Cláudia Guimarães, da redação
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A produção de rações para animais de companhia engloba vários processos que são tratados com cuidado para alcançar o nível de qualidade comprovada de cada empresa. Porém, uma questão que, muitas vezes, proporciona um feedback falho e ineficiente é o que os consumidores pensam sobre os alimentos produzidos. Esse foi o tema de uma mesa redonda realizado no CBNA Pet 2017.
Um dos consumidores, que vai além dos tutores de cães e gatos de estimação, é o dono de canil. O proprietário e fundador do canil Golden Trip (Cotia/SP), Marcos Nishikawa, mostrou um pouco da realidade dos criadores de cães de raça e como eles reagem às marcas de ração. “Sou do tempo em que fazíamos um ‘panelão de comida’, colocávamos coração de boi, misturando com trifosfato de cálcio, porque os especialistas de Medicina Veterinária da época falavam que cães de grande porte precisavam desse elemento. Também dávamos uma injeção de fixador de cálcio para fortificar o animal. Um belo dia alguém me falou que eu estava desatualizado”, lembra.

Segundo profissional, a troca de raçãonão deve causar diarreia, enjoo, nenhum tipode recusa do animal (Foto: reprodução)
Nishikawa afirma que seu canil foi o realizador de testes rações para raças específicas de Labrador e Golden Retriever. “Naquele momento, questionei ‘será que funciona mesmo? Será que é específico, que vai pegar esse padrão de raça específica no Brasil?’. E, veja só, hoje é uma realidade”, aponta.
Com tantos cães no Brasil e o País atravessando fases diferentes, o proprietário do canil diz que é preciso ir adequando o orçamento disponível para o melhor tratamento dos animais. “Algumas vezes, fazemos troca de ração”, revela e comenta que, uma vez, o alimento interferiu, diretamente, no ciclo reprodutivo dos cães. “Aparentemente, não conseguíamos achar o problema, porque pareciam estar bem, não apresentavam sintomas como diarreia ou vômito. Disso, tiramos a importância da confiança na marca e no fornecedor da ração”, destaca.
Segundo Nishikawa, apesar das marcas de ração serem internacionais, na distribuição e na composição, não existe homogeneidade entre os produtos. “Temos muitos filhotes, fazemos desmame com uma ração X, passamos para uma ração Y, com marca tão boa quanto a primeira, mas, ainda assim, o cão sente diferença. Não deveria ter essa mudança, pois causa um efeito gástrico negativo nos pets”, opina.
Outro ponto levantado pelo dono do canil é a prescrição do médico-veterinário, favorecendo a marca que o patrocina. “É óbvio que este profissional indicará a empresa que apoia sua clínica”, argumenta. Em sua opinião, os alimentos para filhotes deveriam contar com uma única fórmula entre marcas que se propõem a vender esse tipo de alimento. “Assim, as gastroenterites não ocorreriam. A troca de ração não deve causar diarreia, enjoo, nenhum tipo de recusa do animal. Um dia, tem que haver uma tecnologia pra isso. Os cães agradeceriam e os criadores também”, pondera.
Varejo. O diretor Comercial e de Marketing da Petz (São Paulo/SP), Luciano Sessim, frisa que, para sabermos o que o consumidor final fala sobre os produtos, a primeira coisa que precisa haver é o entendimento sobre quem são os consumidores: cães, gatos, pássaros, peixes e qualquer espécie de animal de companhia. “Agora, os shopper, ou seja, os compradores, são os tutores. A decisão de compra é deles, mas não são eles quem consomem. Isso já faz uma diferença brutal na relação entre nós, varejistas e indústria, com esse pessoal”, destaca.
Antigamente, como mencionado por Sessim, o cão ficava da porta pra fora, hoje está dentro das casas, dormindo nas camas, já como um membro da família. “A relação entre o tutor e o animal mudou radicalmente com o tempo e esse relacionamento funciona com uma matemática simples: quanto maior o laço afetivo, maior a disposição de consumo”, garante.

Existem poucas informações sobre os benefíciosdos diferentes tipos de rações (Foto: reprodução)
O profissional revela alguns números em relação a este mercado. Nos anos de 2016 e 2017, as pessoas consumiram cerca de 12 bilhões de reais, sendo que o mercado pet total do Brasil, que engloba todos os setores e serviços de animal de companhia, está em torno de 20 bilhões, de acordo com Sessim. “6% dessas vendas corresponde a rações super premium, 4% na high premium, 31% de premium, 26% de standard, 32% de combate”, mostra e faz o seguinte questionamento: “Se somos uma família, temos um vínculo emocional forte com o pet, por que os alimentos super premium não atingem o mercado?”. Basicamente, segundo ele, são três fatores e o mais importante é a falta de informação.
Sessim considera bacana visitar fábricas, entender todo o processo produtivo, mas aponta um detalhe: “Quem vai passar toda essa noção ao consumidor? Ele não considera essas divisões de tipos de alimentos. O que ele compra é marca, pouquíssimos sabem dessa diferença. Isso porque há pouca informação explicando qual o benefício disso, então, ele não sabe que a porção de super premium, proporcionalmente, às vezes, é até mais barata do que uma standard, pela saciedade que oferece ao animal”, esclarece.
Além da escassez de informação, renda disponível também é levada em consideração por Sessim. “No momento de crise profunda no País, vimos que o mercado de super premium paralisou. Também há dificuldade de acesso de distribuição, mas mesmo com essas adversidades, quero focar na falta de informação: quem são as fontes do consumidor?”, pergunta. Segundo ele, quando o médico-veterinário prescreve um alimento ou remédio, o shopper não muda de marca, visando o bem-estar de seu animal. “Este profissional é, então, uma pessoa muito importante para o segmento, porque é dele que vem a primeira informação para o consumidor. O problema é que apenas 30% dos cães no Brasil utilizam serviço veterinário”, pontua.
A segunda pessoa que proporciona informação ao consumidor é o atendente das lojas. “Porém, a cada dois anos, 100% do quadro de uma loja de varejo é trocada, o que isso quer dizer? Que o conhecimento está escorrendo, todas as pessoas treinadas vão embora e temos que treinar outras, novamente. É como enxugar gelo”, compara. Também existem os groomers como alternativas, segundo o diretor da Petz. “Nas pesquisas que fazemos com clientes, o groomer é um dos que mais influenciam o consumidor a nível de marca e teste de novos produtos. A influência dele é tão grande quanto ao do veterinário. Influenciadores de comportamento animal, como o Alexandre Rossi, também têm uma parcela de importância, mas vejo poucos falando sobre a qualidade e benefícios da ração. Para fechar os responsáveis por comunicação, a mídia. Mas acredito que produzimos pouco conteúdo sobre alimentos hoje no Brasil. O que produzimos é para tentar vender, mas não tentamos crescer o bolo, ou seja, levar o patamar de ração”, expõe.

Profissionais apontam a falta de informação na rotulagem,que não são condizentes com a composição do produto (Foto: C&G VF)
Dentro das leis. A coordenadora de Fiscalização de Produtos para Alimentação Animal, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA – Brasília/DF), Fernanda Tucci, também entra na conversa como alguém que está em constante contato com o consumidor. Ela afirma que esse setor é um dos mais trabalhosos: o de ração pet. “As empresas são evoluídas, têm compromisso e adotam um sistema de qualidade extremamente interessantes, estão à frente da indústria normal, porém, a maior dificuldade que temos nessa fiscalização é em relação à comunicação do produto com o consumidor, ou seja, a rotulagem”, conta. De acordo com a profissional, existe uma gama de informações que, muitas vezes, extrapolam a característica do produto e são dadas ligações que não são condizentes com a composição do mesmo. “Por isso, rações premium e super premium são de difícil regulamentação, não é um fator de qualificação da ração, então percebemos a dificuldade de controlar para que a informação seja passada de forma correta para o consumidor”, diz.
Fernanda também aborda a alegação legal. “A legislação não permite alegações de saúde do animal, a não ser com exceção aos alimentos coadjuvantes, mas recebemos muita denúncia de produtos que não atendem aquilo”, indica. O MAPA possui uma ouvidoria bastante ativa, segundo Fernanda, que recebe denúncias, principalmente, de rotulagem irregular. “Recebemos, também, o que mostra um novo perfil de demanda e de consumidor, empresas clandestinas, pessoas fabricando alimentos caseiros e comercializando. Como a legislação obriga que todo estabelecimento que vai vender produto para alimentação animal deve ter registro no MAPA, muitas são as denúncias a respeito de produtos não registrados”, conta.
Nesse mesmo sentido, o órgão também disponibiliza o Serviço de Informações ao Cidadão (SIC), onde recebe perguntas de pessoas que querem se regularizar, que começam a fabricar para o animal e querem se especializar, ampliar, trabalhar dentro da legalidade e enviam perguntas para saber quais são as regras, qual legislação deve atender para fazer sua comida caseira para pets, como elucidado por Fernanda. “Existem questionamentos sobre vários tipos de produtos, quentinhas, congelados, entre outros, a criatividade é grande. Isso vem muito da humanização, da relação entre o tutor e o pet, onde as pessoas querem oferecer para o animal exatamente o que possuem”, discorre. Apesar da quantidade de perguntas, Fernanda garante que, em volume, isso não atinge uma ração industrializada.