Não faz muito tempo que a comunidade científica veterinária passou a se interessar mais pelo impacto do microbioma intestinal na saúde e na doença animal, e entender o papel dos microorganismos como parte da terapia multimodal em condições como diarreias, constipação e enteropatias crônicas.
De acordo com Marchesi et al, 2015, a definição de microbioma é: “Todo o habitat, incluindo os microorganismos (bactérias, archaea, eucariotos inferiores e superiores e vírus), seus genomas (ou seja, genes) e as condições ambientais ao redor’’. Essa definição é baseada no termo “bioma”, ou seja, os fatores bióticos e abióticos de determinados ambientes. Outros autores limitam a definição de microbioma à coleção de genes e genomas de membros de uma microbiota. Argumenta-se que esta é a definição de metagenoma, que combinado com o ambiente constitui o microbioma. Já o termo Microbiota refere-se – a comunidade de microrganismos encontrados em um ambiente específico ou definido, incluindo bactérias, vírus, fungos, protozoários, etc. – não deve ser confundido com “Microbioma”.
Dados os efeitos abrangentes e muitas vezes profundos do microbioma na saúde de humanos e animais, o microbioma gastrointestinal (GI) é agora reconhecido como um órgão, com capacidades metabólicas únicas. Sendo composto por trilhões de células que residem no trato digestivo, que começa na cavidade oral e continua até o reto, seu desenvolvimento começa antes do nascimento, tendo influência em muitos aspectos, como fisiologia, anatomia, comportamento e reprodução (WERNIMONT et al., 2020).
Embora o microbioma também consista em fungos, arquéias, vírus e protozoários, as bactérias representam a maior fração dos microorganismos intestinais, e coexistem numa relação simbiótica com os seus hospedeiros mamíferos, exercendo a sua influência através da conversão de substâncias e moléculas dietéticas e derivadas do hospedeiro em metabólitos bioativos conhecidos como pós-bióticos.
Ácidos graxos de cadeia curta (AGCC’s), metabólitos do triptofano dietético e ácidos biliares secundários representam exemplos de pós-bióticos decorrentes de interações hospedeiro-microbiota que influenciam o estado de saúde intestinal, incluindo fornecimento energético, permeabilidade intestinal e imunidade. As bactérias intestinais fermentam fibras e carboidratos não digeridos em AGCC’s, os quais nutrem as células epiteliais e regulam a motilidade intestinal e a produção de citocinas. Certas bactérias proteolíticas também geram ácidos graxos de cadeia ramificada (AGCR) e amônia, a partir do excesso de putrefação de proteínas. A microbiota intestinal influencia o metabolismo do triptofano na via da quinurenina, na via da serotonina e nos ligantes dos receptores aril de hidrocarboneto contendo indol, impactando direta e indiretamente a resposta inflamatória, a homeostase imunológica, a função epitelial e a sinalização gastrointestinal (FRITSCH et al., 2023).
O papel das fibras para normalizar a consistência fecal em cães e gatos é bastante estudado, no entanto, a investigação sobre o impacto de diferentes fibras nos processos microbianos de proteólise e sacarólise e a produção concomitante de antioxidantes e pós-bióticos anti-inflamatórios, é limitada. Embora muitas fibras apresentam semelhanças com base em características de solubilidade e fermentabilidade, nem todas proporcionam os mesmos benefícios à saúde do hospedeiro (WERNIMONT et al., 2020).
Em geral, o maior, mais complexo e mais bem estudado microbioma do trato gastrointestinal está localizado no cólon. Em geral, a composição da microbiota intestinal é semelhante entre cães e gatos, sendo de: Firmicutes, Bacteroidetes, Proteobactérias, Fusobactérias e Actinobactérias.
Um estudo realizado no Centro de Nutrição animal da Hill’s com objetivo principal de avaliar os efeitos terapêuticos da adição de fibras prebióticas, onde foi comparado o microbioma fecal, metaboloma fecal e o metaboloma sérico de 39 cães adultos com gastroenterite/enterite crônica bem controlada em relação a um grupo controle de cães saudáveis pareados. O experimento incluiu um alimento teste, contendo um novo blend de fibras prebióticas, um alimento controle sem o blend de fibras, e um alimento coadjuvante disponível comercialmente indicado para o manejo de condições responsivas à fibra.
O estudo mostrou que animais alimentados com o blend de fibras quando comparados ao alimento coadjuvante, apresentaram maior umidade de fezes, menor pH fecal e maior concentração de lactato, além de uma menor produção de AGCR, os quais são associados ao metabolismo putrefativo.
Também foi observado maior produção de AGCC, como o ácido butírico, e um maior nível de pós-bióticos e polifenóis, tendo efeitos antiinflamatórios e antioxidantes. Características consistentes com uma mudança em direção a um microbioma gastrointestinal mais saudável. Resultados semelhantes foram encontrados em felinos, um estudo longitudinal, controlado, multicêntrico e cego, demonstram que o alimento Hill’s Prescription Diet Gastrointestinal Biome melhora significativamente os resultados clínicos avaliados por veterinários em gatos com diarreia ou constipação em menos de 24 horas (WERNIMONT, S.M. et al., 2020).
Evidenciando que uma mudança na dieta pode resultar em fornecimentos de nutrientes específicos para o cólon, nutrindo seletivamente as bactérias desejáveis e fornecendo o substrato necessário para restaurar o crescimento microbiano intestinal saudável, reduzindo assim os sintomas de diversas doenças gastrointestinais. Na verdade, os resultados de vários estudos sugerem que aproximadamente 50% a 60% dos cães com diarreia crônica devido a causas inflamatórias respondem a intervenções nutricionais (FRITSCH et al., 2022). Embora as intervenções dietéticas com modificações na fonte de proteína sejam normalmente a terapia de primeira escolha para cães com diarreia crônica, o uso direcionado de fibras dietéticas contendo metabólitos secundários, como polifenóis, podem oferecer benefícios auxiliares.
Sendo assim, é de extrema importância entender que nem todas as fibras beneficiam a saúde dos animais da mesma maneira, e que os tipos e/ou proporções inadequadas podem reagir com resultados indesejáveis tanto para o paciente, como para seu tutor.
Conhecer e entender as diferenças entre, fibra solúvel e insolúvel, fermentável versus não fermentável, são fundamentais na formulação de um alimento, garantindo assim a modulação intestinal e do microbioma animal.
Referências:
- Marchesi JR. The Vocabulary of microbiome research: a proposal. Microbiome 2015;3:31.
- Fritsch DA, et al. Adding a polyphenol-rich fiber bundle to food impacts the gastrointestinal microbiome and metabolome in dogs. Front Vet Sci. 2023.
- Wernimont, S.M. et al. Food with Specialized Dietary Fiber Sources Improves Clinical Outcomes in Adult Cats with Constipation or Diarrhea FASEB J. 2020;34(1).
- Fritsch DA, et al. A prospective multicenter study of the efficacy of a fiber-supplemented dietary intervention in dogs with chronic large bowel diarrhea. BMC Veterinary Research. 2023.