Cláudia Guimarães, da redação
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A leishmaniose é um conjunto de doenças causadas por parasitas do gênero Leishmania. Existem diversas espécies desse parasita, que provocam diferentes sintomas tanto em animais como em humanos proporcionados pelos dois principais tipos: leishmaniose visceral e cutânea.
Quem nos explica a doença é o pesquisador Titular na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Fernando Ariel, que afirma que, em relação aos sintomas apresentados pelos animais, é o grande desafio dos veterinários para chegar a um diagnóstico. “Isso porque, geralmente, eles podem estar sem manifestações visíveis. Porém, em casos de infecções severas, os sintomas são semelhantes aos dos seres humanos, o que engloba fraqueza e aumento de volume dos órgãos internos; na variante cutânea, podem surgir lesões na pele, que se mostram mais evidentes que, frequentemente, localizam-se próximas à face do animal. Isso é o cenário mais comum”, relata
Em relação aos seres humanos, similarmente, verifica-se aumento dos órgãos internos em casos mais sérios, segundo o profissional. “Além disso, em situações mais graves, os sintomas incluem fraqueza e indícios de infecção. Na variedade cutânea, manifesta-se uma lesão que, geralmente, apresenta características semelhantes, podendo haver variações, mas predominando na face. Embora a lesão possa assumir formatos distintos no corpo, a localização mais frequente é na região facial, caracterizando-se como uma ferida que não cicatriza e não responde aos tratamentos convencionais. Esse é o maior problema da leishmaniose, que é uma doença de tratamento muito difícil, longo e se trata de uma infecção que não se cura completamente”, revela.
Em busca do diagnóstico
Fernando compartilha que, frequentemente, ocorre uma dificuldade no diagnóstico. “Ele pode não ser estabelecido corretamente, o que acaba resultando em um tratamento tardio da infecção. Esse é um dos desafios reais, no qual a pessoa ou animal recebe a terapia em um estágio avançado da doença. Embora seja uma enfermidade que possua um tratamento, a falta do diagnóstico adequado pode comprometer a aplicação da intervenção apropriada”, alerta.
Já quando falamos em animais, o pesquisador comenta que a principal complicação reside no fato de existirem duas questões relevantes. “Em muitos casos, os animais afetados não demonstram sintomas visíveis, o que os torna assintomáticos. Isso significa que cães, por exemplo, podem atuar como reservatórios da doença. Mesmo estando infectados, eles permanecem próximos aos tutores e às famílias, o que pode, potencialmente, expor as pessoas à infecção, mesmo sem a apresentação de sintomas por parte do animal”, destaca.
Em situações relativas aos gatos, Fernando garante que a complexidade aumenta. “Compreende-se que muitos veterinários não possuem familiaridade com os sintomas associados à leishmaniose nesses animais. Dessa forma, surge uma complicação adicional: a presença de indivíduos assintomáticos e a dificuldade decorrente da falta de conhecimento dos profissionais em relação ao diagnóstico. Acredito que as pessoas estão apenas começando a reconhecer essa problemática nos felinos e que estamos diante de uma doença que está começando a ser percebida pelos profissionais atualmente. No entanto, também pode ser influenciado por outros fatores, à medida em que a leishmaniose ganha maior observação em diferentes cenários no País. Anteriormente, essa doença estava fortemente associada à região Nordeste, mas, atualmente, ela se disseminou por todas as regiões do Brasil. Pode ser que essa mudança esteja ligada à disseminação dos vetores e do próprio parasita. Consequentemente, estamos observando casos que, antes, não eram tão comuns”, diz.
Pesquisa com participação da Fiocruz
Um grupo de cientistas, com participação da Fundação Oswaldo Cruz, decodificou o genoma completo de duas espécies de flebotomíneos, vetores de leishmanioses. Os insetos Lutzomyia longipalpis e Phlebotomus papatasi tiveram o DNA sequenciado pela primeira vez, com caracterização de genes associados a comportamentos importantes na transmissão das doenças. Os achados foram publicados na revista científica Plos Neglected Tropical Diseases.
Fernando salienta que essas descobertas contribuem bastante para a saúde animal e para a saúde pública como um todo. “O inseto vetor representa, de fato, um elemento crucial. No contexto veterinário, esse estudo é, verdadeiramente, um marco, pois o que é mais comum, quando falamos em prevenção da doença, é a utilização de repelentes. No entanto, ainda não dispomos de uma estratégia que possa assegurar uma prevenção integral. Essa é uma doença desafiadora de tratar e seu custo é elevado e seu tratamento não é imediatamente eficaz, requerendo um diagnóstico preciso de leishmaniose, o que, por si só, já acarreta um problema significativo”, expõe.
Ele também lembra que há quem defenda a eutanásia como a opção mais viável para os cães infectados. “É um dilema complexo, especialmente quando se lida com uma doença na qual, por vezes, o animal afetado sequer apresenta sintomas. Além disso, isso também se aplica, ampliando minha abordagem para a esfera da saúde pública, onde estamos enfrentando uma enfermidade grave e séria. Ela não possui um tratamento de fácil aplicação e vale ressaltar que, até o momento, não existe uma vacina disponível. Temos de lidar com limitadas estratégias para enfrentar a leishmaniose, sendo o controle do vetor a abordagem mais proeminente”, argumenta.
Assim, com o conceito de decodificação dos genomas dos insetos, Fernando acredita que se abre um leque de oportunidades. “Essa perspectiva permite adquirir conhecimentos a respeito da resistência desses insetos a inseticidas, identificar os tipos de inseticidas mais eficazes e desenvolver abordagens inovadoras. Na verdade, na área em que atuo, existem pesquisadores, inclusive no nosso laboratório da Fiocruz, que estão investigando várias novas estratégias que são consideradas como direcionadas ao futuro. De forma descontraída, costumamos dizer que estamos pesquisando os inseticidas do amanhã, juntamente com outros laboratórios”, brinca.
Para o desenvolvimento de inseticidas eficazes, o profissional declara que é crucial compreender o alvo específico. “Muitas vezes, o que funciona para um tipo de inseto não é aplicável a outro. Portanto, não é viável utilizar abordagens criadas, por exemplo, para mosquitos e besouros, pois são insetos bastante distintos. O foco das pesquisas é criar inseticidas altamente direcionados para um determinado propósito, seja para proteger abelhas ou para ter um impacto positivo na saúde humana, por exemplo”, discorre.
Conhecendo os vetores
Para desenvolver essas abordagens, o pesquisador assegura que é necessário adquirir conhecimento sobre a biologia dos insetos vetores. “Plataformas, como o genoma, desempenham um papel importante, proporcionando ampla informação, o que é essencial para a formulação desses métodos de combate. Além disso, diversas outras perspectivas se expandem. Por exemplo, há investigações em andamento sobre vacinas que bloqueiam a transmissão. Nesse contexto, em vez de vacinar contra o parasita, algo que se mostra complexo, a ideia é tornar a pessoa ou o animal imunes por meio da ação do próprio inseto transmissor. Dessa maneira, é possível criar um cenário onde a infecção pelo parasita é evitada, uma vez que o parasita depende de proteínas do inseto. Isso abre portas para o desenvolvimento de vacinas bloqueadoras, uma perspectiva que é notável”, indica.
Outra abordagem considerada fascinante por Fernando, que muitos grupos estão explorando, é a modificação direta dos insetos vetores. “Isso pode envolver a criação de insetos transgênicos ou associados a bactérias geneticamente modificadas, tornando-os refratários à infecção. Em vez de focar na cura de pessoas ou animais, uma tarefa complexa, direciona-se a solução para os insetos. Isso pode ser mais eficaz em laboratório, onde a manipulação de insetos é viável, ao contrário da intervenção direta em indivíduos”, pontua.
Prevenção: Medidas importantes
Como mencionado pelo pesquisador, as precauções a serem adotadas seguem princípios tradicionais, como o uso de repelentes, a instalação de telas protetoras nas residências e a atenção voltada para o entorno do ambiente em que os animais vivem. “Também é importante identificar possíveis locais propícios para a proliferação do vetor. Os criadouros dos mosquitos podem consistir em material orgânico e, por vezes, a localização da residência próxima a áreas de floresta ou mata pode agravar a situação, visto que esses criadouros naturais podem ser incontroláveis e inacessíveis para ações de combate”, observa.
Outro aspecto a considerar, de acordo com ele, é a interação da pessoa com outros animais domésticos, os quais também podem ser atrativos para os vetores. “Aqueles que possuem a criação de animais, como galinhas ou cavalos, por exemplo, podem enfrentar complicações adicionais. O estabelecimento de um galinheiro nas proximidades pode se tornar um chamariz para os insetos, o que demanda cuidados especiais. Para contornar essa situação, é possível implementar armadilhas ou medidas de controle, como o uso de inseticidas. Dessa forma, as precauções a serem adotadas têm um caráter ambiental, visando mitigar os riscos de infestação”, encerra.