e caracterizados no homem são; farmacotécnica homeopática: a forma de como o remédio homeopático é preparado, baseado em diluição e dinamização”.
Ainda nesse contexto, a presidente da Associação Médico Veterinária Homeopática Brasileira (AMVHB), Eliane Xavier Goepfert, menciona que para a homeopatia não existe doença, mas, sim, doentes, ou seja, o medicamento age no paciente como um todo. “Ela age na energia vital do indivíduo, buscando-se, assim, seu equilíbrio, físico, orgânico e mental, atingindo-se, então, a cura”, define.
Profissional defende que o efeito curativo pode teroutra explicação: o efeito placebo ou a remissão naturalda doença (Foto: reprodução)
Adesão. No entanto, a homeopatia sempre foi popular no Brasil e em diversos países, como comentado por Natália. “Mas o que é importante acentuar é que popularidade não garante eficácia”, salienta. Segundo ela, existem três mecanismos que podem dar a falsa impressão de que o remédio homeopático funcionou. “O primeiro é o efeito placebo, que inclui um processo psicológico de condicionamento; o segundo é a regressão à média: doenças que são cíclicas tendem a ter picos de manifestação dos sintomas, seguidos por períodos de melhora. É o comportamento normal da doença. Assim, se a pessoa busca o tratamento quando está no pico, e depois melhora, porque iria melhorar de qualquer maneira, ela dá o crédito ao remédio; o terceiro mecanismo é a remissão espontânea, ou seja, doenças que passam sozinhas. Temos um ditado na Medicina que diz que um resfriado costuma passar em sete dias, mas se você tomar um remédio homeopático, ela passa em uma semana”, brinca.
Na visão de Manhoso, a homeopatia não pode ser considerada placebo visto ser uma forma terapêutica específica, não podendo ser comparada com outras técnicas, como a alopatia convencional. “Os princípios de cada uma são específicos e distintos. É isso que precisa ficar claro e ser respeitado. Os resultados terapêuticos na Medicina humana e na Medicina Veterinária são evidentes e os relatos científicos corroboram isso. Ressalta-se: como evidenciar efeito placebo em animais? A Medicina Veterinária é, sem dúvida alguma, quem derruba de vez esse aspecto atribuído à homeopatia por pessoas que não a conhecem. Temos que destacar, ainda, o advento da Agronomia no uso dos medicamentos homeopáticos com resultados maravilhosos, seja no controle de pragas como no fomento da produção e produtividade e, também, nesse caso, fica a pergunta: como sugestionar plantas a obterem a cura?”.
E, sobre ela ter se difundido entre as medicinas, Manhoso acredita que isso ocorreu pelo fato de a sociedade querer resgatar tudo aquilo que ela mesma destruiu naturalmente pelo exercício da tecnologia, buscando, dessa forma, viver dentro de paradigmas sustentáveis, como o consumo de alimentos saudáveis, o cuidado com exercícios físicos e, também, incluindo-se aqui a forma terapêutica eleita para si, bem como para seus animais. Além disso, ressalta o crescimento da especialidade junto às profissões e os estudos realizados. “Para atingir a especialidade, é necessária uma construção que não vem de hoje. Os veterinários homeopatas brasileiros se organizaram de forma devida e conseguiram, assim, fazer da terapêutica uma especialidade reconhecida pelo seu órgão de classe maior”, declara.
A homeopatia, como crê Manhoso, por ser uma terapêutica natural, atende ao princípio sustentável de que, hoje, é preciso resgatar a qualidade de vida das pessoas, do ambiente, dos animais e do planeta, uma vez que promove a cura sem agredir o paciente e o seu entorno. “Vemos, na clínica médica de pequenos animais (cães e gatos), a homeopatia garantindo a saúde desses pets nas mais variadas enfermidades, inclusive nos distúrbios de comportamento que tanto avassalam nossos animais de companhia pela humanização indevida”, correlaciona.
Manhoso defende que existem inúmeras pesquisas que mostram a ação dos medicamentos homeopáticas, seja na área médica ou médica veterinária. “Relatos de caso, trabalhos epidemiológicos, ensaios in vitro e in vivo, entre outros. Hoje, o Brasil conta com renomados pesquisadores na homeopatia levando seus trabalhos para eventos internacionais e os publicando em revistas de alto impacto científico. É importante frisar, também, que a especialidade é tema de programas de pós-graduação stricto sensu, mestrado e doutorado no País, vinculados a Instituições de Ensino”, cita. Ainda nesse aspecto, Eliane chama atenção para um Grupo Internacional de Pesquisa em Infinitesimais (GIRI), em português, grupo multidisciplinar e que conta com vários médicos-veterinários em todo o mundo, demonstrando cientificamente os resultados mais promissores no uso desses medicamentos ao homem e aos animais.
A homeopatia tem grande aceitação na Medicina Veterinária pelos tutoresde animais de companhia (Foto: reprodução)
Questões psicológicas. A presidente da AMVHB traz à tona: “Temos, no Brasil, mais de 20 milhões de cabeças de gado homeopatizadas. Como funcionaria esta terapêutica se a mesma fosse somente um placebo?”, indaga. Para ela, as pessoas que recebem tratamento homeopáticos se sentem melhor porque, realmente, melhoram. “Se fosse placebo não faria efeito nos animais”.
Enquanto isso, Natália conta que o efeito placebo foi descrito pela primeira vez justamente em animais e depende de um processo de condicionamento, que é possível ser realizado, facilmente, com animais, principalmente com os de companhia. “Os pets estão sempre muito atentos à linguagem corporal dos tutores, por exemplo, e tendem a responder às expectativas dos humanos, incluindo a de que se comportem como se estivessem saudáveis. No final do século 19, o fisiologista russo Ivan Pavlov demonstrou que podemos condicionar respostas fisiológicas de cães a um estímulo. Todos lembram da sineta que fazia os cães salivarem porque associaram o som com alimento. Do mesmo modo, animais podem ser condicionados a associar certos comportamentos dos proprietários ou situações (como uma visita ao veterinário) à redução de sintomas”, pondera.
Por outro lado, o presidente da Comissão de Homeopatia do CRMV-SP afirma que o animal não tem como se autossugestionar, ou seja, influenciar uma ideia persistente sobre si mesmo, provocando alterações de comportamento. “As pessoas que, por algum motivo, não se identificam com a Homeopatia, poderiam, ao menos, utilizar esses conceitos visto nos animais para desmistificarmos, de vez, esse preconceito infundado. Talvez, por esse caminho, poderíamos, juntos, agregar à homeopatia. É perfeitamente respeitável o posicionamento de um profissional em não aceitar a homeopatia como terapêutica, mas ter ciência das diferenças que as metodologias terapêuticas representam e, acima de tudo, respeitar o outro é fundamental”, julga.
Além do condicionamento mencionado por Natália, ela ainda cita que existe o chamado placebo por procuração. “Ou seja, o animal não mostra sinal de melhora, mas o tutor acredita que sim, que seu pet está mais animado, aparenta melhor disposição, etc.”, insere. Para a bióloga, faltam testes clínicos controlados, randomizados, com duplo-cego e grupo placebo realizados com o devido rigor científico. “Plausibilidade também seria bom. A homeopatia contraria tudo o que sabemos hoje de química e física”, alega.
O Conselho Federal de Medicina Veterinária reconhece ahomeopatia como especialidade (Foto: reprodução)
Reconhecida como especialidade. Para Natália, a decisão do CFM e do CMFV foi apenas política e não científica ao reconhecer a homeopatia como mais uma especialidade. “Corporativismo e interesses econômicos, provavelmente, influenciaram. Se os Conselhos decidirem considerar seriamente a ciência, terão que remover a homeopatia, assim como fizeram os governos da Inglaterra, Austrália, Espanha e França. Os EUA também regulamentaram remédios homeopáticos para que tragam a informação, na bula, de que não têm comprovação de eficácia”, expõe. Já Manhoso, cita que a classificação da Homeopatia como especialidade reconhecida pelos órgãos de classe, representa uma visão de vanguarda, entretanto, baseada em princípios científicos e resultados concretos. Longe de qualquer corporativismo ou interesse econômico.
Por outro lado, Fábio Manhoso, que também representa o CFMV, sendo o Presidente da Comissão Nacional de Residência em Medicina Veterinária do Conselho, discorre que, para considerar uma especialidade, o CFMV realiza vários estudos quanto à aplicabilidade técnico-científica e sua inserção nas várias frentes da profissão. “Além disso, é necessário que a mesma esteja devidamente organizada por meio de uma Associação Nacional que congregue os profissionais adeptos, pois, por meio desta, e seguindo os trâmites legais é que será aplicada a prova de título que o profissional, uma vez aprovado, terá a homologação do Título de Especialista pelo Conselho Regional do Estado em que atua”, relata.
Ele ainda defende que os Conselhos foram criados com o objetivo de fiscalizar o exercício profissional, porém suas ações avançaram, fazendo com que sua atuação seja como órgão orientador e disciplinador das profissões. “Nesse sentido, passa a absorver demandas de caráter técnico, tendo que se manifestar frente a várias situações para o pleno exercício da profissão. Tanto é que o CFMV possui suas Comissões Técnicas de Apoio, formadas, justamente, por profissionais especialistas nas áreas visando dar todo o suporte à Diretoria nos assuntos que envolvam suas especialidades”, aponta.
Muitas vezes, Natália é questionada se mesmo sendo placebo não seria benéfico utilizar homeopatia, afinal, a redução da dor é real em muitos casos e como é composto apenas por água, não apresentará efeitos colaterais. “É verdade que a redução da dor é real, mas um placebo nunca reduz tanto a dor como um analgésico de verdade. E, no caso de um animal, é ainda pior, porque não temos como medir a redução da dor em uma escala, como fazemos com humanos. Além disso, existe o perigo de atrasar diagnósticos e impedir tratamentos reais. Finalmente, o efeito placebo é inconsistente. Pessoas reagem de forma diferente, alguns são mais suscetíveis e outros menos. O mesmo deve ocorrer em animais. Ou seja, prescrever placebos na Medicina é irresponsável e, na Veterinária, pode ser até cruel”, avalia.
Sendo assim, na visão da bióloga, a palavra que representa a homeopatia aplicada em animais é ‘perigo’. “Quando o pet é tratado com homeopatia, mesmo que com a melhor das intenções, isso pode mascarar sintomas e causar sofrimento desnecessário. O uso de homeopatia é perigoso, mesmo que o remédio em si seja inócuo (afinal é só água)”, conclui.
Já Manhoso relaciona a homeopatia à ‘vida’. “Ela não despersonaliza ninguém, pelo contrário: busca o verdadeiro equilíbrio do paciente fazendo, assim, com que o mesmo aja como si só. Essas discussões enfocadas se a homeopatia funciona ou não já vem há tempo e em nada contribui, visto que ela precisa ser respeitada na sua essência e jamais comparada com qualquer outra terapêutica, pois é distinta de todas. Para nós, veterinários, tê-la como ferramenta terapêutica representa ter acesso a mais um compartimento em benefício dos nossos pacientes”, justifica.
Para Eliane, é um tanto quanto desagradável quando surgem comentários negativos que tentam colocar a seriedade da homeopatia em debate. “Muitas pessoas colocam em dúvida as resoluções dos Conselhos Federais de Medicina Veterinária, Medicina, Odontologia e Farmácia, órgãos estes que, depois de estudos, reconheceram a certificaram como especialidade. Quando somos bombardeados por estas afirmações não podemos deixar de crer que o poder econômico pode estar por trás disto. A natureza agradece se utilizarmos menos química”, opina. Para a presidente, ‘bem-estar’ define a especialidade. “Ele só é conquistado pelo equilíbrio do organismo. Ocorre quando o pet come bem, dorme bem e o tutor nota que está ‘feliz’”, finaliza.
Por fim, o presidente da Comissão Técnica de Homeopatia do CRMV-SP , dispara: “Seria necessário ouvir os usuários da homeopatia nos consultórios e ambulatórios médicos e médicos-veterinários, assim como os grandes produtores de rebanho no País e que tanto se beneficiaram com o uso dessa que, sem dúvida, representa, o que há de melhor na busca do equilíbrio que tanto buscamos, mas por vivermos numa sociedade doente e caótica, muitas vezes temos dificuldade. Comparar homeopatia com alopatia é, simplesmente, inconcebível, visto serem antagônicas em seus princípios e técnicas preparatórias”, arremata.