Apesar do maior interesse por parte de alunos, veterinários e tutores de animais de companhia, a área de comportamento ainda apresenta desafios. Muitos animais chegam à consulta em situação extrema, ainda que muitos colegas generalistas já referenciem mais casos. Falta apostar mais na prevenção e questionar, dizem os especialistas. Caso contrário, os tutores nunca valorizarão os sinais clínicos que podem ser determinantes para um bom diagnóstico diferencial.
O especialista europeu em Medicina do Comportamento e diplomado em Bem-estar, Ética e Legislação, presidente do Colégio Europeu de Bem-estar Animal e Medicina Comportamental (ECAWBM) e fundador do Centro para o Conhecimento Animal (CPCA), Gonçalo da Graça Pereira, considera que os médicos-veterinários foram formatados para avaliar a parte física no que respeita aos animais de companhia. “Quando o animal entra, já estamos ascultando, medindo a temperatura, apalpando e nem sempre olhamos para os sinais comportamentais que o animal nos dá e, muitas vezes, nem ouvimos atentamente o que o tutor está nos dizendo. Podem ser partilhados vários aspetos que são relevantes e nós nem sempre valorizamos. Tudo o que o tutor nos diz permite-nos processar o nosso pensamento e fazer uma triagem do que interessa para os nossos diagnósticos diferenciais, em que se deveria sempre incluir, também, a doença comportamental”, diz. Não é por acaso que uma consulta de comportamento demora, pelo menos, duas horas.
As alterações físicas e comportamentais andam quase sempre lado a lado, de mão dada, não podendo ser dissociadas. E já vai o tempo em que as duas vertentes não se misturavam, como o azeite e o vinagre, defende a veterinária diplomada pelas Écoles Nationales Vetérinaires Françaises (ENVF) em Medicina do Comportamento, responsável pelas consultas desta especialidade, em vários CAMV no Grande Porto e pelas consultas de comportamento na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia (ULHT), Mónica Roriz.
Muitos pets chegam à consulta quando já atacamsem dar sinal de agressividade anteriormente(Foto: reprodução)
Em uma primeira fase, há que descartar as doenças com origem não comportamental. O fato de os animais serem “estoicos” até demonstrarem que estão desconfortáveis pode ser logo a primeira dificuldade no adequado diagnóstico por parte dos veterinários. “Após um exame físico bem feito, ficamos, muitas vezes, com a sensação de que está tudo bem, mas, infelizmente, nem sempre é o caso. Quando isso acontece, é natural que os colegas generalistas associem sinais desajustados a problemas comportamentais e referenciem de imediato para nós”, explica Mónica.
Ainda não se aposta na prevenção. Alguns sinais de problemas comportamentais não são valorizados pelos tutores, logo, não são tema de conversa na consulta. “Se os veterinários não questionarem, os proprietários não acham relevante ou chegam mesmo a encobrir. Por isso, muitas vezes, os pets chegam à consulta quando, por exemplo, já atacam sem dar sinal”, salienta Gonçalo da Graça Pereira, alertando que a situação se torna num círculo vicioso que traz consigo outro desafio: não se apostar devidamente na prevenção.
“Costumo dizer que pelo menos 90% dos problemas de comportamento poderiam ter sido prevenidos. Se todos trabalharmos na prevenção, conseguimos evitar que determinados casos nos cheguem às mãos”, sublinha. Maria Isabel Santos é veterinária e consultora em comportamento animal em clínicas e hospitais veterinários do Grande Porto (Portugal) e denota que os colegas generalistas que conhece distinguem facilmente sinais de comportamento específicos, como por exemplo, sinais de medo, de ansiedade e de agressividade, manifestações comuns a alguns problemas de comportamento em animais de companhia. O problema é associá-los a diagnósticos: “Chegar a um diagnóstico final da causa dessas manifestações é que se torna mais difícil para eles e, consequentemente, à implementação de terapias que sejam eficazes”, defende.
Um dos desafios passa por não confundir sinal comportamental e diagnóstico comportamental. A veterinária dá exemplos concretos: “Quando um animal exibe agressividade em qualquer contexto, está mostrando um sinal, ou seja, nomenclaturas como ‘agressividade para com…’ ou ‘agressividade por…’ são sinais e não diagnósticos”. Da mesma maneira, quando, por exemplo, esse mesmo animal apresenta hematúria, vamos referir como um sinal que nos vai orientar para os diagnósticos diferenciais de problemas do aparelho geniturinário. E por outro lado, mesmo quando a distinção anterior é feita, fica a dificuldade que sentimos na atualidade de acompanhar todas as áreas de trabalho com o mesmo pormenor, o que leva a cada vez maior necessidade de especialização para conseguir dar respostas válidas à casuística”, finaliza.
Fonte: Veterinária Atual, adaptado pela equipe Cães&Gatos VET FOOD.