A prescrição de probióticos em casos de disbiose ainda levanta dúvidas na prática clínica: quais cepas escolher? É possível associar ao uso de antibióticos? A dieta influencia? Para esclarecer essas e outras questões, a revista Cães & Gatos conversou com a PhD em nutrição de animais de companhia e atualmente professora associada de nutrição animal da Universidade Federal do Paraná, Ananda Felix, durante o Ganepão Pet, realizado entre 11 e 13 de junho, em São Paulo (SP).
A palestra que deu origem à entrevista teve apoio da PremieRpet e reuniu insights valiosos sobre a avaliação crítica da microbiota intestinal, o papel das leveduras, os impactos dos antibióticos e a real eficácia dos probióticos disponíveis no mercado.
Na entrevista, Ananda apresenta dados científicos, discute conceitos como “tamanho do efeito”, alerta para o risco das dietas de baixa digestibilidade e compartilha diretrizes práticas para a prescrição consciente e eficiente de probióticos. Um conteúdo técnico essencial para o médico-veterinário clínico que busca melhorar o manejo de pacientes com distúrbios gastrointestinais crônicos e recorrentes.
Cães&Gatos: Ananda, quando falamos de disbiose, ainda há confusão sobre o conceito entre os profissionais? Como devemos entender esse termo atualmente?
Ananda Felix: Hoje temos uma compreensão muito mais clara sobre a disbiose. Trata-se de um desequilíbrio na microbiota intestinal, frequentemente observado em cães com enteropatias crônicas. A boa notícia é que esse tema já está mais bem discutido e difundido. A disbiose não é apenas uma consequência da doença, mas também pode ser provocada por outros fatores como o uso de antibióticos e a qualidade da dieta.
Cães&Gatos: Quais pacientes devemos suspeitar de disbiose e considerar a recomendação de um probiótico?
Ananda Felix: Pacientes com sinais clínicos gastrointestinais recorrentes, como diarreias agudas ou crônicas, são os principais candidatos à investigação de disbiose. O uso de antibióticos, mesmo em curto prazo, já pode provocar alterações significativas na microbiota intestinal. A recomendação de probióticos deve ser sempre pensada de forma complementar, junto ao controle da dieta e, quando possível, redução do uso de antibióticos.
Cães&Gatos: Você mencionou em sua apresentação o conceito de “tamanho do efeito”. Poderia explicar como isso se aplica à avaliação da disbiose?
Ananda Felix: O tamanho do efeito é um cálculo estatístico que ajuda a quantificar a magnitude da diferença entre grupos, como entre cães saudáveis e aqueles com enteropatias crônicas. Por exemplo, observamos que o efeito da doença sobre o índice de disbiose pode ser de 2,7 – isso nos mostra uma alteração expressiva na microbiota. Já um probiótico isolado, por exemplo, pode ter um efeito mais modesto, de 0,6. Isso reforça que ele deve ser parte de um protocolo mais amplo de manejo.
Cães&Gatos: A dieta entra como protagonista nesse processo? O quanto a digestibilidade influencia na disbiose?
Ananda Felix: Influencia muito! Um dos achados mais interessantes nos nossos estudos é que a digestibilidade da proteína na dieta tem um impacto enorme sobre o índice de disbiose. Cães que consomem dietas com baixa digestibilidade apresentam aumento significativo de bactérias como Streptococcus e Escherichia coli, associadas à disbiose. Em alguns casos, a digestibilidade da dieta chega a ter um efeito ainda maior do que a própria doença sobre a microbiota.
Cães&Gatos: Diante disso, que orientação você daria ao clínico diante de um paciente com suspeita de disbiose?
Ananda Felix: Antes de pensar em prescrever o probiótico, o ideal é avaliar a dieta que esse cão está consumindo. Dietas com alta digestibilidade de proteína, como aquelas formuladas para suporte gastrointestinal ou com proteína hidrolisada, tendem a modular melhor a microbiota. Só depois de corrigir esse fator, o probiótico entra como uma ferramenta adicional de suporte.