Cláudia Guimarães, em casa
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Tantos são os meses “com cores” durante o ano que servem para nos conscientizar, de alguma forma, sobre determinados assuntos. Neste nono mês, é realizada a campanha Setembro Amarelo, pelo fato de hoje (10) ser Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. E, já em 2021, em meio a tantas outras tragédias que acontecem a nossa volta, é chegada a hora de acabar com o tabu que foi criado acerca do suicídio, porque só falando sobre ele é possível evitar novos casos.
Durante todo o mês de setembro, profissionais da área de saúde mental realizam diversas palestras e debates, para que seja possível, principalmente, propagar informações a respeito desse assunto que é considerado sério e, normalmente, evitado pela sociedade. “Falar sobre suicídio é uma questão de Saúde Pública, independente da profissão, classe social ou idade. Por isso, cabe a todos nós falarmos sobre essa campanha e esse tema”, declara a psicóloga clínica e professora, especialista em Psicologia Analítica, mestre e doutoranda em Psicologia Clínica e presidente da Associação Brasileira em prol da Saúde Mental na Medicina Veterinária (Ekoa Vet), Bianca Stevanin Gresele.
Então, falemos sobre o suicídio na Medicina Veterinária! Segundo Bianca, a taxa de suicídio na profissão surgiu a partir de várias pesquisas internacionais, que constataram que o médico-veterinário tem um alto índice de suicídio, quando comparado a outras profissões e a população em geral. “Já tive a oportunidade de ler e analisar várias dessas pesquisas, assim como estou sempre atenta caso surjam novas. Além do interesse pela temática, ler esses estudos contribui para o processo de elaboração da minha pesquisa de doutorado, que é sobre isso”, expõe.
Quanto às considerações dessas pesquisas, a psicóloga afirma que, primeiramente, vale ressaltar que a maioria dessas pesquisas teve métodos bem elaborados e resultados consistentes, contudo, foram realizadas em outros países. “Por isso, ressalta-se a necessidade de desenvolver essas mesmas pesquisas no Brasil, para que possamos levantar dados e taxas especificamente da saúde mental dos médicos-veterinários brasileiros”, pondera.
Não é de uma hora para outra!
Bianca explica que o suicídio é uma questão complexa para o qual não existe uma única causa ou somente uma razão. “Os motivos para pensar ou cometer suicídio podem ser bem diferentes de pessoa para pessoa, porém, mais indivíduos do que nós imaginamos já tiveram essa intenção em algum momento da vida. Ninguém passa a ter pensamentos suicidas de um dia para o outro, é algo gradativo, que acontece com alguém que não está se sentindo bem há algum tempo”, destaca.
Pessoas de todas as idades e classes sociais cometem suicídio, conforme lembrado pela profissional. “Vários motivos podem levar alguém a isso, geralmente, é uma tentativa de acabar com o próprio sofrimento e com as pressões externas, como culpa, cobranças, sobrecarga, sensação de fracasso, tristeza intensa e humilhação. Além disso, normalmente, também está associado a um quadro de doença mental, como a depressão”, sinaliza.
Em sua visão, é importante salientar que uma pessoa que está pensando em suicídio sente que a sua vida não tem mais solução. “É alguém que não vê mais luz no fim do túnel, por isso, nós precisamos levar ‘essa luz’ até ela, oferecendo ajuda e esperança. Na maioria das vezes, é possível evitar que a ideação suicida se torne realidade”, revela.
Atenção aos sinais dos colegas
De acordo com a profissional, a primeira medida que é preciso tomar com relação a esse tema, é a conscientização, ou seja, é preciso deixar de ter medo de falar sobre o assunto, para que possamos quebrar esse tabu. “Ter o conhecimento das principais causas e sobre as formas possíveis de ajudar alguém são os primeiros passos para reduzir as taxas de suicídio no Brasil e na Medicina Veterinária”, argumenta.
Na maioria dos casos, segundo Bianca, a pessoa que pensa em suicídio pede socorro, ela comunica seu pensamento suicida. “Frequentemente, sinaliza e faz comentários como: ‘não quero mais viver’, ‘quero morrer’, ‘se eu sumir, ninguém irá sentir a minha falta’, ‘quero sumir daqui’, ‘não aguento mais isso’”, relata.
Além disso, Bianca conta que é comum que essa pessoa tenha mudado o seu comportamento habitual. Dentre alguns sintomas que podem ser observados, ela destaca: sentir-se triste na maior parte do tempo, perder o interesse pelas atividades em geral, dormir demais ou ter um quadro de insônia, aumento exacerbado ou perda de apetite, sentir-se cansado o tempo todo, sentir-se culpado, desmotivado e sem esperança, consumo de drogas, ter pensamentos frequentes de morte e em como cometer suicídio.
“O indivíduo que está em uma crise suicida se sente sozinho e isolado. Se um amigo ou familiar decide conversar com ele e se coloca à disposição para ouvir, sem julgar, ele poderá se sentir à vontade para desabafar e procurar ajuda. Por isso, primeiramente, é preciso perder o medo de se aproximar. Ache um lugar adequado, reserve um tempo necessário, chame a pessoa para conversar e se disponibilize para ouvir atentamente e de forma empática”, orienta.
E com os médicos-veterinários?
A psicóloga destaca que, nas profissões de alta assistência, onde empatia, compaixão e cuidado com os outros estão no centro da prática, o Burnout, fadiga por compaixão, esgotamento emocional, e até o suicídio são generalizados e reconhecidos como um risco ocupacional. “Trabalhar em uma função que impõe demandas emocionais à equipe, como a necessidade de mostrar compaixão e empatia pelos clientes que estão emocionalmente abalados, pode tornar os profissionais particularmente vulneráveis”, discorre.
Quanto aos médicos-veterinários, as fontes de estresse que podem contribuir para o adoecimento desses profissionais, de acordo com a especialista, incluem; dar más notícias, gerenciar eventos adversos, interagir com clientes difíceis, trabalhar em equipe, lidar com a morte e o luto, realizar eutanásia, fazer plantões e equilibrar a vida profissional com a pessoal.
“Além disso, destaco a ausência de preparo durantes as suas formações para lidar com todas essas demandas. Geralmente, aqueles que buscam uma carreira nessa área, o fazem por um desejo empático natural de cuidar dos animais e não são preparados para lidar com os clientes. Em alguns países, como exemplo o Estados Unidos e o Reino Unido, é comum ter disciplinas que são conduzidas por um psicólogo nos cursos de Medicina Veterinária, para que possa ser ensinado aos alunos sobre como lidar com a morte e o morrer, comunicação de más notícias, saúde mental e dentre outros assuntos. Infelizmente, isso ainda não é uma realidade nos cursos de graduação do Brasil”, lamenta.
Psicologia na Medicina Veterinária
Bianca está fortemente envolvida no trabalho da saúde mental de médicos-veterinários. Como mencionado anteriormente, ela é presidente da Ekôa Vet (Associação Brasileira em prol da Saúde Mental na Medicina Veterinária). A entidade foi fundada mês passado e tem o objetivo de acolher os profissionais dessa área, realizar debates e promover mais informações a respeito da saúde mental na Medicina Veterinária brasileira. Ela nos conta que, inicialmente, começou nessa área trabalhando com o luto pela morte do animal de estimação. “Mas, ao conviver com os veterinários e ouvir as suas demandas, percebi o quanto esses profissionais estavam sofrendo e precisando de atenção”, relembra.
A partir disso, Bianca começou a pesquisar sobre a saúde mental do veterinário e descobriu que já é um assunto bem desenvolvido em outros países, os quais constataram essas taxas alarmantes sobre o suicídio e doenças mentais nesses profissionais. “Diante disso, decidi iniciar esses estudos e contribuir com a conscientização desse tema no Brasil”, declara.
Segundo ela, o trabalho do psicólogo nessa área consiste em atuar nos hospitais e clínicas veterinárias e realizar treinamentos para a equipe, para que possam lidar de uma forma melhor com todas as demandas que vivenciam; assim como, auxiliar na comunicação de más notícias, oferecer suporte aos tutores em casos de processo de luto e nas decisões que envolvam o fim da vida do paciente. “Eu atendo veterinários na clínica, os que buscam realizar psicoterapia. No momento, também estou dando aula em algumas pós-graduações de Medicina Veterinária, em busca de poder ensiná-los a lidar melhor com os fatores estressantes da rotina”, compartilha.
Bianca está realizando um doutorado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em Psicologia Clínica, intitulado “Um estudo sobre a saúde mental do médico-veterinário brasileiro: suicídio, burnout e fadiga por compaixão”. “Primeiramente, escolhi esse tema por conta da necessidade de desenvolver pesquisas sobre isso no Brasil. Não encontrei nenhuma pesquisa sobre suicídio na profissão no nosso País e foram realizados pouquíssimos estudos sobre doenças mentais nessa profissão. Convivo com muitos médicos e estudantes de veterinária, sempre escuto histórias que me comovem e emocionam, isso me faz ter a certeza de que essa pesquisa será de grande valia para esses profissionais, é uma maneira de tentar contribuir e buscar mudanças”, alega.
A pesquisa ainda está no início, em breve Bianca deve iniciar a coleta de dados. “A perspectiva é de conseguir um bom número de participantes, para que eu possa levantar dados e descrever as taxas referente ao suicídio, burnout e fadiga por compaixão na Medicina Veterinária brasileira. Além disso, está sendo ótimo poder trabalhar próximo aos veterinários, esse convívio está sendo enriquecedor para a minha pesquisa e para o meu olhar como psicóloga”, exalta.
Por mais conscientização aos brasileiros!
Como reforçado pela profissional, no Brasil, pouco se fala da saúde mental dos veterinários. “É um assunto novo, tanto para a área da Veterinária quanto para a Psicologia. Percebe-se que ainda existe uma dificuldade de dialogar sobre o assunto dos próprios profissionais e isso pode dificultar o desenvolvimento do tema”, avalia.
Bianca acredita que seja possível mudar esse cenário conscientizando as pessoas sobre o nível de importância do assunto. “Infelizmente, alguns médicos-veterinários acreditam que o ideal seria evitar dialogar sobre o suicídio e transtornos mentais na profissão, contudo, a ausência de diálogo sobre esses temas só contribui para piora da saúde mental desses profissionais. As taxas existem, as pesquisas já comprovaram isso, agora cabe a nós, em conjunto, buscar estratégias e técnicas para poder mudar essa realidade”, sugestiona.
Além disso, muitos psicólogos, segundo Bianca, não possuem conhecimento sobre a temática e desconhecem a possibilidade de trabalhar no meio veterinário. “Sendo assim, também acho de suma importância que os psicólogos comecem a atuar mais nesse campo e assumam um papel que cabe a eles, o de trabalhar com a saúde mental desses profissionais”, adiciona.
Aos profissionais que se encontram em momentos difíceis de sua vida, principalmente por questões do trabalho, Bianca deixa um recado: “Lembre-se que você é um profissional que cuida! Costumo dizer que os veterinários cuidam ‘em dose dupla’, pois, além do cuidado com o paciente, na maioria dos casos, cuidam, também, dos clientes. Por isso, precisam ainda mais praticar o autocuidado”, aconselha.
Bianca conta que, frequentemente, o autocuidado é associado apenas ao corpo e esquecem-se de cuidar também das suas mentes. “Por isso, autocuidado envolve impor limites, saber dizer não, equilibrar a vida profissional com a pessoal e ter uma boa qualidade de vida. Sempre utilizo a analogia da máscara do oxigênio, pois acredito que é o primeiro pensamento que os veterinários precisam conscientizar. A analogia corresponde à máscara de oxigênio que caem no avião. Lembra da mensagem do comissário de bordo? ‘Sempre coloque a máscara primeiro em você, para depois colocar em alguém que está ao seu lado, caso essa pessoa precise’. O mesmo serve para a vida, antes de cuidar dos outros, você precisa, primeiro, cuidar de você! Coloque a máscara! E vale a pena lembrar: você não está sozinho! Procure ajuda! Busque alguém para conversar. Nunca é tarde para começar a cuidar de si”, finaliza.