Alguns médicos-veterinários ultrapassam as fronteiras da clínica para viver experiências diversas e transformadoras. Esse é o caso da médica-veterinária que atua com animais silvestres, Marcela Quercia, que embarcou em uma jornada de voluntariado na África.
Apaixonada pelas inúmeras espécies de animais silvestres, Marcela encontrou no continente africano não apenas uma oportunidade de colocar em prática seus conhecimentos, mas, também, de se conectar com novas culturas, realidades e formas de cuidado com os animais.
Em meio a reservas, clínicas e projetos de conservação, sua atuação foi marcada pela troca de experiências e pelo impacto social e ambiental que o trabalho voluntário pode oferecer a todos, tanto para quem recebe quanto para quem se doa. E é a história dela que contaremos nesta matéria.
Segundo ela, não tem como não se apaixonar pelo país: “Foi uma experiência transformadora, que me deu luz para novos caminhos em que eu poderia seguir e o mais legal foi sentir que aquela viagem não mudou só a minha perspectiva, mas a de algumas meninas do meu grupo que conheci por lá também. Por lá, vi o tanto de oportunidades de vivências e experiências, consegui um estágio em uma clínica veterinária em Cape Town para o ano seguinte e, a partir daí, aproveitei que já estava formada para me aventurar e conhecer outros projetos e lugares novos”, compartilha.
Experiência imersiva

A profissional conta que o projeto foi voltado para médicos-veterinários que gostariam de viajar ao país e acompanhar atendimentos de veterinários da região. “Lá eu pude ver o corte preventivo de chifre de rinoceronte, realocação de antílopes, palpação em gnus, procedimentos cirúrgicos em chitas. Mas foi a partir desse projeto que conheci outros lugares que eu poderia me voluntariar para ajudar”, narra.
Assim, quando Marcela retornou a Cape Town para o estágio e o voluntariado na África, decidiu estender sua experiência na África com um trabalho voluntário em um centro de reabilitação de animais selvagens, logo após concluir seu período na clínica.
“Esses trabalhos voluntários são projetos individuais que cada instituição monta. Então, por exemplo, esse centro de reabilitação era um projeto em que tinha sua própria rotina e modo de funcionamento. Depois, fui para ranchos e santuários de animais selvagens e cada um também tinha suas próprias rotinas”, declara.
Rotina no voluntariado na África
Marcela conta que os projetos de voluntariado na África envolvem, principalmente, limpeza, preparação da comida e alimentação dos animais.
“Os dias começam bem cedo, logo quando amanhece, então, temos as alimentações da manhã para determinados animais, limpeza dos recintos e medicações. As manhãs acabavam sendo com maior foco na parte clínica, principalmente com os primatas, que sempre achavam um jeito de se machucar. Fazíamos muitos ‘health checks’ (checagem de saúde), vacinação, troca de implantes, como método contraceptivo em babuínos, e raio-x, quando necessário”, lista.
A profissional ainda menciona que realizava, junto ao grupo, muitas necrópsias em várias espécies diferentes, atividade bastante interessante, em sua visão.
“A parte da tarde era mais tranquila, voltada para palestras e atividades relacionadas à educação, conservação animal e preparação de enriquecimento ambiental. No final do dia, era a hora do preparo da alimentação dos animais. Os dias, geralmente, terminavam às 18h, então, íamos jantar e tínhamos a noite livre. Quando tem filhotes órfãos, geralmente, há turnos entre os voluntários, para alimentar ou dormir com o animal no período da noite”, adiciona.
Estrutura e desafios
De acordo com os relatos de Marcela, por lá, é muito mais comum encontrar locais com recursos limitados do que com grandes estruturas para o trabalho.
“Isso tornou a experiência ainda mais enriquecedora, pois me ensinou a adotar diferentes abordagens e a valorizar o uso eficiente do que se tem à disposição. Passei por clínicas bem equipadas, mas também atuei em lugares onde, muitas vezes, o máximo que se podia fazer era aplicar uma injeção”, afirma.
Na visão da profissional, o principal desafio em um trabalho como esse é sair completamente da zona de conforto.
“Na questão pessoal, acredito que, por ser mulher viajando sozinha, você acaba tendo que prestar o dobro de atenção e aprende a manter a calma quando as coisas não vão como o planejado. Nesses projetos, convivemos com pessoas do mundo todo, costumes e jeitos diferentes e, por mais que eu tenha achado muito interessante conhecer mais sobre outras culturas, pode ser um tanto desafiadora essa convivência”, pontua.
Ela também complementa que na questão profissional, com certeza, o maior desafio é a barreira linguística. Além de estar aprendendo muitas coisas novas, por serem animais que, muitas vezes, eu não tive contato antes, tem o fato de não ser minha primeira língua, então, acaba que sempre coloco um esforço a mais para acompanhar o que está sendo passado.
Visão sobre a profissão

Marcela conta que, ao ingressar na faculdade de Medicina Veterinária, sentiu-se desanimada ao perceber a escassez de oportunidades na área de animais silvestres. “Passei boa parte da graduação tentando me encontrar na clínica de pequenos, por falta de espaço para atuar com o que realmente me interessava”, relembra.
Mas, quando começou o estágio com pets não convencionais no último ano, se apaixonou. “Mas, assim que tive minha primeira experiência na África, foi quando eu realmente percebi as oportunidades fora de uma clínica convencional e, assim, comecei a encontrar vários caminhos diferentes que poderia seguir com a minha formação, além de ver os grandes impactos positivos e benefícios que eu poderia trazer para a área da conservação”, destaca.
Voluntariado na África vai ficar na memória
Segundo Marcela, um dos dias mais bonitos que presenciou foi a soltura de dois abutres no centro de reabilitação. “Quando cheguei por lá, esses dois abutres foram resgatados, vítimas de envenenamento de carcaça, onde houve em torno de 700 mortes, e esses foram os dois únicos a sobreviverem. Durante o mês que fiquei por lá, acompanhei todo o processo de reabilitação deles e, alguns dias antes de ir embora, fizemos a soltura dos dois”.
Marcela foi chamada para ser uma das pessoas que iria abrir a caixa de contenção onde um deles estava para a soltura, o que tornou o momento ainda mais especial para ela. “A soltura de abutres por lá, na minha opinião, é a mais bonita, pois é feita durante o ‘restaurante de abutres’, que é um método de conservação, onde eles descartam o resto de carcaça não utilizado no dia em uma área que os abutres podem descer e se alimentar, sendo uma fonte segura de alimento para esses animais (para não ter o risco de se alimentarem de carcaça envenenada)”, explica.
E os trabalhos voluntários não pararam por aí. Em junho, Marcela participou de um projeto na Grécia, focado na conservação de tartarugas marinhas, e, em agosto, vai conhecer a Zâmbia, participando de uma iniciativa voltada para veterinários cujo foco será em rinocerontes.
“Os trabalhos voluntários podem ser uma experiência transformadora em vários sentidos. É um momento em que estamos sendo testados o tempo todo, seja no âmbito profissional ou pessoal. Vale muito a pena viver tudo isso”, finaliza.
FAQ sobre o voluntariado na África
Quais atividades são realizadas em projetos de voluntariado com animais silvestres?
As tarefas incluem alimentação, limpeza, medicação, exames clínicos, enriquecimento ambiental e, em alguns casos, necrópsias e cuidados com filhotes órfãos.
Quais os principais desafios do voluntariado veterinário fora do Brasil?
A limitação de recursos, a barreira linguística e a convivência com culturas diferentes são os maiores desafios, além da necessidade de sair da zona de conforto.
Como o voluntariado na África impactou a carreira da veterinária?
Marcela descobriu novas possibilidades na área de conservação de animais silvestres, ampliando sua visão profissional além da clínica convencional.
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