Uma mulher pede ajuda para que seus três animais de estimação sejam resgatados. A ligação ao Disque 190 acontece no momento em que o companheiro dela não está em casa. O motivo: os bichos são agredidos pelo homem, que também faz ameaças a ela. Pedidos de socorro assim são mais comuns do que parece e se tornam o pano de fundo da “Teoria do Elo”, conceito que estabelece a conexão entre as violências animal e contra pessoas.
O tema ganha destaque no Agosto Lilás – mês dedicado à defesa de mulheres vítimas de violência – com a campanha “Proteger os animais é prevenir a violência. Um elo pela vida” lançado pelo Sistema Conselho Federal e Conselhos Regionais de Medicina Veterinária (Sistema CFMV/CRMVs). A proposta é conscientizar a sociedade sobre essa interligação e a necessidade urgente de abordar o problema de maneira integrada. No Brasil, não há cruzamento de dados relacionados a maus-tratos a animais e violência contra pessoas, mas estudos internacionais demonstram que a conexão entre os crimes é real.
É o que acontece nos Estados Unidos, segundo o perito médico-veterinário Felipe Sá, que trabalha na polícia científica do Pará. “Naquele país, o comportamento violento contra animais é monitorado como forma de prevenção e isso tem prevenido crimes por lá. O crime contra o animal não é um simples crime ambiental. Existe conexão com outras violências e temos nos deparado com uma série de casos que confirmam esse link. Em uma denúncia de abuso sexual, uma equipe médica foi acionada para coletar amostras para exames. Pouco tempo depois, o mesmo agressor matou os animais da casa e os ferimentos foram identificados na necropsia”, exemplifica.
Na Bahia, um trabalho integrado liderado pela Ronda Maria da Penha, da Polícia Militar, aprofunda denúncias de violência contra a mulher quando há a presença de animais no ambiente doméstico, segundo a major Alcilene Coutinho, que integra a Superintendência de Prevenção à Violência da Secretaria de Segurança Pública baiana. “Quando a gente verifica que a casa tem sido ambiente de violência para animais, começamos a monitorar outros tipos de violência através de uma rede integrada com profissionais de assistência social, saúde e área jurídica. Os maus-tratos aos bichos são um sinal de que a violência vai escalar”, indica a policial.
Alcilene Coutinho destaca a importância de políticas públicas que integrem diversas áreas de atuação. “A gente tem, ainda, a integração com o conselho tutelar para romper o chamado ciclo intergeracional de violência porque crianças que crescem em contextos assim tendem a repetir as práticas”, explica a major.
Médicos-veterinários também podem contribuir de forma decisiva para que o ciclo de violência seja quebrado ao perceber lesões não acidentais em animais. “É um desafio importante. O profissional precisa ter a coragem de fazer a denúncia. Há dificuldade em reconhecer que a lesão foi intencional. Há também receio porque o cidadão que agrediu pode ser a mesma pessoa que leva o animal à consulta. O médico-veterinário fica com medo e confunde o sigilo profissional quando deveria fazer a denúncia porque, naquele momento, será o agente que vai quebrar essa corrente”, comenta Felipe Sá, alertando sobre a demanda crescente por uma estrutura mais robusta de denúncia e comunicação interinstitucional que, inclusive, preveja a proteção do médico-veterinário.
Alcilene Coutinho enfatiza que a prevenção é uma necessidade que precisa ser estendida a todos os membros da família. “Do mesmo modo que a gente tem trabalho no campo da saúde humana para realizar notificação compulsória quando crianças e mulheres chegam em situação de violência, precisamos entender que a violência contra animais está conectada a outras formas de violência. A gente vai salvar a vida do animal e de todo o grupo que está inserido naquele contexto familiar. Essa é a importância do profissional que está com este olhar atento”, afirma.
Felipe Sá e Alcilene Coutinho ressaltam a necessidade de uma abordagem acolhedora para as vítimas reforçando que proteger os animais é também proteger as pessoas. “É preciso que a pessoa se sinta fortalecida para que ela possa o mais rapidamente possível quebrar esse ciclo de violência. O acolhimento pode ser a garantir a de vida para muitos”, concluem.
Fonte: CFMV, adaptado pela Equipe Cães e Gatos.
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