Cursos brasileiros não têm a disciplina como obrigatória
Cláudia Guimarães, da redação
Um conflito ao redor da homeopatia, seus praticantes e opositores foi o que a médica-veterinária e especializanda em bioética, pela Universidade de São Paulo (USP, São Paulo/SP), Clarice Vaz, descobriu ao realizar sua pesquisa para definir a presença da especialidade de homeopatia nos cursos de Medicina Veterinária no Brasil.
Contando sua própria experiência, a profissional afirma que, para alguém que teve toda sua formação acadêmica baseada em outro paradigma médico, é desconcertante perceber a existência de um modelo clínico/terapêutico tão distinto. “Mais desconcertante ainda foi perceber o longo caminho que alguém que opte ser veterinário homeopata tem pela frente: ainda que muitas das disciplinas básicas da graduação constituam uma base em comum, a formação que os currículos atuais em Medicina Veterinária permite está longe de preparar um veterinário homeopata”, opina. Ela ainda revela que, ao entrar em contato com a homeopatia, percebeu uma reprovação generalizada dirigida a esta prática e seus praticantes. “Existe um sentimento de condenação proveniente e que se manifesta tanto verbal como não verbalmente”, expõe.
Vivenciando essa realidade, Clarice problematizou, não só a questão da homeopatia, como, também, da discussão curricular no ensino superior de futuros médicos-veterinários. “Por isso, a pesquisa é muito mais um trabalho em educação do que sobre homeopatia”, explica. Com a finalidade de identificar quais as instituições de ensino do Brasil oferecem, em seus currículos, atividades relacionadas com homeopatia e, a partir daí, avaliar o modo como essas atividades se desenvolvem, a especializanda iniciou a investigação.
Das 99 instituições que participaramda pesquisa, Clarice identificou a presença dehomeopatia em 20,2% delas (Foto: reprodução)
O trabalho foi constituído por uma revisão de literatura e discussão teórica acerca do conflito histórico ao redor da homeopatia, incluindo um debate sobre a formação do espírito de autoridade científica no campo da medicina e sobre o discurso curricular em ensino superior. “A parte empírica da pesquisa contemplou a análise documental dos projetos político pedagógicos, grade curriculares e ementas das disciplinas das instituições de ensino superior do Brasil que oferecem o curso de Medicina Veterinária”, menciona. Paralelamente, Clarice conta que os coordenadores dos cursos identificados foram inquiridos quanto à presença de atividades relacionadas com homeopatia e, nos casos em que estas se verificavam, auxiliaram no descobrimento de quais suas características (ano de implementação, semestre de oferecimento, se era optativa ou obrigatória, etc). “A partir dos dados coletados, foi possível organizar os resultados, com base nos critério ‘público/privado’, localização geográfica, descrição de atividades identificadas, entre outros fatores”, insere.
Resultados. Das 99 instituições que participaram da pesquisa, Clarice conta que foi possível identificar a presença de homeopatia em 20,2% delas, localizadas, sobretudo, na região sudeste do País. “Quando presentes, as disciplinas relacionadas à homeopatia eram, na sua quase totalidade, optativas. A única exceção identificada foi na Universidade de Marília (Unimar, Marília/SP), onde a disciplina é oferecida de forma obrigatória. A avaliação das ementas destas disciplinas, no geral, revelou que o tema homeopatia é apenas superficialmente abordado”, aponta.
A investigação também notou outro fato importante: a maioria das instituições depende, muitas vezes, de iniciativas pessoais de docentes especialistas em homeopatia e que não existe um vínculo direto entre a homeopatia e a universidade, como comenta a veterinária. “A dependência das atividades da disciplina com as atividades de um docente específico revela uma fragilidade na institucionalização da homeopatia no âmbito acadêmico. Não há garantia de permanência deste conhecimento nas referidas instituições em caso de afastamento destes professores”, analisa e ainda insere que algumas organizações não oferecem a disciplina por conta da inexistência de docentes aptos ao tema.
Clarice também lembra que criar espaço dentro de um currículo implica na retirada de outro lado. “A questão será, então, decidir qual lado tirar, por que tirar, qual o valor que determinado conhecimento exerce e o seu poder em termos institucionais. Vendo deste prisma, talvez se entenda mais um fator que dificulta a institucionalização de áreas de conhecimento marginalizadas no âmbito acadêmico”, pondera.
Clarice considera útil a formação de grupos de pesquisamultidisciplinares orientados sobre o tema (Foto: reprodução)
Princípios básicos da homeopatia. Na Medicina Veterinária são, basicamente, os mesmos preconizados em medicina humana, segundo Clarice. “Contudo, trata-se de diferentes espécies e, por isso, é necessário um conhecimento aprofundado em etologia”, frisa. A anamnese e a repertorização, de acordo com ela, deverão levar em consideração todo um conjunto de manifestações fisiológicas e patológicas, cuja avaliação dependerá da capacidade de interpretação do médico-veterinário. “Precisamos, também, reconhecer, no caso dos animais de companhia, a influência que a interpretação dos tutores poderá exercer em nossa avaliação. Isto toma particular importância no momento em que a antropomorfização animal surge como consequência da dinâmica homem-animais de companhia”, aponta. Contudo, o principal desafio que identifica, no âmbito da Medicina Veterinária homeopática, relaciona-se à questão da subjetividade animal. “Neste quesito, creio que se faz necessária a formação de grupos de pesquisa multidisciplinares orientados para o tema”, adiciona.
Para Clarice, se durante a experiência enquanto aluno a pessoa não tomar conhecimento de distintas áreas, é normal que não saiba distingui-las. “No caso da homeopatia, o imaginário evocado é o das ervas, do natural, grânulos de sacarose ou, ainda, dos seus praticantes, diferentes, estranhos”, julga. Em um momento em que a Medicina Veterinária se encontra em processo de compartimentalização por especialidades, tal como aconteceu com a medicina de humanos, Clarice acredita ser fundamental manter um bom diálogo. “Será impossível esta comunicação ocorrer se um lado não sabe o que o outro faz, pensa e decide”, destaca.