Cláudia Guimarães, da redação
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O Instituto Pet Brasil (IPB) divulgou, recentemente, seu Censo Pet, que só confirma o que a gente já vem notando: os gatos estão ganhando os corações e ocupando as casas de muitas pessoas. Segundo o levantamento, a população de pets felinos foi a que registrou maior crescimento no Brasil entre 2020 e 2021, 6% – acima do aumento dos cães, que ficou em 4%.
Embora os cães ainda liderem o ranking em números absolutos de animais de estimação no Brasil, o que surpreende é o crescimento dos gatos nos lares brasileiros e, por isso, nada mais justo que tirar algumas dúvidas dos chamados “gateiros”. Entrevistamos a médica-veterinária com especialização em Medicina de Felinos do Veros Hospital Veterinário, Camila Ferreiro, que nos revela, agora, o que é mito e o que é verdade no comportamento felino.
Sabe aquela mania que os bichanos têm de “afofar” o tutor ou objetos? Eles fazem isso por dois motivos, segundo a profissional: “Acredita-se que esse movimento possa ser inconsciente, remete ao passado afetivo, mas esse comportamento vai além, como liberação de feromônios e comportamento de aprendizado, onde eles fazem esse movimento nos ninhos e ao mamar. De qualquer forma é um comportamento associado a situações agradáveis”, afirma. Mas, também, esse comportamento nos lembra que os gatos são animais territoriais e possuem glândulas de liberação de feromônios na região das patas. “Então, pode, sim, estar relacionado à marcação territorial também”, adiciona.
E aquelas piscadas firmes e lentas dos gatos para seus tutores? Quem tem gato, como essa jornalista que vos escreve, com certeza, já recebeu essa piscadinha. Segundo Camila, os gatos se comunicam bastante com o olhar, então olhares fixos, muitas vezes, estão associados a comportamentos agonísticos, utilizam, como forma de diminuir os conflitos, o desvio do olhar ou o piscar. “Mesmo assim, existem diferentes formas de piscar os olhos, em situações de estresse também podem manifestar esse comportamento. A piscada lenta associada ao relaxamento da musculatura da face, geralmente, está associada a bem-estar e é considerada o ‘beijo dos gatos’”, explica.
Físico e sensorial
Em relação às condições e limitações físicas dos felinos e que vale a pena tutores de gato saber, Camila cita os bigodes desses animais, que são conhecidos como vibrissas e, em geral, estão na face, nas orelhas, acima dos olhos e na região mentoniana, existindo vibrissas podais também. “O intuito delas é a sinalização sensorial, percepção de presas, deslocamento de ar e, principalmente, função espacial. Cria uma percepção de seu tamanho e ajuda a identificar se ele consegue passar por um local estreito. Devido a essa função sensorial, as vibrissas são profundas e repletas de células, sua manipulação excessiva pode ser dolorosa, portanto, não se recomenda aparar os bigodes dos gatos”, destaca.
Mais um ponto ligado ao sensorial dos felinos é o paladar. Camila afirma que a palatabilidade para os animais está relacionada não somente à percepção de sabores, eles utilizam muito a olfação na hora de se alimentarem. Gatos apresentam cerca de 500 papilas gustativas, os humanos apresentam em torno de 9 mil. Essa diferença está relacionada ao hábito alimentar. Gatos são carnívoros estritos, então, apresentam papilas gustativas adaptadas a esse fim”, discorre.
Outra curiosidade sobre a fisiologia da espécie é que os gatos apresentam controle de temperatura corporal, porém a temperatura do corpo possui diversas influências, há gatos que apresentam menor estrutura corporal e volume sanguíneo, o que gera perda de calor com facilidade. “Em decorrência deste fato, eles preferem locais mais aquecidos, mas isso não significa que eles precisem usar roupas. O uso de roupinhas pode prejudicar o comportamento de lambedura dos pelos que é necessário para o bem-estar do animal”, alerta.
Comportamental
Os gatos apresentam diversos tipos de miados, com significados totalmente diferentes. De forma geral, Camila conta que o gato utiliza muito mais a expressão facial e corporal na sua comunicação do que a vocalização. “A comunicação vocal foi uma estratégia dos felinos para melhorar sua interação com os humanos. Consideramos que miados longos, geralmente, estão associados a conflitos, enquanto miados curtos são utilizados pela mãe para chamar os filhotes, ou seja, associados a bem-estar e situações positivas”, indica.
Camila destaca que o comportamento de um gato é definido pelas suas experiências de aprendizado durante o processo de socialização, que acontece entre o nascimento até a 9ª semana de vida. “Muitas características são transmitidas pela mãe e sofrem influências de estresse materno. Machos costumam ser mais territoriais e serem mais ativos que as fêmeas, por exemplo. Já as características comportamentais são influenciadas pelo meio em que esse animal vive, além de suas características genéticas”, informa.
Em geral, segundo Camila, em colônias na natureza, as fêmeas aparentadas vivem juntas, portanto, existe maior chance de as fêmeas apresentarem comportamentos afiliativos entre si, mas isso não significa que os machos, por serem mais territoriais, não possam conviver em harmonia. “Como gatos são animais que apresentam hábitos solitários e não apresentam hierarquia de dominância, é comum a presença de pequenos conflitos. Para que esses animais convivam bem é importante que eles tenham mais de um recurso disponível em seu ambiente. Alimento, água, caminhas, liteiras e arranhadores são considerados recursos necessários para o bem-estar da espécie”, enumera.
Cuidados essenciais com os felinos
Muitos tutores, como observado por Camila, desconhecem as necessidades essenciais para o bem-estar dos gatos. “Os felinos necessitam de recursos próprios e disponíveis. Segurança é algo importante para os gatos, portanto, criar áreas de descanso, em locais altos, traz sensação de proteção. Os principais pilares para o bem-estar felino são: prover espaço seguro (esconderijos, camas e verticalização do ambiente); promover recursos múltiplos e separados (área de descanso, eliminação, alimento e água), área para arranhar e marcar; permitir o seu comportamento predatório (brinquedos); promover interação social consistente, positiva e previsível; promover ambiente que respeite o sentido olfativo (uso de feromônios sintéticos)”, elenca.
O médico-veterinário especializado em gatos garante não apenas conhecimento sobre a saúde física, mas, também, sobre a saúde emocional do gato. “Os felinos, devido aos seus hábitos solitários, costumam ‘esconder’ sintomas clínicos, portanto, um profissional qualificado pode auxiliar a identificar e diagnosticar precocemente várias afecções desta espécie”, salienta.
Quando questionada sobre de que forma o tutor pode enriquecer o ambiente para os felinos, a médica-veterinária lembra que gatos são neofílicos, ou seja, gostam do novo. “Deixar os brinquedos espalhados nem sempre adianta. Eles adoram a interação com os humanos, portanto, brinque com o seu gato, troque, eventualmente, os brinquedos para estimular esse hábito. Os gatos adoram se esconder, se sentem seguros. O uso de caixas de papelão são eficientes e estimulam a arranhadura. O uso de prateleiras aumenta a sensação de território do gato e geram bastante bem-estar. Gatos costumam ingerir água em locais largos (para não encostar as vibrissas) e onde há água fresca. Assim, o uso de fontes pode ser uma ótima opção para os felinos. Em média, a ingestão hídrica é em torno de 40-60mL/Kg, mas isso depende da ingestão alimentar. Animais que fazem uso de dietas úmidas tendem a ingerir menos líquido, pois retiram a umidade da ração”, explana.
Para encerrar, Camila reforça que os gatos escondem suas manifestações clínicas, por conta de seu comportamento territorial. “Devido a esse fato, muitas doenças podem ser diagnosticadas precocemente se o animal frequenta, anualmente, o veterinário especializado. Os gatos devem ser vacinados anualmente, como os cães, assim como vermifugados e realização de preventivos para ectoparasitas. Sua saúde emocional também deve ser avaliada nas consultas”.