Cláudia Guimarães, da redação
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Quantas foram as vezes em que você presenciou alguma pessoa em situação de rua acompanhada por um animal de estimação? Incontáveis, eu imagino. Essa cena é bem frequente e, então, por que não buscar entender mais a fundo essa relação?
Conversamos com a médica-veterinária especializada em Clínica Médica de Cães e Gatos, que atua no Hospital Veros e é voluntária do Grupo Dando Sopa, um projeto social que trabalha com pessoas em situação de rua (@grupodandosopa), Cintia Ghorayeb.
Ela comenta que as pessoas em situação de rua acolhem animais abandonados que estão vagando pela cidade. “Essas pessoas experimentam o amor e companheirismo dos animais, que, por sua vez, são leais aos seus tutores e, então, passam o resto da vida juntos”, compartilha.
Quando questionada sobre como essa relação se estabelece entre esses indivíduos, Cintia acredita que seja um reconhecimento mútuo do animal e da pessoa: “Ambos esquecidos pela sociedade, os dois precisam de amor e acolhimento e a relação é, imediatamente, estabelecida”, pondera.
A médica-veterinária lembra que o animal não precisa de tutores com condições financeiras para se afeiçoar, bastando só amor e algum cuidado acolhedor. “Este animal também está sozinho, desprotegido e passando fome. Quando uma pessoa em situação de rua oferece, independente da qualidade da estrutura, seu ‘lar’, eles se conectam e se identificam como seu tutor. A partir desse vínculo, vão com eles para onde for”, comenta.
Essa jornalista que vos escreve descreveu para Cintia uma situação que presenciou: Um homem em situação de rua, que, quando dava um passo, o cão que o estava acompanhando o seguia. O animal não se importava com as pessoas o chamando – havia muitas – para fazer carinho, ele, simplesmente, não tirava os olhos de seu tutor. E Cintia aponta sua visão sobre essa relação: “Podemos imaginar que esse animal já passou por muitos maus-tratos até encontrar o amor nessa pessoa em situação de rua. Imagino que esse cachorro tenha medo de se perder novamente e ficar vagando sozinho, sem acolhimento. A vida na rua é muito dura para qualquer espécie, imagino que, nessa situação, o cão e seu tutor já tenham uma grande relação de amor, proteção e cumplicidade e se cuidem o tempo todo para não se perderem. Podemos pensar, também, que o animal esteja atento para proteção do seu tutor”, analisa.
Em busca da saúde de todos!
Por outro lado, apesar desse tipo de relação ser um exemplo para muitos de nós, Cintia destaca que o problema de animais e pessoas em situação de rua é muito amplo. “As pessoas que têm um animal e moram pelas ruas da cidade, têm por seus pets muito amor e cuidado e, em inúmeras situações que seria necessário um abrigo, como por exemplo, em dias de frio extremo, deixam de ir para albergues ou casas de recuperação, porque, nesses locais, não aceitam animais. Também é importante jogar luz na saúde que esses animais se encontram. Como veterinária, destaco que precisamos pensar em Saúde Única, ou seja, precisaríamos proteger as pessoas e os animais de doenças transmitidas entre as espécies, as chamadas zoonoses”, frisa.
Isso é possível, segundo a profissional, com alguns cuidados com os animais, como, por exemplo: vacinas (antirrábica), antiparasitários (vermífugos e proteção para ectoparasitas), além de controles de doenças infecciosas são essenciais. “Depois de juntos e conectados, não conseguimos mais separar as pessoas de seus pets e, então, temos que olhar amplamente para essa família interespécie”, menciona.
No outro lado da moeda, a veterinária ainda declara que é necessário conscientizar os tutores sobre posse responsável e diminuir o número de abandono de animais. “É necessário, também, aumento das políticas públicas para cuidar dessas pessoas em situação de rua. E precisamos olhar para o lado e estender a mão para as pessoas tão necessitadas que encontramos diariamente. A mudança da sociedade começa por nós mesmos”, finaliza.
Olhar aprofundado
De acordo com a professora e coordenadora do curso de Psicologia, da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), Ana Flávia Parenti, diversos estudos mostram os benefícios físicos e emocionais de se ter um animal de estimação e, até mesmo, deixá-los compartilhar o sofá e a cama, por exemplo. “Desta forma, muitas pessoas em situação de rua possuem seus pets e os tratam da melhor forma possível, oferecendo, inclusive, a comida que não têm”, indica.
A psicóloga comenta que pessoas em situação de rua, muitas das vezes, estão distantes do convívio de suas famílias e, em alguns casos, também, do convívio social. “Como saber o que levou este ser humano a estar pelas ruas? O cachorro, pela sua personalidade fiel, acabou se transformando no companheiro ideal: não exige nada, não cobra nada, só traz afeto e humanidade. Quantas vezes já vimos, nos noticiários, casos de pessoas nessas condições que, em época de muito frio, preferem permanecer na rua, porque os abrigos disponibilizados não aceitam animais, como mencionado pela veterinária Cintia anteriormente? Tamanho é o vínculo entre tutor e animal, que muitos abrigos tiveram que adaptar espaços aos pets, para que ambos, tutor e animal, pudessem estar abrigados do frio”, conta.
Ana Flávia ainda comenta que os animais domésticos nos trazem muitos benefícios e, para estas pessoas, mais ainda, pois os cães são a “cola” que os mantêm ligados à realidade. “Por preocuparem-se com seus companheiros, acabam por ter atitudes mais responsáveis consigo próprio e com o animal. Claro que não podemos generalizar nada, mas dividir a vida com algum pet sempre trará benefícios”, atesta.
A profissional também lembra que, infelizmente, vivemos em uma sociedade muito preocupada com o status e, até mesmo, um cão pode ser vítima dessa necessidade: “Quando surge um cachorro Sem Raça Definida (SRD) para adoção, poucas pessoas se disponibilizam a adotá-lo, porém, muitas pessoas são capazes de dar milhares de reais em animais de raça. Aquele ser humano em situação de vulnerabilidade, que tira o alimento do próprio prato para alimentar um cão, está apenas preocupado com seu bem-estar e não em exibi-lo como um objeto caro”, encerra.