Cláudia Guimarães, da redação
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Quase 15 anos de iniciativas voltadas à saúde e bem-estar animal foram motivos de uma homenagem à médica-veterinária Evelynne Hildegard Marques de Melo, que acaba de receber o título de honraria de Comendadora, da Câmara Legislativa de Maceió (AL), cidade em que vive e atua, também, junto à causa animal.
Evelynne conta que a solenidade de entrega das comendas ocorreu no Dia Nacional dos Animais (14 de março), no mês da mulher, em meio a uma audiência sobre políticas públicas para mulheres e sobre o protagonismo de mulheres em diversas áreas. “Durante a solenidade, a vereadora proponente, Teca Nelma, em seu discurso, fez um resgate dos meus 15 anos de iniciativas por aqui e deu destaque a três, que são: a produção de modelos alternativos ao uso do animal vivo para ensino de cirurgia de ovariohisterectomia em cadelas e gatas e orquiectomia em cães. Foram modelos sintéticos que criei na época do estágio docente na universidade, onde tive que ministrar aula de cirurgia de castração para uma turma de 45 alunos. Os modelos que criei têm o objetivo de permitir ao estudante treinar uma etapa cirúrgica que é a de ligaduras vascular e organizar o campo visual do aluno antes de partir para a cirurgia propriamente”, menciona.
Outro destaque da atuação de Evelynne que também foi mencionado é seu engajamento em esclarecer o que significa Saúde Única no ambiente político e a relação de cães e gatos no universo da Saúde Única. “Dentre tantos momentos, um destaque foi a contribuição em proferir palestra, a convite, sobre este tema como forma de contribuir com os trabalhos da câmara”, compartilha.
O terceiro destaque foi para as pesquisas e contribuições no sentido de políticas públicas específicas sobre cães e gatos. “Um trecho do discurso foi: ‘Nos ensinou o que é Saúde Única, mostrou que lidar com os animais vai além de gostar do gatinho e do cachorrinho, que precisamos construir política pública efetiva, mostrou que um a mulher pode ser doutora, pode ser precursora de políticas públicas federais e municipais, ela pode atingir também esse espaço’, dito pela vereadora Teca Nelma”, cita.
Evelynne declara que o sentimento ao ser avisada sobre a honraria foi uma mistura de surpresa e felicidade. “Surpresa porque eu trabalho, naturalmente, e estudo pelas coisas que acredito. Meu trabalho tem sido sempre com o olhar voltado a colaborar com a questão animal, especificamente com cães e gatos, na sociedade e a gente nunca acha que tem realizado tanto à altura de um reconhecimento desse; também porque gosto de trabalhar no meu ofício com muita espontaneidade e, então, não fico pensando em homenagens e reconhecimentos, pois a minha maior vontade é ver as coisas acontecendo, ou seja, ver a mudança de realidade nos problemas estudados e em tudo que me empenho e me envolvo. Também foi uma surpresa, porque percebi que meu trabalho estava sendo observado e compreendido por um parlamentar do município. Isso é muito importante, porque faço um trabalho que é silencioso – neste momento, o desenvolvimento de pesquisas, publicações e comunicações científicas”, diz.
Já a sensação de felicidade, Evelynne explica que é porque o município oficializou a Comenda Ismar Malta Gatto, que é oferecida a pessoas que são identificadas na sociedade com trabalhos e atitudes no sentido da proteção animal. “É grandioso esse valor, porque o nome do Dr. Ismar Gatto é o principal símbolo em Alagoas para valorização e compreensão da questão animal, sobretudo com cães e gatos. Dr Ismar foi um médico e professor na faculdade de Medicina Humana da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), na década de 1970, e profundo entusiasta de atitudes de bem-estar animal. Eu tive o prazer de tê-lo como grande professor em minha vida. Dr. Ismar acompanhou e valorizou as pesquisas que iniciei na ONG NEAFA, momento em que fortalecemos a educação ambiental em Alagoas com a implantação do primeiro guia educativo para o cidadão de Maceió que era entregue a cada pessoa que adotava um cão ou um gato”, narra.
Reconhecimento às mulheres
Embora, atualmente, as mulheres já ocupem os espaços de atuação que a Medicina Veterinária abrange, Evelynne comenta que ainda há algumas crenças de que certas atividades são para homens. “Tal como: ‘cavalo e boi é coisa para homens, laboratório, gatinhos e cachorrinhos para mulheres’ e a política, então, é ambiente de atuação que ninguém nem comenta. Ainda assim, temos excelentes exemplos de mulheres trabalhando com cavalos e homens em laboratórios”, compara.
Segundo a profissional, os desafios tendem a reduzir quando elas contam com bons guias-mestre na faculdade. “Compreendendo cada campo de atuação, vencemos. A grande questão animal, com suas várias causas para atenção, ganhou expressividade no Brasil por meio da expressão popular ‘causa animal’, que, na verdade, enquanto a sociedade civil conduz sob a ótica quase exclusiva do bem-estar animal, tecnicamente nós, veterinários, compreendemos que se trata de Saúde Única pelo fato de o meio ambiente, o bem-estar animal e a saúde humana estarem interligados, onde todo o contexto depende de política pública”, observa.
A veterinária declara que enfrenta desafios pela área que abraçou: a pesquisa voltada à política pública. “Há uma lacuna do envolvimento do médico-veterinário de cães e gatos neste sentido em todo o Brasil, não para ser o político propriamente, mas para ocupar ambientes de debate e condução técnica. E, embora essa lacuna seja real, é comum ouvir que ‘política não é ambiente para mulher se envolver’. A verdade é que cada opinião vem carregada de seus pontos de vista e, naturalmente, das vivências de cada um e, como tenho uma formação multidisciplinar, caminho com naturalidade. Olhar atento à dinâmica na sociedade nacional e internacional, que exige atitude de nós, veterinários, além de estudo constante, nos fortalece e nos faz seguir”, pondera.
Esse reconhecimento, para Evelynne, vem em forma de combustível, lhe dando estímulo para continuar. “Tenho muita naturalidade em olhar para a questão animal com um olhar resolutivo, pensando soluções e de criar ideias de atuação nas bases causais dos problemas, evitando atitudes que fazem a manutenção dos problemas. Já faz parte de mim as características do ‘ver a necessidade e ir lá fazer’ e também de ‘tentar atitudes utilizando o que tenho ao meu alcance’”, afirma.
Quando questionada o que a Evelynne de hoje falaria para a Evelynne do primeiro semestre de Medicina Veterinária, ela responde: “A gente se prepara na faculdade para ser o médico dos cães e gatos, mas somos pouco preparados para pensar e para nos inserir nas situações que podem reverter demandas crônicas que envolvem cães e gatos nas cidades do Brasil”. Para isso, em sua visão, é preciso formar o médico-veterinário com visão ampliada pela sociedade, política e meio ambiente e gestão pública. “Estamos na era da valorização da Medicina do Coletivo e creio que já ocorra mudança de mentalidade profissional”, adiciona.
Para Evelynne, o que não falta no Brasil é necessidade de ação e atitudes resolutivas com envolvimento veterinário. “Naturalmente, devo conduzir uma caminhada unindo pesquisa e aproximando os poderes legislativos municipal, estadual e federal. A questão animal no País nos mostra a necessidade de ter mais perto os médicos-veterinários que trabalham com cães e gatos, porque temos várias causas para trabalhar que são de domínio técnico, justamente desses profissionais. Aproximar-se do legislativo para estreitar compreensão é o que vai mudar a realidade brasileira”, argumenta.
A profissional também aproveita o espaço para agradecer a homenagem prestada: “Deixo meu agradecimento e dedico aos que estiveram na minha caminhada de aprendizado e ações. Aos meus professores nas faculdades de Medicina Veterinária, Geografia e Meio Ambiente e Comunicação Social da UFAL; ao CRMV-AL, à Comissão de Bem-Estar Animal (OAB-AL), à todos que fizeram o NEAFA e aos que se uniram na caminhada de atitudes para intervenção e mudança de realidade com cães e gatos nas questões política municipal, estadual e federal”.