Cláudia Guimarães, em casa
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Alguns não são adeptos aos costumes dessa geração, mas a maioria das pessoas já se rendeu às redes sociais e não se imagina mais sem aqueles feeds de notícias cobertos de fotos, vídeos e outros formatos de informações que só encontramos ali. A prática, óbvio, também foi aderida por profissionais de diversas áreas, entre elas, a Medicina Veterinária. No entanto, o médico-veterinário deve estar atento para não cometer nenhum deslize que fira seu Código de Ética Profissional.
O médico-veterinário que atua em Clínica e Cirurgia de Pequenos Animais e também é advogado, especialista em Direito Médico Veterinário, José Alfredo Dallari, comenta que as redes sociais são ferramentas importantes no relacionamento e na publicidade profissional e, por isso, vêm ganhando espaço no dia a dia dos profissionais. “Entretanto, existem muitos colegas fazendo a propaganda de forma imprudente e fugindo do Código de Ética Profissional do Médico-Veterinário, a Resolução 1138/16, do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), e, também, da Resolução 780/2004”, aponta.
Segundo ele, os erros mais comuns são cometidos sob o argumento de que “todo mundo está fazendo” e os principais são: a publicação ostensiva do “antes e do depois” e a realização de lives em redes abertas apresentando, a qualquer pessoa, tratamentos e técnicas privativas do médico-veterinário. “O ‘antes e depois’ caracteriza uma propaganda enganosa, pois induz o tutor a acreditar na superioridade do colega e pode gerar uma disputa com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Além disso, também infringem o art. 3 da Resolução 780/2004, bem como o art. 11, inciso I, III, IV, lembrando que, atualmente, também existe a Lei de Proteção de Dados”, menciona
Nesse caminho, Dallari considera importante destacar que esse tipo de propaganda é considerado sensacionalista e autopromocional, que também fere o art. 17 em seu inciso IV e o art. 27 e 28 da Resolução 1138/16, bem como o art. 8 da Resolução 780/2004”, denuncia.
Outro ato bastante recorrente, principalmente nas redes sociais, é um veterinário se intitular especialista em algo que, realmente, não é aprovado. “Essa discussão é delicada, temos que entender o que é especialização no sentido de estudos direcionados e dedicação no assunto e diferenciar de especialidade, obtida por um veterinário especializado que preste uma prova em entidades reconhecidas pelo CFMV e registre esse título junto ao CFMV/CRMV, conforme determina o inciso XIV do art. 8º da Resolução 1138/2016. Apenas dessa forma é obtido o título de especialista, ou seja, ambos, especialista e especializado, têm o conhecimento, ambos estudaram o assunto em profundidade, ambos fizeram um curso de pós-graduação (lato ou strito senso), no entanto o especialista filiou-se a uma entidade que é reconhecida pelo CFMV, prestou uma prova e registrou seu título”, explica.
Sendo assim, ambos têm o conhecimento, ambos podem atuar na área, mas a legislação entende que só pode se dizer especialista quem é filiado, prestou uma prova de reconhecimento técnico e registrou esse título junto ao CFMV/CRMV. “A meu ver, é mero formalismo que se mantem na Legislação, uma discussão que já tem tomado vulto, afinal, ambos têm o estudo, ambos têm a perícia, ambos atuam numa área especifica. A única diferença é estar filiado a uma instituição que defenda os interesses de uma categoria dentro da Medicina Veterinária”, opina Dallari.
Sobre a prescrição de técnicas e tratamentos em lives nas redes sociais, o profissional lembra que essa pratica é uma infração ética prevista no VII do art. 8 da Resolução 1138/2016. “Ali estamos fornecendo a leigos informações, ensinamentos, meios ou métodos privativos da competência profissional do veterinário. Essa informação pode ser utilizada de forma equivocada por um leigo e, em tese, o profissional pode ser responsabilizado, pois receitou sem prévio exame do paciente”, pontua.
O veterinário e advogado atesta que fazer uma live com orientações “genéricas” é um conteúdo bacana de ser divulgado sem infringir as regras: “Mas quando um profissional ensina técnicas, por exemplo anestésicas, ele está infringindo o nosso Código de Deontologia e Ética Profissional. Ressaltando que também é uma forma de sensacionalismo e autopromoção, que induz um leigo, pessoa que desconhece a Medicina Veterinária, a acreditar em sua ‘qualidade’ superior nos serviços prestados”, reforça.
Por outro lado, se utilizadas corretamente, as redes sociais podem oferecer benefícios aos médicos-veterinários. “Todos podem utilizar de propaganda e publicidade para conquistar espaço comercial, só que nós, veterinários, temos que atentar para o Código de Ética, lembrando que nem tudo é permitido fazer, mesmo que outros estejam fazendo, e cabe a nós defendermos nossa profissão”, argumenta.
Assim, Dallari afirma que não há nada de errado em produzir peças publicitárias com qualidade e respeito e utilizar dessas peças para mostrar sua clínica, hospital ou mesmo sua “especialidade”. “Mas você não pode dar descontos, fazer promoções, garantir resultados, expor clientes e outras atitudes que aviltam a profissão”, destaca.
O que fazer nas redes sociais?
Nosso entrevistado, então, declara que o veterinário pode fazer textos explicativos de orientação de manejo, sem citar medicamentos ou técnicas. “Por exemplo, explicar o que é o tártaro, que existem cuidados de manejo que podem ser realizados, que é importante buscar orientação com um profissional. Em uma ou outra publicidade, informar que, no seu estabelecimento, você tem condições de realizar a limpeza e o tratamento dentário com qualidade e respeito ao paciente”, exemplifica.
Se o tema a ser tratado for diabetes, por exemplo, Dallari orienta o profissional a informar o que é a patologia, quais os sinais que despertam a suspeita, os cuidados que devem ser tomados e a orientação para que procure um profissional qualificado. “Em outra publicação informar que você tem a especialização ou a especialidade de endocrinologia e que faz o diagnóstico e o tratamento de Diabetes. Nesse sentido, você faz publicações separadas, técnica que pode ser utilizada em qualquer situação”, orienta.
O profissional ainda salienta que é importante estar atento ao uso inadequado de termos como “a melhor equipe”, ou “as melhores instalações e equipamentos”. “São termos que remetem à autopromoção e faltam com a ética, pois, indiretamente, estão afirmando que os outros não são bons ou não têm os melhores equipamentos e instalações”, indica.
Em relação a ensinar técnicas, o profissional sugere a criação de grupos exclusivos, onde seja necessário comprovar a formação profissional. “Ou monte cursos, junto a faculdades, e a responsabilidade do controle passa a ser da entidade educacional”, aconselha.
Como observado pelo profissional, a Medicina Veterinária vem se transformando no decorrer das últimas duas décadas e um dos pontos é em relação à especialização que vem tomando espaço. ‘Estamos deixando de ser ‘veterinários’ para ser ‘médicos-veterinários’ e essa valorização depende, também, do colega que precisa monitorar seus passos e, ainda, cobrar das autoridades a responsabilização dos colegas mais afoitos, ressaltando que é nossa obrigação levar aos Conselhos esses tipos de problemas. Nesse ponto, é importante entender que não se trata de denúncia, mas, sim, de cobrança em relação à valorização profissional”, relata.
Na visão de Dallari, quando o bom profissional deixa como está e não leva os problemas ao conhecimento do Conselho, acaba prevalecendo a concorrência desleal e o “canibalismo profissional”. “Entendo que o próprio CFMV/CRMV, mantendo um tipo de ‘plantão de fiscalização’, atuando mais diretamente nas redes sociais, notificando e alertando aos ‘menos avisados’ de que o comportamento adotado prejudica a todos, conseguirá bons resultados para a nossa profissão”, avalia.