Cláudia Guimarães, da redação
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Em pleno ano de 2018, com tantos resultados de pesquisas e indícios que movimentam novos estudos, é possível afirmar, sem sombra de dúvida, que a alimentação é uma das principais responsáveis pela saudabilidade dos animais de companhia. Quando oferecida de maneira balanceada e atendendo às necessidades de cães e gatos, ela evita o surgimento de doenças e auxilia na longevidade do animal.
Além das rações industriais, a comida caseira está em alta entre os tutores de pets. Alguns oferecem cozidos, outros optam por alimentos crus, que podem ter seus pontos positivos e negativos. Sobre o tema, a C&G VF conversou com veterinárias e zootecnistas que buscam orientar os proprietários diante da escolha da nutrição dos animais.
A favor da oferta de alimentos crus, a zootecnista Lucimara Ribas Bueno destaca os benefícios obtidos por meio desse tipo de alimentação, entre eles, aumento de imunidade, maior absorção de nutrientes, que auxiliam na pelagem e evitam alergias, e maior consumo de água, o que diminui problemas renais. “Muitos tutores relatam que seus pets ficam mais ativos também”, narra. Em sua visão, trata-se de uma opção nutritiva, capaz de suprir as necessidades dos animais que, por natureza, são carnívoros.
A zootecnista só chama atenção para alguns cuidados: “Para serem saudáveis, os alimentos dependem de sua procedência, armazenamento e manuseio do tutor para evitar contaminações. Resumindo, é necessário seguir certos procedimentos”, destaca.
Alimentação natural pode ser mais palatável e, por isso,estimula o apetite do pet (Foto: reprodução)
A médica-veterinária zootecnista e diretora Operacional do aplicativo Dot Pet (São Paulo/SP), Lara Torrezan é taxativa em sua opinião sobre o assunto: “Não se trata de ser contra ou a favor, mas, sim, de se apropriar de informações e indicadores que nos mostram o que faz bem e o que faz mal para cada tipo de pet e, assim, definir a dieta adequada. Esse é um tema quente, existem crenças e um clima de arquibancada de futebol, mas a indicação da dieta alimentar é uma decisão pragmática. É pura e simplesmente ciência”, argumenta.
Para ela, alimentos crus podem ser mais ricos nutricionalmente, por preservarem alguns nutrientes que podem ser perdidos com cocção. “Por outro lado, o que entra em questão é a digestibilidade e, consequentemente, o aproveitamento de cada alimento pelo pet. Mesmo que a dieta seja titulada como crua, nem todos os alimentos podem ser servidos de forma crua, como os carboidratos e alguns legumes, por exemplo”, sinaliza.
Lara ainda afirma que a alimentação natural pode ser mais palatável e, por isso, estimula o apetite do pet, além de ser mais específica para cada paciente, principalmente os que possuem algumas particularidades, favorecendo o tratamento de doenças crônicas. “Contudo, o tutor irá gastar mais tempo para preparar a comida do pet, o custo tende a ser maior, existe a possibilidade do animal rejeitar alguns alimentos essenciais, caso o proprietário não seja muito disciplinado, a saúde do animal estará em risco e, geralmente, é preciso utilizar suplementos vitamínicos e minerais”, enumera.
Por outro lado, a veterinária residente em Nutrição e Nutrição Clínica de Cães e Gatos, da Universidade Estadual Paulista (Unesp, Jaboticabal/SP), Leticia Warde Luis, é contra a alimentação crua, primeiramente, por atestar que não existem estudos críveis que comprovem os supostas vantagens citadas. “Além da dificuldade em se obter uma dieta completa e balanceada com a alimentação caseira, os alimentos crus oferecem diversos riscos não só aos pets, como também aos tutores”, defende. Segundo ela, há, ainda, risco do desenvolvimento de doenças como o hipertireoidismo e traumas como perfuração do trato gastrointestinal do pet, por conta de fragmentos de ossos, bem como fraturas dentárias.
No entanto, alimentos, como a carne crua, podemcontaminar os pets e os humanos que osmanipulam (Foto: reprodução)
Estudo. Uma pesquisa realizada na Universidade de Utrecht (Holanda), avaliou 35 alimentos congelados para animais de várias marcas diferentes e mostra que 43% dos produtos continham várias espécies de Listeria, que 23% possuíam a bactéria E. Coli e que 20% tinham vestígios de Salmonela, ou seja: ofereceriam riscos aos animais.
Sobre isso, Lucimara explana que, provavelmente, a carne em questão foi de aves que, devido a rapidez do crescimento pelos promotores de desenvolvimento, necessitaram de antibióticos e os produtores não respeitaram o tempo de saída dos medicamentos do organismo para disponibilizar para consumo. “Assim como nós, humanos, que consumimos carne de onça, quibe cru, entre outros, de tempos em tempos, necessitamos tomar vermífugo e ter certeza de que esses alimentos são de boa procedência para não causar uma intoxicação, o mesmo cuidado deve ser tomado com aqueles que serão oferecidos aos pets. Até mesmo um saco de ração armazenado erroneamente pode causar a morte por contaminação de fungos e bactérias”, alega.
Lara incrementa este ponto: carnes, ovos e vísceras fazem parte dos alimentos que são oferecidos crus e que podem trazer riscos aos animais e, inclusive, ao ser humano que convive com eles. “Por isso, se o tutor optar por este tipo de alimentação, deve procurar orientação de um profissional especializado que o auxilie a minimizar os riscos deste tipo de dieta”, adverte.
A residente Leticia cita que diversos microrganismos que podemos existir no alimento cru tem potencial zoonótico, ou seja, causam doenças nos animais que podem ser transmitidas aos seres humanos por contato direto, como, por exemplo, a salmonelose. “Trata-se de uma infecção alimentar grave que leva à gastroenterite e sintomas como vômitos, náuseas, diarreia, febre e intensas dores abdominais e de cabeça, podendo culminar até em sepse”, explana.
Em sua concepção, é assustador saber a quantidade de patógenos que se encontram no alimento e, também, ter noção que o risco não é só dos animais contraírem alguma patologia, mas, também, os tutores, por meio da manipulação no momento de preparar a comida, contaminação cruzada pelos utensílios da cozinha, que, posteriormente, serão utilizados para sua própria alimentação, e, ainda, pelo contato com o seu animal doente. “Muitos tutores que já adquirem a dieta caseira pronta acreditam que, por estar congelada, já está livre de patógenos, porém, como podemos ver no estudo, mesmo nos alimentos congelados foram encontradas diversas bactérias zoonóticas e parasitas. Portanto, o risco realmente é grande”, sublinha.
Atendimento. Para um animal que ingere rações industriais e começará um processo de mudança da alimentação para a natural, Lucimara revela que é uma fase complicada e gradativa, onde muitos tutores não chegam ao décimo dia de trabalho de adaptação. Por isso, a profissional se esforça para que eles se sintam seguros em elaborar, oferecer e observar os resultados da alimentação.
Profissional ainda cita risco de traumas comoperfuração do trato gastrointestinal do pet, por conta defragmentos de ossos (Foto: reprodução)
Impor de dez a quinze dias de atenção costuma ser positivo, segundo Lucimara, mas, infelizmente, à medida em que o pet melhora (normalmente na primeira semana já se nota a resposta do organismo), os proprietários relaxam na dieta. “Independentemente de qualquer opção por parte dos tutores, no 15º dia, encaminho a relação de todos os ingredientes que podem ser benéficos para aquela situação específica. Toda evolução diária é registrada em um prontuário on-line, que é disponibilizado para o veterinário responsável”, explica.
A profissional gostaria que os tutores compreendessem a importância de uma boa nutrição e que, antes de ir atrás das receitas ofertadas em vídeos na internet, compreendessem que cada animal possui uma exigência e uma necessidade específica. “Da mesma forma que uma boa dieta e bons hábitos para os humanos trazem benefícios, para os animais também. No entanto, ofertar uma alimentação sem avaliação clínica é brincar com a vida deles”, garante.
Lara Torrezan também reforça que o cardápio deve ser definido por um especialista e o tutor deve seguir à risca todas as orientações “Qualquer excesso ou falta de nutrientes pode prejudicar a saúde do pet que passará por essa transição”, destaca e explica que, antes de inserir qualquer alimento na dieta do pet, o veterinário (de preferência um nutrólogo) irá avaliar, de acordo com a espécie, condição corporal, estágio de vida, tamanho, peso, entres outras particularidades, as necessidades de cada nutriente para aquele pet em questão. “De acordo com o valor nutricional, ele vai optando pelos alimentos que melhor atenderão às exigências nutricionais e, assim, indicará a quantidade e a frequência permitida de novos alimentos”, adiciona.
Cuidados. Para o animal receber este tipo de dieta, não deve estar com imunidade baixa, debilitado ou passando por alguns tratamentos, segundo a veterinária Lara. “O tutor poderá contar com um especialista experiente em elaboração de dietas especiais para doentes crônicos”, diz.
Letícia Luis conta que já acompanhou diversos casos de doenças infecciosas nas quais o paciente ingeria carne crua e suspeitava-se que essa era a causa dos problemas. “Recentemente, tenho acompanhado um paciente que comia dieta caseira e manifestou sinais clínicos de toxoplasmose. Apesar de uma forte suspeita, não podemos confirmar que ele adquiriu a enfermidade por meio da dieta caseira, mas, mesmo assim, o proprietário optou por voltar à ração seca e não correr mais esse tipo de risco”, relata.
Além dos contras já apresentados por Letícia, ela ainda menciona que uma queixa comum de tutores adeptos da dieta caseira é o maior volume e pior qualidade das fezes dos animais. “Os alimentos industrializados, quando de boa qualidade e de uma marca confiável, são ótimas opções de dieta para cães e gatos, pois são completos e balanceados, formulados especialmente para atender as necessidades nutricionais de cada espécie e não requerem o uso de suplementos, diferente da alimentação caseira, na qual há riscos de desordens nutricionais quando não se tem certeza se a dieta está corretamente balanceada”, evidencia.