População encontra, muitas vezes, dificuldade na hora de denunciar
Cláudia Guimarães, da redação
claudia@ciasullieditores.com.br
Qual sua primeira reação, aquela impulsiva, incontrolável e involuntária quando o assunto é “animais sofrendo maus-tratos”? Alguns podem pensar em tristeza, angústia, impunidade, raiva, indignação. Mas, além desses sentimentos, outro item grita diante de situações como esta: denúncia.
Quando qualquer cidadão presencia um ato de maus-tratos, crueldade e/ou abuso de animais de companhia, ele pode repassar o caso a autoridades competentes para sua resolução e libertação do pet. O caso recente do cão morto em uma unidade de supermercado mostra que a ação é, cada vez mais, frequente, daí a importância da denúncia. Um meio de denunciar Delegacia Eletrônica de Proteção Animal (DEPA), criada há dois anos com o objetivo de ser um atalho direto entre a população e a polícia, poupando as pessoas de irem a uma delegacia.
Na cidade de Sorocaba (SP), a população não obtém retornopara solução de casos denunciados (Foto: reprodução)
A plataforma, que atende denúncias do Estado de São Paulo, pode receber denúncias, inclusive com fotos e vídeos, via internet e os dados do denunciante são mantidos em sigilo. “A criação da DEPA foi uma forma de dar voz aos animais. Há muito mais relatos de casos de maus-tratos nas redes sociais do que nas delegacias de polícia”, comenta o deputado estadual Feliciano Filho, criador da delegacia.
No entanto, no município de Sorocaba (SP), nem todos os casos podem ser atendidos. O motivo? Há uma displicência no tocante canal de denúncias, já que, algumas autoridades recomendam ligar para o número 153 para acusações do gênero e, outras, indicam o 156. Tentando as duas opções, a população não obtém retorno para solução dos casos, já que, nestes canais de atendimento, informam que não tratam denúncias de maus-tratos a animais.
A queixa sobre o conflito dos canais de comunicação de maus-tratos chegou até o vereador da Câmara Municipal de Sorocaba, Péricles Regis Mendonça de Lima, pelo Conselho Municipal de Proteção e Bem-estar Animal da cidade, durante uma reunião da Lei Orçamentária Anual (LOA) dessa pasta. “Nessa apresentação da LOA, alguns munícipes relataram o problema e eu, como membro da Comissão de Economia e participante da reunião, acompanhei o relato e transformei a denúncia em requerimento, que é o documento de maior força do vereador em que a prefeitura tem até 30 dias para responder. Nele, eu questionei qual era o canal correto para as denúncias, já que os secretários da cidade (bem-estar animal e GCM) não souberam precisar se era 153 ou 156”, relata o profissional que fez, inclusive, uma campanha questionadora em forma de vídeo sobre a temática.
A advogada e presidente da ONG Gamah (Grupo de Amparo ao Melhor Amigo do Homem), que atua em Sorocaba desde 2007, Jussara Aparecida Fernandes, declara a descoberta da confusão foi uma surpresa, uma vez que, há anos, o serviço de recebimento de denúncias de maus-tratos é questionado por protetores e ONGs. “E todos nós desconhecíamos esse canal alternativo para os casos de urgência”, diz.
Para ela, é de suma importância a prefeitura disponibilizar um canal próprio para verificação e atendimentos das denúncias envolvendo animais. “Quando alguém se disponibiliza a denunciar, significa que o animal está em sofrimento e, em muitos dos casos, correndo risco de morte. Não há tempo para atendimento das burocracias da Central de Atendimento. Além disso, os funcionários que vão verificar essas acusações precisam ser pessoas qualificadas para o assunto”, pondera, levando em consideração que, na maioria das vezes, eles entendem que não há maus-tratos. “Porém, o animal não precisa estar caquético para se caracterizar maus-tratos. Quem verifica esses casos precisa ter sensibilidade para identificar a situação”, incrementa.
Vereador Péricles Regis acredita que ações educativassobre qual o canal correto para as denúncias sejamnecessárias na cidade (Foto: divulgação)
Já Péricles Regis acredita que muitos dos problemas sociais podem ser resolvidos com o auxílio das pessoas, porque nem sempre o poder público tem “braço” para alcançar todas as demandas. “Então, se essa participação popular é fundamental e a ferramenta que eles têm é a denúncia, não informar um canal correto para a população é destruir as ferramentas para solucionar os problemas da cidade. Com um canal correto de comunicação de maus-tratos, por exemplo, o atendimento se torna mais ágil, a equipe de atendimento se torna qualificada e os resgates são assertivos. Além de resolver os problemas de maus-tratos também torna o sistema eficaz”, avalia.
Para o vereador, o que é preciso em cidades como Sorocaba são ações educativas sobre qual o canal correto para essas denúncias serem realizadas. “Com essa comunicação, acredito que a política de combate aos maus-tratos será fortalecida e as pessoas possam construir responsabilidade mútua sobre o tema, não passando tudo para ONGs de proteção animal tomarem atitudes, por exemplo”, expõe.
Soluções e explicações. Após o requerimento realizado por Péricles, foi retornado que a população deve ligar 153. “Porém, já tivemos denúncias recentes de que esse atendimento continua não funcionando. Então, seguiremos nessa fiscalização”, revela.
Enquanto isso, Jussara, que vê a falha da prefeitura, justamente, na ausência de divulgação de informações para a sociedade, considera que campanhas educativas em escolas ajudariam muito. “Divulgar que maus-tratos é crime e, principalmente, que por parte do munícipio enseja o pagamento de multas também inibiria essas ações dos malfeitores”, analisa.
Jussara conta que acompanha vários casos de denunciados e nunca obteve uma resposta compreensível. “Infelizmente, o descaso é absurdo. Em 2016, por exemplo, houve uma denúncia envolvendo uma acumuladora, que, hoje, tem sob sua responsabilidade 200 animais. A resposta para esse caso foi ‘avaliado e encerrado’. Ou seja, o caso de acúmulo de animais – inequívoco caso de maus tratos – foi encerrado e a acumuladora continuou acumulando. Cães e gatos vivendo confinados, em um local sujo e precário, sem alimentação adequada, por vezes, sem água e a prefeitura encerra o caso sem tomar providencias. Inadmissível”, protesta.
Apesar de ineficaz, Jussara destaca que é preciso continuar denunciando e cobrando eficácia do serviço, junto aos poderes executivo e legislativo. “Os relatos de casos em que o atendimento não é satisfatório podem ser encaminhados à Câmara dos Vereadores e, também, ao Ministério Público. As mudanças são realizadas a partir de números. Portanto, somente com a ajuda da população é que os animais poderão, um dia, ter seus direitos, realmente, garantidos”, conclui.