Cláudia Guimarães, da redação
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Especialista conta que 80% dos gatos possuem tipologia sanguínea A (Foto: C&G VF)
Um tutor chega à clínica de um médico-veterinário com seu animal de estimação que acaba de ser atropelado e, por conta disso, está perdendo muito sangue. Além dos primeiros socorros para manter o pet em vida, o profissional depende de bolsas de sangue doadas para realizar uma transfusão. Embora casos assim sejam habituais, a quantidade de sangue doado é muito inferior do que a realidade exige.
O problema fica ainda mais comum se estiver na mesa do consultório um Akita, que está entre as raças que apresentam maior predisposição a problemas relacionados ao sangue. Boxer e Golden se unem nessa com prevalência de tumores em geral. No caso dos gatos, o Persa é o que mais necessita de transfusão por sofrer de problemas renais. Em comum, todos dependem de doadores.
A médica-veterinária, com pós-graduação em patologia clínica, Carolina Gutierrez Pellizzer, dirige o Banco de Sangue Veterinário de Sorocaba (Sorocaba/SP) e conta que a dificuldade em encontrar doadores é grande, porque, geralmente, as pessoas têm receio em submeter o animal de estimação à doação. “Mas procuramos divulgar que fazemos da forma mais tranquila e agradável possível. O animal não é colocado em sedação, fica em posição confortável e em um ambiente aconchegante para não causar estresse”, descreve a profissional que ainda completa: “Temos que lidar com essa dificuldade cultural. Normalmente, quem já precisou de sangue para o seu animal, oferece os pets para a doação de sangue, porque sabe da dificuldade que tiveram”.
A especialista revela que o verão é a época em que mais há falta de sangue nos bancos. “A principal doença que causa anemia em cães e gatos é a doença do carrapato, a erliquiose, que também resulta em uma baixa de plaquetas muito grande. No verão, os carrapatos tem um nível de incidência maior e, consequentemente, a doença aumenta nesta época”, relata.
Carolina Pellizzer revela que o verão é a época em que mais há falta de sangue nos bancos (Foto: C&G VF)
Mas a culpa de uma transfusão sem sucesso nem sempre fica só a cargo da disponibilidade do sangue. Outro fator que merece ser destacado é a compatibilidade do sangue com o organismo do animal enfermo. A médica-veterinária expõe que existem alguns artigos que dizem que um cão pode doar seu sangue para um gato, porém outros não defendem esta teoria. “Eu nunca fiz nenhum tipo de trabalho assim, procuro fazer um teste de compatibilidade de cão com cão e gato com gato para evitar qualquer reação da transfusão e, também, cardíaca”. Estas reações citadas pela profissional podem acontecer em até 72 horas depois da transfusão. Ela explica que, durante o processo, o pet pode apresentar algum tipo de alergia, febre, vômito, urina com sangue, além de ficar inchado. “O próprio organismo do animal olha para aquelas hemácias e falam ‘isso não é nosso’ e começa a combater, o que resulta nessas respostas negativas”.
Em relação ao tipo de sangue dos animais, Carolina mostra que existem mais de 20 tipologias. Em gato, como ela narra, é mais comum o tipo A e no cão o tipo DEA1.1 é o que mais se destaca. “80% dos gatos são tipo A. Os persas também têm uma porcentagem significativa de tipo B”, completa. Mas, assim como para humanos, existem algumas exigências que são checadas com o possível doador. Não é possível coletar sangue de animais abaixo de um ano e nem idosos, acima de oito anos. O peso do cão deve ser, no mínimo, 25kg e do gato acima de 4,5kg. “Coletamos de animais jovens saudáveis e também optamos por aqueles que estão com vacinação e vermifugação em dia. Também não colhemos de fêmeas no cio, que estejam amamentando ou gestantes”, insere.
Quando o cão ou gato está dentro dessas condições, o próximo passo é saber se ele está apto para realizar a doação. São feitos alguns exames para detectar as principais doenças de transmissão via transfusão: erliquiose e babesia canis (doença do carrapato), anaplasmose (doença infeciosa que ataca as células), brucella (doença infecto-contagiosa) e dirofilariose (parasita do coração). Em gatos, FIV (Vírus da Imunodeficiência Felina, conhecida como AIDS felina), FELV (Vírus da Leucemia Felina), leptospirose e Mycoplasma (parasita que invade as células vermelhas do sangue). “Um cão que já teve cinomose, mas foi tratado, pode doar sangue se o teste mostrar que ele não tem o antígeno”, diz a profissional completando que é permitido coletar 450ml do sangue de um animal de 25kg. Se ele chega a 50kg, já é possível coletar duas bolsas. De gatos, normalmente, são coletadas 50ml.
Em junho, foi realizada a campanha Junho Vermelho para incentivar pessoas a doarem sangue, porém a iniciativa não causou resultado atípico nos bancos veterinários (Foto: C&G VF)
A especialista lembra que a transfusão é um tratamento suporte, que não cura o animal, mas oferece tempo para que o médico-veterinário chegue ao diagnóstico. Em uma situação de leucemia felina, o processo transfusional também serve como auxílio. “A leucemia felina é bem grave e, habitualmente, leva o animal a óbito em algum momento. Porém, a transfusão dá qualidade de vida ao pet”.
O mês de junho foi marcado pela campanha Junho Vermelho, que visa incentivar as doações de sangue em várias cidades do País, mas a campanha para humanos acabou não influenciando tanto a doação de sangue animal. Carolina conta que junho não foi um mês atípico em relação a doações. “Acredito que seja importante a disseminação de campanhas para conscientizar os tutores sobre a necessidade de transformarem seus animais em doadores. Temos mais procura do que oferta de sangue e isso acaba dificultando nosso trabalho e o tratamento dos pets”, menciona.