Cláudia Guimarães, em casa
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Zoonoses são doenças ou infecções transmitidas, naturalmente, de animais para humanos. Essa informação já é conhecida pela maioria das pessoas, mas o que muitos desconhecem são os diversos impactos que essas transmissões podem ocasionar. Neste Dia Mundial das Zoonoses, conversamos com o presidente da Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária (CNSPV), do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), Nélio Batista de Morais, que nos conta qual o papel dos médicos-veterinários na prevenção de outras possíveis pandemias.
Segundo o profissional, as zoonoses podem gerar crises econômicas, como perda de lotes de animais, interrupção no processo produtivo, importações e exportações de produtos e subprodutos de origem animal (carnes, leite, pescado, ovo, mel, entre outros). “Podem, ainda, causar problemas de Saúde Pública com a transmissão de doenças tais quais, a raiva, a leishmaniose, a leptospirose e outras, que precisam ser prontamente controladas, já que algumas apresentam alta letalidade (número de mortes pelo número de pessoas acometidas) ou podem gerar incapacitações para o resto da vida”, elenca.
Atuando contra pandemias
Morais explica que o médico-veterinário, agregando a saúde animal à ambiental e humana, conceito da Saúde Única, tem um conhecimento ampliado sobre doenças potencialmente pandêmicas, já que, segundo a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE), 60% das doenças infecciosas humanas são zoonoses; 75% dos agentes de doenças infecciosas no homem são de origem animal; a cada cinco doenças novas no homem que surgem por ano, três são de origem animal; e 80% dos agentes com potencial de uso bioterroristas, são patógenos zoonóticos. “Essas zoonoses e suas mutações apresentam, em geral, maior potencial pandêmico, pelo desconhecimento das enormes variedades advindas desses agentes”, indica.
Outros pontos são destacados por Morais, como a pressão ambiental, a extração em área selvagem, a urbanização dos territórios rurais, o adentramento do homem em ambiente silvestre preservado, o turismo ecológico, dentre outros. “Tudo isso pode levar agentes etiológicos, antes naturais de animais, principalmente os selvagens, a se adaptarem ao organismo humano por meio de mutações. Doenças com transmissão em área silvestre são constantemente ‘vigiadas’, de modo que qualquer alteração em seu equilíbrio seja monitorada, evitando o começo de uma possível transmissão urbana sustentada”, discorre.
Veterinários nesse controle?
O presidente da CNSPV afirma que a população em geral desconhece a atuação do médico-veterinário na Saúde Pública. “A imagem do médico-veterinário é, normalmente, atribuída à clínica e cirurgia de pequenos e grandes animais. Porém, o médico-veterinário que trabalha em Saúde Pública, além de algumas competências exclusivas (só podem ser realizadas por médicos-veterinários), como inspeção de produtos de origem animal, que vai desde a manteiga que utilizamos no café da manhã à proteína animal utilizada no almoço e jantar ou o diagnóstico de uma zoonose, também possui várias outras atribuições“, garante.
Nélio de Morais cita algumas atuações do médico-veterinário que beneficiam a Saúde Pública:
Na Vigilância Ambiental: age no planejamento, organização, monitoramento e execução de programas de Saúde Pública, principalmente de controle de zoonoses; no controle e prevenção de doenças transmitidas por vetores, como a dengue e outras arboviroses; na identificação de condições socioambientais propícias à proliferação de animais peçonhentos, pragas urbanas e animais sinantrópicos, participando no desenvolvimento de ações de prevenção e controle, dentre outros.
Na Vigilância Epidemiológica: trabalha captando e gerando dados que permitem o conhecimento e detecção de modificações nos diversos fatores determinantes e condicionantes, a fim de prevenir ou controlar doenças e agravos.
Na Vigilância Sanitária: intervém nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse à saúde.
“Outra função importantíssima, é a educação em saúde, compartilhando conhecimentos técnicos para outros profissionais de saúde e população em geral. Ainda na educação, a capacitação em boas práticas de fabricação/manipulação, a orientação nas respostas às emergências de Saúde Pública e eventos de potencial risco sanitário, além de gestão e participação na formulação de políticas públicas”, adiciona.
Resumindo, tudo o que foi dito pelo profissional, o campo de atuação é, realmente, muito amplo e merece ser cada vez mais divulgado. “Assim, a população pode conhecer nossa contribuição para a Saúde Pública e passe a se apoderar de seus direitos”, argumenta.
Ensinamento pandêmico
Na visão de Morais, a pandemia de Covid-19 nos deixa cientes de que as zoonoses e a ação dos médicos-veterinários não podem, de maneira alguma, ser negligenciadas. “Enquanto o homem não começar a se ver parte de um todo, de um equilíbrio ambiental, e começar a trabalhar para incorporar essa intersetorialidade na Saúde Pública, continuaremos nessa visão hospitalocêntrica, buscando a cura das doenças e recuperação das pessoas no lugar de preveni-las. Os investimentos para as áreas da vigilância em saúde precisam ser realizados para que nossos trabalhos possam ter êxito”, frisa.
Assim, a educação sobre zoonoses para a população não consegue evitar completamente uma nova pandemia, porque existem fatores ambientais que não temos total controle sobre eles. Mas, para o médico-veterinário, com o conhecimento sobre os riscos, principalmente no contato com o ambiente silvestre, e a adoção dos cuidados necessários, podem, sim, evitar essa disseminação. “Mesmo havendo uma possível infecção/contaminação com agentes etiológicos desconhecidos, a busca correta do serviço público e sua resposta imediata agiliza a implantação das medidas de controle. Com a detecção no início da propagação e uma vigilância instalada, a doença pode ser controlada antes que esteja globalizada”, salienta.
Nélio de Morais finaliza destacando a integração de profissionais de diferentes áreas da saúde com o conhecimento de Medicina Veterinária, Medicina Humana, Biologia, dentre outros. “É fundamental para ultrapassar a barreira que separa essas áreas e permitir que os conhecimentos, ferramentas e abordagens gerados em uma área acelerem o progresso de outra e resultem em respostas mais eficientes para a promoção da Saúde Pública”, encerra.