O luto é uma resposta ao estresse gerado pela perda de algo significativo e faz parte do nosso arsenal afetivo. As respostas emocionais vivenciadas por pessoas que perderam um pet são as mesmas que surgem para quem perdeu um ente querido: choque, entorpecimento, choro, tristeza, culpa, raiva, saudades, hostilidade, desamparo, ansiedade, medo, irritabilidade e até alívio, em alguns casos.
A psicóloga Joelma Ruiz, que nos trouxe essa explicação, lembra que não existe um padrão para viver essa experiência. “Cada pessoa apresenta uma maneira particular de reagir em relação à perda e ao processo de luto. Sim, entendemos que se trata de um processo e é individual, podendo variar muito entre as culturas, por meios de comportamento e práticas específicas durante e após a perda”, explica.
Segundo Joelma, o luto provoca transformações profundas que afetam todas as dimensões humanas: física, emocional, espiritual, social e intelectual. “Compreender essas reações ajuda a acolher melhor quem passa por esse processo:
- Biológico: o luto ativa a busca por segurança; o raciocínio pode ser afetado, exigindo empatia e clareza nas informações;
- Emocional: sentimentos como tristeza, raiva, culpa e medo são comuns; nomeá-los ajuda o tutor a entender que fazem parte do processo;
- Espiritual: há uma busca por consolo e possível mudança nas crenças e na fé;
- Físico: o corpo sofre com cansaço, dores e alterações hormonais; é importante facilitar a comunicação em consultas;
- Intelectual: surgem questionamentos e busca por sentido, o que pode levar a repetições e necessidade de reafirmação;
- Psicológico: há uma reconstrução da identidade, muitas vezes acompanhada por sensação de perda e desorientação”.

A perda e o julgamento social
A dor da perda de um animal de estimação é, muitas vezes, subestimada socialmente. Sobre isso, a psicóloga comenta que a cultura e o contexto social são delineadores de como expressamos e compreendemos o processo de luto. “Há uma pressão para superar logo e seguir em frente e, ainda, por muitas vezes, o enlutado é tratado com frases que invalidam o sofrimento, como ‘era só um pet’ ou ‘você pode adotar outro’. Essa falta de reconhecimento potencializa o sofrimento e dificulta a interação social, muitas vezes, levando o enlutado ao isolamento”, salienta.
De acordo com ela, rituais de despedida ajudam a elaborar o luto, pois validam a dor, acolhem as emoções e permitem que a perda seja compartilhada, beneficiando tanto o enlutado quanto a sociedade.
“No entanto, o luto por animais costuma ser invisibilizado, sem rituais ou apoio social. Essa ausência se deve à falta de validação da dor e à pressão social para seguir a vida normalmente, mesmo sem energia emocional. No trabalho, espera-se desempenho inalterado, ignorando que o luto reduz a capacidade de regulação emocional. Como resultado, o tutor enlutado pode se sentir sobrecarregado, isolado e sem espaço para expressar sua dor, o que aumenta o sofrimento e dificulta o processo de cura”, pontua.
Parte difícil de ter um pet
Como observado pela profissional, os pets oferecem a satisfação de duas necessidades humanas: cuidar e ser cuidado. “A segurança e a sensação de bem-estar proporcionadas por essa relação podem ultrapassar as de uma relação entre humanos. Assim, a perda deste ente querido é tão dolorosa como a perda de uma pessoa próxima. Acima de tudo, não devemos medir a dor e, sim, avaliar quão impactante pode ser a perda no que diz respeito à funcionalidade da pessoa em sua rotina de vida”, declara.

A ação de adotar um novo animal após a perda de um, incentivada por muitas pessoas, deve ser uma decisão pessoal por ser complexa.
“Para alguns, é necessário um tempo e espaço emocional antes de abrir o coração para um novo amor. Outros sentem que estariam traindo o pet que se foi. Há, também, quem evite pensar no assunto por medo de reviver a dor do luto, enquanto algumas pessoas optam por adotar outro animal logo em seguida, como forma de amenizar a perda. Não existe certo ou errado. O mais importante é que a decisão seja tomada pela pessoa enlutada, de preferência, em diálogo com seus familiares”, frisa.
Alguns sinais indicam que o tutor está pronto para isso, segundo Joelma. “Quando a pessoa consegue falar sobre o pet, relembrar momentos, sentir que está pronta emocional e financeiramente para essa nova relação e quando percebe que tem disponibilidade de tempo para se dedicar a esse novo membro da família”, observa.
Acompanhamento psicológico
O primeiro passo para vivenciar e conseguir vencer o luto é reconhecer e validar a perda, que, muitas vezes, é vista como um exagero para algumas pessoas.
“A melhor forma de atravessar esse processo é por meio do diálogo sobre o significado que o pet tinha na vida da pessoa enlutada, que, muitas vezes, encontra no psicólogo sua única rede de apoio. Para normalizar a perda, é preciso ter empatia, respeito e sensibilidade sem julgamentos.
E, quando nós, profissionais, reconhecemos essa dor, deixa de ser um luto negligenciado. Na minha rotina, muitas vezes, o atendimento se torna um apoio psicológico para responder à questões como ‘estou enlouquecendo?’, ‘isso não pode ser normal’, ‘tenho que seguir em frente’. Seja como for, essa crença sobre o sofrimento vem do estigma social do luto pela perda do pet”, sugere.
Para encerrar, Joelma reforça que o luto é uma dor que parte o coração, um desafio que o cérebro precisa enfrentar e, passar por ele, exige aprender a viver em um mundo marcado pela ausência da presença do pet.
“Felizmente, o cérebro tem uma notável capacidade de encontrar caminhos para integrar essa dor e transformá-la. Desta forma, é importante o autocuidado, como rotina de sono, alimentos saudáveis, fazer caminhada e técnicas de respiração. Se você está passando por isso, não tenha pressa nesse processo, pois este lugar, durante essa fase, te levará ao encontro de si mesmo. E lembre-se: ‘A dor do luto é tanto parte da vida quanto a alegria de viver. É, talvez, o preço que pagamos pelo amor’ (Parkes, 1988, p. 22)”, encerra.
FAQ
O que é o luto pela perda de um pet?
É um processo emocional profundo, com sintomas semelhantes ao luto por um ente querido, como tristeza, culpa, medo e desamparo. Cada pessoa lida de forma única, influenciada por aspectos culturais, sociais e pessoais.
Como lidar com o julgamento social?
Evite minimizar a dor alheia. Frases como “era só um pet” são prejudiciais. Rituais de despedida ajudam a validar a dor e favorecer a superação.
Adotar outro pet ajuda?
Depende da pessoa. Pode ser reconfortante para uns e doloroso para outros. O importante é respeitar o tempo e o desejo do tutor enlutado.
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