Um estudo recente publicado no Brazilian Journal of Animal and Environmental Research (DOI: 10.34188/bjaerv8n2-033) relatou um caso de infecção por herpesvírus canino tipo 1 (CHV-1) em um canil de Shih Tzu na cidade de Sorocaba (SP), destacando a relevância do diagnóstico precoce e da vigilância sanitária mesmo em plantéis clinicamente hígidos.
Conduzido por Bianca Gianola Belline Silva, Amanda Naomi Matsuzaki, Gabriella Ferreira Soares, Priscila Pereira Costa e Ana Carolina Rusca Correa Porto, o estudo documenta intercorrências reprodutivas ocorridas durante dois projetos de iniciação científica voltados à otimização da reprodução canina.
Apesar de todos os cães adultos estarem vacinados, vermifugados e aparentemente saudáveis, três ninhadas apresentaram quadros distintos, mas igualmente preocupantes: natimortos, malformações congênitas e óbitos neonatais nas primeiras 24 horas de vida.
Foram registrados nove óbitos, oriundos de acasalamentos distintos. Neonatos que inicialmente apresentavam bons escores de Apgar evoluíram com rápida piora: perda do reflexo de sucção, flacidez muscular e hipotermia refratária. Outros nasceram prematuros, com sinais de hipóxia e desenvolvimento comprometido.
Um dos filhotes apresentava gastrosquise e outro, constrição e edema em membro posterior. Mesmo com suporte clínico e reanimação neonatal, a maioria dos neonatos evoluiu para óbito. Após exclusão de causas como distúrbios genéticos ou uso de fármacos como cabergolina e KLH, foi iniciada a investigação de doenças infecciosas.
Testes sorológicos e moleculares para agentes como Brucella canis e Neospora caninum foram negativos. A confirmação da infecção por herpesvírus veio apenas após necropsia dos neonatos e análise por microscopia eletrônica, que revelou partículas virais compatíveis com CHV-1.
“A presença de herpesvírus canino foi associada aos achados de hemorragia torácica, liquefação cerebral e agenesia renal observados em exames post mortem”, detalham as autoras. O laudo histopatológico revelou apenas congestão hepática, evidenciando a dificuldade em confirmar o diagnóstico sem o apoio de técnicas laboratoriais específicas.
O herpesvírus canino é um agente viral com alta afinidade por tecidos neonatais e pode ser transmitido transplacentariamente, durante o parto ou logo após o nascimento. Em cães adultos, é frequentemente assintomático, o que favorece a disseminação silenciosa do vírus nos canis.
As manifestações clínicas em filhotes incluem letargia, hipotermia, diarreia, vocalizações constantes e rápida evolução para morte. Segundo Hoskins (2001) e Davidson et al. (2003), a infecção por CHV-1 deve sempre ser considerada em casos de mortalidade neonatal inexplicada.
O estudo também traz à tona possíveis correlações com malformações congênitas, como gastrosquise e síndrome da brida amniótica, conforme descrito por Lobato (2008). Embora as evidências não permitam afirmar que tais alterações foram causadas exclusivamente pelo herpesvírus, a simultaneidade dos achados reforça a necessidade de investigações integradas, que considerem tanto fatores infecciosos quanto anomalias do desenvolvimento fetal.
Síndromes associadas à mortalidade neonatal, como a “síndrome do cão debilitado ou que definha”, são descritas na literatura e remetem a quadros semelhantes aos observados neste caso, em que filhotes inicialmente estáveis evoluem rapidamente ao óbito. Segundo Prats (2005), essas situações são frequentemente multifatoriais e podem envolver infecções, falhas imunológicas e malformações congênitas.
Alguns autores, como Reinaque (2015), discutem a possibilidade de que determinadas proteínas recombinantes utilizadas em protocolos de imunização possam interferir em sinalizadores embriológicos, desencadeando anomalias no desenvolvimento renal e de outros órgãos nobres.
Eriksson (2009) também destaca que alterações em vias de sinalização celular — com impacto na proliferação, migração ou diferenciação embrionária — podem resultar em processos teratogênicos.
Embora essas hipóteses tenham sido inicialmente consideradas no caso estudado, os laudos mais recentes do Instituto Biológico do Estado de São Paulo confirmaram a presença de partículas virais compatíveis com Herpesvírus canino (CHV-1) nas amostras de tecidos neonatais analisadas por microscopia eletrônica, direcionando o diagnóstico para a etiologia viral.