A Criptococose está entre as zoonoses, ou seja, enfermidades transmitidas entre animais e humanos, com maior relevância.
Conhecida como a “doença do pombo”, segundo a médica-veterinária pós-graduada em Infectologia Veterinária, Tatiane Modesto, essa patologia é causada por um fungo do gênero Cryptococcus e suas variantes Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii.
“O fungo se multiplica em árvores e matéria orgânica morta, estando presente no solo e, principalmente, nas fezes de aves, sobretudo fezes de pombos”, explica.
De acordo com a profissional, a doença é caracterizada como uma micose sistêmica de caráter zoonótico tanto em seres humanos quanto em animais.
“Ela pode afetar o sistema respiratório (forma pulmonar), sistema nervoso central (forma neurológica), sistema tegumentar (forma cutânea) ou até mesmo qualquer outra parte do corpo de maneira disseminada – especialmente em indivíduos imunocomprometidos – causando lesões oculares e ósseas, por exemplo”, cita.
Além disso, por mais que a Criptococose possa acometer cães e gatos, não existe agente etiológico “espécie-específico”. Porém, estudos mostram que os cães, geralmente, desenvolvem sinais clínicos mais graves do que os felinos. No entanto, os gatos têm de cinco a seis vezes mais probabilidade de serem afetados pela doença do que os caninos.
Qual o papel dos pombos na transmissão da doença?
Mesmo a Criptococose sendo uma zoonose, Tatiane esclarece que a doença não é transmitida diretamente entre animais e seres humanos e nem mesmo entre indivíduos da mesma espécie.
“A transmissão ocorre de maneira indireta pela inalação de esporos que o fungo produz em condições favoráveis ao seu crescimento e reprodução no ambiente. Exemplos disso são os locais onde existe o acúmulo de fezes pela aglomeração de pombos ou criação de aves em galpões e ambientes fechados”, explica.
Neste contexto, a médica-veterinária pontua que os pombos, por meio das suas fezes, desempenham o papel de disseminadores dos agentes etiológicos no ambiente e também são agentes de manutenção de reservatório ambiental, principalmente no ciclo urbano.
“Em resumo, quando os pombos defecam em forros de prédios e casas, telhados, praças, no solo, dentre outros locais, contribuem para a contaminação de ambientes urbanos. Inclusive, nas fezes dessas aves há muito nitrogênio, que é um excelente meio de cultivo para o patógeno, o qual consegue sobreviver por até dois anos nessas condições”, cita.
Como a criptococose se manifesta?
Modesto relata que os sinais clínicos da Criptococose dependem da condição imunológica do animal e que as formas mais graves da doença estão associadas a pacientes imunocomprometidos.
“A apresentação da doença nos cães e nos gatos pode ser diferente. Nos felinos, de um modo geral, os sintomas envolvem alterações cutâneas, naso-cutâneas ou oculares. Neles são comuns lesões ulceradas ou nodulares, que podem formar massas granulomatosas (granulomas), espirros, uveíte, hífema, cegueira súbita, retinopatia e secreção nasal sanguinolenta ou mucopurulenta crônica. Outra característica é a deformidade e edema em região de nariz, conhecida como “nariz de palhaço””, relata.
Já nos cães, conforme cita a profissional, há uma maior probabilidade do desenvolvimento da forma pulmonar, tendo como sinais tosse, dispneia e pneumonia.
A forma disseminada também é comum, existindo o acometimento de diversos órgãos simultaneamente, assim como a neurológica, gerando sintomas como convulsão, ataxia, meningoencefalite, alteração do comportamento, andar em círculos e paraplegia.

E o diagnóstico?
Tatiane esclare que para diagnosticar a Criptococose os médicos-veterinários devem realizar uma combinação entre anamnese detalhada e bem feita, descrição dos sinais clínicos e diagnóstico laboratorial.
“O exame de triagem para a doença é a citologia, que pode ser realizada por imprint e aspirado de diferentes amostras: da lesão/granuloma, do líquor, do lavado brônquico, do pus no interior de abscessos, dos linfonodos e de aspirado de medula óssea”, exemplifica.
De acordo com ela, no microscópio é vista a levedura e a cápsula do criptococo que, muitas vezes, se assemelha com o fungo do gênero Sporothrix (causador da esporotricose). “Então, recomenda-se utilizar o corante tinta da China (“Nanquim”) para evidenciar o patógeno e facilitar sua visualização”, complementa.
Outros exames que podem ser utilizados são histopatológico, sorologia (pesquisa de antígeno) e cultura fúngica, sendo possível coletar as mesmas amostras da citologia.
“Dentre os exames complementares de imagem podemos citar a radiografia de crânio e tórax e a tomografia para pesquisar alterações em vias respiratórias e massas granulomatosas”, pontua.
Se for fechado o diagnóstico de criptococose, os médicos-veterinários não precisam notificar a doença às autoridades.
“A Criptococose não é uma enfermidade de notificação obrigatória, pois as micoses sistêmicas não entram para a lista de doenças de notificação compulsória no país. No entanto, os profissionais devem comunicar os casos suspeitos ou confirmados às autoridades de saúde pública (vigilância sanitária e de zoonoses), principalmente se estes estão inseridos em ambientes com circulação importante de pessoas e com população de pombos por perto”, relata Modesto.
Cuidados com animais suspeitos de Criptococose
Durante os atendimentos de animais com suspeita de Criptococose é essencial que os médicos-veterinários tomem alguns cuidados.
“O profissional deve utilizar Equipamentos de Proteção Individual (EPI) adequadamente, como luvas, máscaras, aventais e óculos de proteção. Também é importante lavar as mãos após manipular animais com suspeita ou confirmação de Criptococose, especialmente em procedimentos como coleta de amostras e manipulação de materiais infectados”, aconselha Tatiane.
Ela também ressalta que o descarte dos materiais coletados e equipamentos utilizados precisa ser realizado de forma cautelosa, seguindo as devidas normas de segurança. Além disso, após o atendimento deve-se fazer a limpeza do local e dos equipamentos com hipoclorito de sódio (água sanitária).
Os cuidados com o manejo dos cães e gatos diagnosticados com Criptococose deve ser estendido aos tutores.
“Os tutores precisam manter cuidados com a higiene ao manipular esses animais e seus utensílios, como evitar o contato direto com lesões e secreções que possam estar presentes e lavar bem a mão em seguida”, afirma.
A médica-veterinária reforça que, por mais que essa não seja uma zoonose de transmissão direta, os cuidados listados não podem ser deixados de lado, principalmente no caso de tutores que tenham sistema imunológico comprometido e correm o risco maior de contrair doenças oportunistas.
A prevenção é a melhor saída
Os cuidados domiciliares são a melhor forma de prevenir a Criptococose.
Tatiane comenta que durante a limpeza da casa os tutores não devem limpar ou varrer a seco fezes de pombas. O motivo é simples, nesse ato os esporos do fungo são dispersados no ar sob forma de aerossóis, ocorrendo o risco de aspiração e infecção.
Dessa forma, segundo a médica-veterinária, caso seja necessário limpar um local em que há acumulo de fezes de pombas, o ideal é umidificá-lo para que os fungos possam ser removidos com segurança. A pessoa responsável pela limpeza deve utilizar máscara como EPI.
“A principal prevenção é evitar a exposição ao fungo e ter o devido manejo ambiental dos pets, como mantê-los em um ambiente limpo e livre de aglomeração de pombos. Além disso, felinos portadores de doenças como FIV e/ou FeLV precisam ainda de maior atenção com os cuidados”, conclui.
FAQ sobre a Criptococose
Como é o tratamento da Criptococose?
O tratamento da doença é realizado com medicamentos antifúngicos, como o Itraconazol e Fluconazol. Porém, o uso de antifúngicos requer sempre o monitoramento de enzimas hepáticas, pois pode comprometer o funcionamento do fígado.
Qual o tempo médio de duração do tratamento da Criptococose?
A terapia para Criptococose deve ser realizada por um período mínimo de quatro a seis meses, em média. O ideal é que o tratamento não seja interrompido até que pelo menos dois testes sorológicos para pesquisa de antígeno sejam negativos.
A Criptococose tem cura?
Por mais que a Criptococose tenha um prognóstico reservado e seja potencialmente fatal nos casos mais graves, é possível curá-la. Contudo, a cura total pode levar de meses até um ano.
LEIA TAMBÉM:
Brasil é “local perfeito” para disseminação do fungo da esporotricose
Dia Mundial das Zoonoses: Prevenção e informação reduzem os riscos das zoonoses no dia a dia
Profissional comenta importância da prevenção de doenças em pets e o papel da saúde única