Cláudia Guimarães, em casa
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Se você tem ou já teve gatos consegue perceber – mesmo que não seja possível descrever – a ligação que eles, sim, podem criar com nós, tutores. Também sabe que cada um possui uma personalidade ímpar. Claro, há “manias” universais entre os gatos, que nos remetem, inclusive, aos grandes felinos pela semelhança, mas cada um deles tem suas características bem marcadas. Hoje (17) é o Dia Mundial do Gato e ele é nosso personagem especial.
Além do que já foi dito sobre esses bichanos, se você já teve gatos de diferentes cores, também já deve ter comparado ou associado uma atitude comportamental com a cor dos animais. Um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, publicou, em 2012, um estudo sobre as cores dos gatos influenciarem em sua personalidade, baseado na entrevista de 189 proprietários de gatos. Poucos anos depois, em 2015, esse estudo foi revisado pela Universidade de Davis, também na Califórnia, por meio de uma pesquisa on-line com 1274 tutores de gatos. Nessa pesquisa, foi pedido que os tutores avaliassem o nível de agressão de seus gatos em casa, durante o manuseio e as visitas ao veterinário.
Serem castrados ou não, como é o ambiente em que vivem e como foi o período de socialização dos animais são os fatores que influenciam no comportamento (Foto: reprodução)
De acordo com a médica-veterinária especializada em Gatos, da Clínica de Medicina Felina Gato é Gente Boa (Itu-SP), Vanessa Zimbres, embora esses estudos ofereçam algumas informações interessantes, eles não fornecem uma resposta definitiva sobre se certos traços de personalidade estão associados a cores específicas da pelagem. “O estudo fornece percepções humanas, baseadas na experiência de cada tutor. Os entrevistados, de diversas localidades e idades, apresentam suposições diferentes, onde uma pessoa considera agressivo um tipo de comportamento enquanto que outra considera uma brincadeira. Os gatos domésticos têm pouco tempo de domesticação, ainda perpetuam suas características selvagens, são semissociais e muitos dos ‘problemas’ comportamentais estão relacionados ao ambiente inadequado de criação onde o gato não tem suas necessidades básicas preenchidas”, explica.
Vanessa ainda menciona que não é incomum um gato ser considerado agressivo quando, na verdade, ele está com medo. “A agressividade nos gatos domésticos é superestimada. Infelizmente, algumas publicações estampam nos seus títulos ‘A cor da pelagem é fator determinante na personalidade do gato’, mas isso é um grande erro”, observa.
Os estudos publicados, na visão de Vanessa, deixa claro suas limitações, dentre elas, os comportamentos relatados foram as opiniões subjetivas dos proprietários de gatos e não foram possíveis observações objetivas ou validações; algumas categorias de cores de pelagem tinham relativamente poucos representantes; raças, ambiente doméstico e estado de castração podem interferir no comportamento do animal referido na entrevista; as categorias testadas e o design da pesquisa, o que causou a agressão no manuseio ou no veterinário, por exemplo, devem ser revisadas para adequada comparação.
Por outro lado, Vanessa considera importante citar a conclusão do estudo, onde ele sugere que cores da pelagem podem estar associadas a comportamentos agressivos no gato, mas que as diferenças são relativamente pequenas. “Além disso, a sutileza dos resultados deste levantamento sugere a necessidade de pesquisas adicionais sobre o tema, incluindo estudos observacionais, pesquisas maiores com os tutores ou mesmo exames no nível molecular ou alélico”, expõe.
Também conversamos com a médica-veterinária especializada em Medicina Felina, Mayara Maeda, que corrobora o que já foi dito por Vanessa. Segundo Mayara, as diferenças encontradas são relativamente pequenas e isso pode ser explicado pelo fato de que o exame dependeu totalmente da interpretação que cada tutor nos critérios de pontuação de cada tema a ser analisado. “Além de que, no geral, os níveis de agressão foram muito baixos, fazendo com que uma agressão sutil fizesse com que gerasse uma diferença significativa entre os animais comparados”, salienta.
A profissional ainda menciona que existem algumas variáveis que também podem alterar totalmente a interpretação dos resultados. “Como por exemplo, serem castrados ou não, como é o ambiente em que vivem e como foi o período de socialização dos animais. Infelizmente, essas variáveis não foram avaliadas em conjunto com as demais informações”, observa.
Assim, apesar de ser um tema muito interessante e curioso, na visão de Mayara, mais estudos serão necessários para que seja possível definir com mais clareza o impacto que a coloração da pelagem dos gatos tem a dizer a respeito do comportamento. “Ainda é cedo para conclusões”, assegura a veterinária que nos lembra: “A coloração dos pelos está totalmente ligada aos genes que os animais carregam. Até então, não há outros estudos que tenham correlacionado a coloração da pelagem com o comportamento dos gatos. Há muito ainda que precisa ser pesquisado para maior detalhamento da correlação da cor da pelagem com o nível de agressividade ou temperamento dos felinos”.
A coloração dos pelos está totalmente ligada aos genes que os animais carregam (Foto: reprodução)
O que é comprovado? Outra informação que volta e meia surge por aí é que os gatos brancos são surdos. Vanessa revela que á um dado correto: “A surdez congênita hereditária é observada quase exclusivamente em gatos com pelo branco. Essa surdez é causada pela degeneração do aparelho auditivo do ouvido interno, podendo afetar uma orelha ou ambas. O gene responsável é autossômico e parece ter mais de um efeito, sendo responsável pela cor branca, olhos azuis e pela surdez. O gene tem penetrância completa para a cor branca (portanto, todos os gatos surdos são brancos), mas penetrância incompleta para a cor dos olhos azuis e surdez, portanto nem todos os gatos brancos e de olhos azuis são surdos”, discorre e adiciona que esse defeito genético, obviamente, tem efeito marcante no comportamento do gato branco que muitos vão considerá-lo como animais lentos e indiferentes.
Mayara, por sua vez, informa que a possibilidade não é 100% garantida. “Os gatos totalmente brancos com os olhos azuis têm 80% de chance de serem surdos. Eles possuem o gene W/w, que são dominantes entre os outros genes. Este gene está correlacionado à surdez e afeta as células do sistema nervoso central do embrião. Quanto mais forte for o gene, menos melanina o animal terá e seu olho será mais claro, ficando mais evidente a ‘potência do gene’ naquele organismo. Ou seja, se ambos os olhos forem azuis, o gene W se manifestou de forma mais significativa, aumentando, assim, as chances do animal ser surdo”, ensina.
Quando os gatos apresentam somente um olho azul e o outro de outra cor, Mayara informa que a porcentagem de surdez cai para 40%. Sendo assim, o ouvido comprometido, muitas vezes, é o ouvido localizado do mesmo lado em que o olho é azul.
Outra comprovação científica que há é sobre os gatos tricolores (de três cores) serem todos fêmeas. Sobe isso, Mayara diz que o gene que determina se um gato vai ser preto ou laranja está no cromossomo X. “Sendo assim, somente as fêmeas poderiam apresentar as duas cores juntas, pois possuem cromossomos sexuais XX e os machos XY. Desta forma, as colorações de pelagem escaminha e tricolor só poderiam ser expressas em gatas”, indica.
Vanessa complementa o tópico: “A única maneira de um gato macho apresentar três cores – as cores ‘calico’ ou ‘tortoiseshell’ (escama de tartaruga), é quando há uma anomalia cromossômica, como a que ocorre na síndrome de Klinefelter, em humanos, onde ele apresenta um cromossomo X a mais. Essa condição é rara e os animais são estéreis”, complementa a veterinária. Além de gatos com essa anomalia serem inférteis, Mayara complementa dizendo que eles apresentam aparência feminina, possuem menor desenvolvimento corporal, são criptorquidas e/ou possuem volume testicular pequeno.
Como lembrado por Vanessa, até o momento, há poucas evidências de que essas diferenças percebidas entre gatos de cores diferentes realmente existem, mas há sérias repercussões para os gatos, se as pessoas acreditarem que algumas cores são mais amigáveis do que outras. “Gatos de cores escuras permanecem mais tempo nos abrigos que gatos de cores mais claras ou estampadas. Apesar de o estudo não mostrar traços negativos da personalidade desses animais, acredita-se que a sua menor taxa de adoção seja devido a sua aparência”, comenta.
E, ainda sobre os gatos pretos, apontados no estudo como muito carinhosos e gratos aos tutores, a especialista em felinos afirma que, assim como os humanos, os gatos domésticos são frequentemente julgados por sua cor e a mídia e o folclore ajudam a perpetuar esses estereótipos com imagens de gatos pretos frequentemente associados à má sorte. “Essa lenda vem desde a idade média, quando os gatos eram perseguidos pela Santa Inquisição”, relembra.
Gatos são territorialistas, mas isso não interfere no nível de amor e ligação com seu tutor (Foto: reprodução)
Mayara relata que, depois de diversas histórias e mitos relacionados aos gatos pretos, hoje, apesar de sabermos que os gatos pretos são tão amáveis quanto os de outras cores, também sabemos que ainda há quem atravesse a rua para não ter o azar de cruzar com um gato preto. “A parte boa desta história é que sabemos que isso está mudando muito nos últimos anos, onde a espécie felina está cada vez mais dentro dos lares brasileiros, mostrando como a companhia de um gato pode ser tão amável e prazerosa e, com isso, essas más reputações também estão aos poucos, sendo desacreditadas”, constata.
Por fim, Vanessa declara que, ao contrário do que muitos dizem, que “gatos gostam da casa e não dos seus tutores”, quem tem um gato sabe que isso é mais do que um mito: é uma calúnia! “Pois quem tem gatos sabe o quão companheiros eles são. Quem tem gato, jamais dirá isso. Com um felino, você nunca está sozinho, nem na hora de utilizar o banheiro”, brinca. Ela também diz que eles oferecem apoio silencioso enquanto sentam ao seu lado, um miado de saudação de boas-vindas quando você chega em casa, um ronronar que acalma o coração e conforta a alma e um atrito entusiasmado contra você enquanto os alimenta. “Quem tem gato, sabe bem do que eu estou falando. E quem nunca teve deveria se dar a oportunidade de ter um, independentemente da cor”, finaliza.
Mayara, então, alega ser completamente suspeita a falar de gatos, já que os considera “tudo de bom”: “Os felinos são seres imensamente carinhosos. Cada um do seu jeitinho. Há aqueles que são mais extrovertidos e aqueles mais introvertidos. Este é um detalhe que precisa ser reconhecido quando se tem um gato. Aceitar a característica de cada um é muito importante para uma convivência saudável de ambos”, frisa.
Para a veterinária, os gatos são seres que sabem ser companheiros silenciosos e brincalhões ao mesmo tempo. “São metódicos e sua rotina é bastante previsível, fazendo com que a convivência seja harmoniosa quando estes detalhes são reconhecidos. Gatos são seres imensamente limpos, eles cuidam da higiene milimetricamente todos os dias. Não existe isso do gato gostar da casa e não do tutor. Eles são, sim, animais territorialistas, mas isso não interfere no nível de amor e ligação com seu tutor”, desmistifica.
Em sua percepção, o gato é o animal do futuro. “Porém, engana-se aquele que escolhe ter gato ao invés de cão devido à falta de tempo para os cuidados. Gatos precisam de dedicação diariamente. Limpeza com as caixinhas de areia e tempo para carinho e brincadeira são imprescindíveis para manter uma boa saúde física e mental. Tem uma frase que gosto muito de falar e ouço dos tutores de gato de primeira viagem: ‘Só não gosta de gato aquele que nunca teve um’”, conclui.