Cláudia Guimarães, da redação
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A cultura de cancelamento imposta pelas redes sociais nos dias de hoje não se limita apenas aos humanos, seres racionais. A publicação de uma sequência de fotos obtidas pelo estudante de biologia, João Pedro Salgado, na página Biodiversidade Brasileira, no Twitter, gerou polêmica, recentemente. Nas imagens, uma onça-pintada caçava uma capivara para se alimentar e o post rendeu inúmeros comentários.
E é nesse momento que você se pergunta “Comentários de profissionais capacitados?” e eu te respondo “Não”. A polêmica, justamente, surgiu pelas observações sem embasamento científico sobre o tema de pessoas, que prefiro chamar de ‘haters’, levando o instinto de sobrevivência da onça para outro patamar: o de ser cancelada por matar outro animal.
Sobre o assunto, conversamos com a bióloga e coordenadora Executiva do Projeto Onças do Iguaçu, Yara de Melo Barros, que acredita ser essencial as pessoas entenderem que as onças são animais carnívoros e não apenas: elas são predadores de topo de cadeia. “Então, para se alimentar, elas precisam caçar. Se esses animais não caçam, eles morrem e, ao fazerem isso [caçar], não devem ser considerados cruéis, são apenas onças”, destaca.
Como predadores de topo de cadeia que são, como comentado pela bióloga, as onças ajudam a manter a integridade dos ambientes onde vivem. “Uma floresta onde não tem mais onças, as suas presas, que, geralmente, são herbívoros, acabam se reproduzindo e ficando em quantidades muito maiores do que o ambiente comporta. Isso provoca uma degradação ambiental, fazendo com que passemos a perder, assim, a biodiversidade e serviços ambientais.
Haters em ação
Um dos comentários nas fotos postadas pela página Biodiversidade Brasileira foi “Temos tecnologia suficiente para produzir proteína vegetal e alimentar esses bichos, protegendo a vida de milhares de animais ameaçados de extinção”. Em resposta a essa interação, que é apenas uma das dezenas que o perfil recebeu, a bióloga Yara declara que proibir uma onça de caçar e pensar em alimentá-la artificial e vegetalmente é negar todo o processo de evolução. “É negar a natureza selvagem das onças e negar, ainda, a sua própria composição fisiológica e física. Como predador, ela é feita para caçar. Não tem cabimento o ser humano querer produzir proteína vegetal para entregar para um animal carnívoro. Nós, seres humanos, somos onívoros, podemos optar por uma dieta carnívora ou uma alimentação vegetariana/vegana, mas as onças não. Elas são animais essencialmente carnívoros e é errado querermos mudar isso”, defende.
Segundo Yara, tentando impor uma alimentação vegetal a animais carnívoros, eles, primeiramente, não vão querer comer. “As pessoas têm que entender que as onças estão no mato, não tem ninguém indo no mato alimentá-las, já que não estamos falando de onças de cativeiro e, sim, de onças selvagens. A longo prazo, um animal sendo alimentado com proteína vegetal ficará com diversas carências e deficiências nutricionais, além do fato de que uma onça precisa saber caçar para sobreviver”, explica.
“É sobre isso e tá tudo bem”
A profissional lembra que as onças são espécies ameaçadas de extinção que se alimentam de carne, que matam outros animais para se alimentar e isso não vai – e nem deveria – mudar. “Em um ambiente equilibrado, isso [a caça] se mantém de maneira absolutamente sustentável”, argumenta.
Na opinião de Yara, qualquer hater atrapalha qualquer questão, mas, acima de tudo, o problema é divulgar informações e opiniões sobre assuntos que a pessoa não conhece. “Essa ação acaba ameaçando algumas espécies. Esse tipo de colocação, de colocar as onças como vilãs, é prejudicial, porque você aumenta o medo das pessoas, as colocando contra as onças, animais estes que já enfrentam diversas ameaças e não precisam de mais uma”, frisa.
Com as ameaças que estes animais já têm de conviver há bastante tempo, o cancelamento ou qualquer opinião sem embasamento sobre eles não são bem-vindos. “Precisamos, na verdade, ajudar esses bichos. Devemos nos unir para conseguir salvar, para conservar essa espécie e evitar erros de interpretação e notícias erradas, pois, dessa forma, nos tornamos uma ameaça a mais para a espécie”, conclui.
(O estudante de biologia, João Pedro Salgado, administrador da página Biodiversidade Brasileira, foi procurado para essa reportagem, mas não foi possível estabelecer contato).