Muitos enxergam a vocação para determinada profissão como missão e, até mesmo, dom. E, para além dos cargos e funções consideradas “padrões” na Medicina Veterinária, há a opção de aplicar os ensinamentos e expertise na área militar. Como de praxe, neste 17 de junho, Dia da Medicina Veterinária Militar, trazemos um personagem que se destaca, de alguma forma, na função. Desta vez, nossa entrevistada é Marcia Hollanda.
A Tenente-Coronel ingressou no Exército Brasileiro inspirada pela prima, Coronel Médica Vivian Rosa, que havia iniciado sua carreira no Serviço de Saúde do Exército, em 1998. “Foi por meio dela que conheci as oportunidades disponíveis para médicos-veterinários na Força”, compartilha. No ano seguinte, Marcia foi aprovada no concurso público e ingressou na Escola de Saúde do Exército (EsSEx), onde se formou como 1º Tenente Veterinária em 2000.
Trajetória profissional
Ela lembra que serviu por 13 anos na Academia Militar das Agulhas Negras, atuando no Hospital Veterinário. “Durante esse período, exerci atividades em diversas áreas da Medicina Veterinária: clínica e cirurgia de pequenos animais e equinos, bromatologia, além de vigilância sanitária e ambiental”, declara.
Já no ano de 2014, Marcia Hollanda retornou à EsSEx, como coordenadora do curso de Pós-Graduação em Inspeção de Alimentos e como instrutora no Curso de Formação de Oficiais. Em 2017, assumiu a função de Comandante do Corpo de Alunos, sendo a primeira e única mulher a ocupar esse cargo até hoje. “Isso representa uma realização pessoal e profissional na área de educação do Exército Brasileiro”, afirma.
Marcia atuou, durante dois anos, no Depósito de Subsistência de Santa Maria, onde funciona o Laboratório de Inspeção de Alimentos e Bromatologia (LIAB). Em seguida, voltou à área educacional, onde, atualmente, trabalha na Diretoria de Educação Superior Militar, responsável pela gestão dos processos educacionais das escolas de nível superior do Exército.
Missão marcante e inspiradora
E, se você acha que a trajetória dela já carregava experiências suficientes, em 2024, Marcia teve a chance de viver algo que poucos médicos-veterinários conquistam. A Tenente-Coronel foi designada para integrar a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental (MINURSO), após processo seletivo que envolveu o Exército Brasileiro, o Ministério da Defesa e a ONU, em Nova Iorque.
Designada como United Nations Military Observer (UNMO), em português, Observadora Militar das Nações Unidas, por um período de um ano, chegou à missão em 5 de junho de 2024. No segundo mês, assumiu a função de Deputy Commander (DCdr), Subcomandante, no Team Site Mahbas.
Ao chegar em Mahbas, Marcia comenta que identificou a presença de animais domésticos sem assistência veterinária ou controle populacional. “Esses animais contribuem para o controle biológico de vetores e, também, para o bem-estar psicológico dos observadores militares. Assim, aproveitando meu primeiro período de arejamento, comecei me organizar com os suprimentos que havia levado do Brasil para castração de cães e gatos machos, além de medicamentos antiparasitários”, narra.
Por ser um procedimento menos invasivo, segundo a profissional, a castração de machos pôde ser realizada de forma independente, sendo realizados quatro procedimentos após seu retorno.

Inicialmente, a ação foi comunicada apenas ao seu Comandante, mas, no decorrer do processo, atraiu atenção do Quartel-General da MINURSO (MHQ), que solicitou apoio para expansão do projeto a outros Team Sites, com respaldo financeiro da missão. “Assim, tive a oportunidade de prestar assistência veterinária com um objetivo principal: reduzir o descontrole populacional, além de promover a saúde animal nos diferentes pontos da missão”, expõe.
Toda grande iniciativa traz desafios
O maior desafio encontrado neste trabalho, na visão de Marcia, foi a captura dos animais. “Poucos eram suficientemente amigáveis para se aproximar espontaneamente. A maioria era arisca e, alguns, francamente selvagens, apareciam apenas durante a oferta de alimentos. Muitos pegavam a isca e se afastavam, dificultando ainda mais o processo. Por isso, a “caça” era desgastante, exigia tempo e o apoio de outras pessoas — o que nem sempre era possível, devido à falta de experiência, medo ou questões religiosas”, relata.
Diante deste cenário, se tornou indispensável a realização de todos os procedimentos em uma única intervenção. “Assim, os machos eram examinados, castrados e vermifugados no mesmo atendimento, garantindo um cuidado completo sem necessidade de nova captura”, adiciona Marcia.
A Tenente-Coronel ainda cita que os animais atendidos foram cães e gatos, a maioria infestada por ectoparasitas, principalmente carrapatos. Alguns apresentavam bom estado geral, mas outros estavam visivelmente magros e debilitados.
Mas, em relação à receptividade da comunidade local, Marcia conta que foi, em sua maioria, positiva. “Composta por observadores militares e alguns trabalhadores residentes nos Team Sites, a comunidade demonstrou apoio ao trabalho, reconhecendo os impactos da superpopulação animal, especialmente em um contexto de restrição alimentar, em que os animais dependem exclusivamente de restos de comida dos ranchos. Contudo, uma minoria se posicionou contrariamente à intervenção, argumentando que o ser humano não deveria interferir na natureza dos animais. Ainda assim, o diálogo foi conduzido com respeito, buscando gerar conscientização sobre os impactos sanitários, ambientais e de bem-estar envolvidos”, pontua.
Missão cumprida!
Apesar das adversidades que surgiram durante o percurso, na visão da Tenente-Coronel Marcia Hollanda, o trabalho veterinário contribuiu diretamente para o bem-estar e a segurança das populações locais, principalmente pela prevenção de zoonoses. “Além disso, o controle populacional e o manejo dos animais evitaram situações de agressividade, acidentes e escassez de recursos, refletindo diretamente na qualidade de vida local”, destaca.
Para ela, a experiência no Saara ampliou de forma significativa minha visão como veterinária militar. “Reforçou a versatilidade exigida do profissional, que deve se adaptar a diferentes áreas da profissão e a cenários desafiadores. A convivência com militares de diferentes países, culturas e religiões também permitiu o exercício prático do cultural awareness (consciência cultural), habilidade essencial em missões de paz da ONU, baseada na compreensão e respeito aos costumes e valores distintos dos nossos. Essa vivência me mostrou a importância de unir conhecimento técnico à empatia e respeito à diversidade”, observa.
A Tenente-Coronel Marcia Hollanda ainda ressalta que a Medicina Veterinária vai muito além do consultório, já que, desde a graduação, o médico-veterinário é formado com uma visão holística da saúde animal, compreendendo sua relação direta com a saúde humana e ambiental. “Essa abordagem multidisciplinar prepara o profissional para atuar em diversas áreas, como produção de alimentos, clínica, cirurgia, saúde pública, inspeção sanitária, controle de zoonoses, bem-estar animal, pesquisa, reprodução e preservação da fauna. Essa versatilidade exige constante adaptação e amplo conhecimento técnico”, sublinha.
Marcia acredita que ações como essa reforçam o papel estratégico da Veterinária Militar em missões humanitárias e internacionais. “É essencial que haja um médico-veterinário designado em todas as missões, capacitado para zelar pela saúde e bem-estar animal, além de implementar medidas de segurança alimentar, vigilância sanitária e ambiental, fundamentais para proteger e promover a saúde humana e animal”, conclui.
FAQ
Qual é a atuação da médica-veterinária Marcia Hollanda no Exército?
Ela atua como Tenente-Coronel, com experiência em clínica, cirurgia, inspeção de alimentos e educação militar. Atualmente, trabalha na gestão do ensino superior militar.
O que Marcia fez na missão da ONU no Saara Ocidental?
Organizou ações de castração e vermifugação de animais, contribuindo para o controle populacional e prevenção de zoonoses, com apoio da própria missão da ONU.
Por que médicos-veterinários são importantes em missões internacionais?
Porque atuam na saúde animal, segurança alimentar e vigilância sanitária, ajudando a proteger a saúde pública em contextos humanitários e multiculturais.
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