Cláudia Guimarães, em casa
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Quem teve o privilégio de ficar em casa durante o período de quarentena sabe que as horas na companhia dos pets aumentaram e a cumplicidade se intensificou. A troca de carinho entre tutores e animais foi, para muitos, uma das coisas mais essenciais durante o período de isolamento social. Mas isso também desperta, agora, momento em que muitos estão retornando às suas rotinas de trabalho fora de casa, uma preocupação: “os animais ficarão bem em casa, novamente, sem minha presença?”.
Voltando lá no início, ou seja, quando houve a alteração na rotina de muitos brasileiros, que passaram a conviver mais com os animais, a médica-veterinária Claudia Veronica Calamari aponta que os cães e os gatos também passaram a ter uma rotina bem diferente do que estão acostumados, mesmo para tutores que não trabalham fora. “Pois, estar 24h por dia na companhia um do outro altera essa relação: o tutor acaba oferecendo muito mais atenção ao seu animal, passa a observar melhor seu comportamento e a tratá-lo de maneira diferente, mesmo sem que perceba isso. A rotina estressante com milhares de compromissos e horários foi pausada”, observa.
A adestradora Laís Cauner comenta que a aproximação intensa pode ter consequências: “O tutor que não cria momentos de independência em seu cão pode se deparar com um pet que o persegue onde ele vá dentro de casa. Isso estimula o animal a não saber ficar sozinho, pois, se está descansando afastado do tutor, o mesmo logo o chama, ensinando o animal a estar sempre perto. Por outro lado, a convivência abre espaço e tempo para o tutor ensinar e apresentar obediência e diversão aos pets”, menciona.
Claudia também acredita que estabelecer horários de brincadeiras e descanso poderá ser mais fácil de o animal entender que poderá interagir com seus próprios brinquedos sozinho, sem precisar estar com o tutor para sentir-se realizado. “Precisamos estimular o animal a ficar sozinho e não ficar atraindo a atenção dele a todo instante. O pet não deve seguir você como uma sombra dentro da casa. Dar atenção a todo instante vai deixá-lo mais ansioso quando não estiver”, reforça.
Tutores não devem ficar o tempo todo com os pets, pois isso os estimula a não saber ficar sozinhos (Foto: reprodução)
Às pessoas que ainda não saíram da quarentena, Laís indica estratégia de planejamento para simular a vida normal, incluindo o horário de brincadeiras. “É essencial manter os hábitos de vida fora do isolamento e melhorá-los, ensinando ao pet gradativamente que, mesmo você estando em casa, ele ficará sozinho. O cronograma que o tutor criar irá deixar o pet seguro, por entender a rotina e aguardar esse momento prazeroso de atividades. Além disso, dessa forma, evita-se, também, que o pet seja hiper estimulado com brinquedos de concentração ou, até mesmo, com excesso de exercícios, fora de uma rotina estipulada”, salienta.
Hora do “até logo”. Sobre as adaptações para o retorno ao trabalho e, então, o momento de deixar o pet sozinho em casa, Laís dá um exemplo simples: “Se você não ensinou seu animal, nos 365 dias do ano, a não sofrer com fogos de artifício, não adianta nada se preocupar em mantê-lo calmo apenas no dia 31 de dezembro, às 24h. Assim, uma simples troca de roupa e o ato de calçar um sapato pode desencadear a fobia por conta de seu tutor sair de casa e não o levar junto. Esse é um momento que nos aproxima dos nossos pets para termos mais empatia, nos colocarmos no lugar deles e tentar entendê-los para ensinar, o que eles amam”, pondera.
A veterinária Claudia acredita que não só os pets, mas, também, as crianças sofrerão um pouco quando os adultos da casa voltarem às suas rotinas. “Quem não gosta de estar em contato 24h por dia com quem mais ama? Com as crianças, podemos conversar e levar alguns dias até que se acostumem com o normal de novo, mas, para os pets, somos responsáveis por algumas mudanças no nosso comportamento para que entendam isso. Criar uma rotina de brincadeiras e descanso pode ajudar ao animal a entender regras. Nós precisamos estabelecer quais serão esses momentos”, aconselha.
Uma forma de entreter os animais para quando voltar às ruas, segundo Laís, é oferecer um gasto energético mais efetivo. “Esqueça um passeio de dar uma voltinha no quarteirão, faça um trajeto em ruas em que o cão nunca passou e caminhe em ritmo de esporte, optando pelas ruas íngremes. Se morar em apartamento, desça e suba escadas. Ofereça a alimentação sempre após essa atividade externa, para seu cão entender que fez um ótimo trabalho na rua. Escolha fragmentar a quantidade de alimento para que seja uma moeda de troca e não exceda a quantidade diária necessária. Ao sair de casa, o tutor pode deixar um dispenser de alimento que o cão passe mais tempo caçando do que no comedouro”, indica.
Quando a separação acontecer e o tutor voltar ao trabalho, Claudia orienta a deixar a televisão ou um rádio ligado e uma peça de roupa usada para que o pet sinta seu cheiro. “Uma boa dica é começar a utilizar brinquedos, como bolinhas, que liberam ração por uma fenda para alimentá-lo para que ele se sinta ocupado e perca tempo com isso. Inclusive, dá até para esconder petiscos pela casa”, adiciona.
A ansiedade de separação pode acometer, inclusive, os animais que não tinham esse problema antes (Foto: reprodução)
Mas vale lembrar: alimento não é brinquedo, então, não deve ficar à vontade aos animais. Como comentado por Laís, quantidades excessivas fazem mal à saúde do pet. “Podem gerar desconfortos abdominais, torção gástrica, coprofagias. O tutor não deve oferecer comida ao pé da mesa, pois, quando não estiver por perto, o animal irá subir e comer o que está em cima e, muitas vezes, pode ser algo impróprio. Mantenha a rotina, a quantidade de acordo com o peso e horários específicos de alimentação de 2 a 3x ao dia, no máximo”, orienta.
A veterinária também chama atenção para a quantidade ideal de ração: “Alimento não é diversão, mas ele pode ser um grande aliado se souber utilizá-lo corretamente para entreter os animais. Observei, no consultório, um número maior de consultas na quarentena, pois muitos animais estão sendo observados neste momento. Independente do isolamento, devemos estabelecer a quantidade total e fracioná-la para o consumo diário sem extras. Caso contrário, teremos animais com obesidade e sofrendo pela falta de petiscos extras que eram oferecidos a todo momento. Estabeleça horários e quantidade e siga-os! Quer seja de alimentação natural ou ração. Isso vai ajudar a colocar um limite em nós mesmos sobre a alimentação do pet”, orienta.
Comportamento e independência. Tutores devem estar atentos a possíveis lambeduras excessivas, entre outras disfunções ligadas ao comportamento, que podem aparecer com a ansiedade de separação. “Os animais de estimação que não foram preparados para ficar longe de seus cuidadores irão chamar atenção fazendo as necessidades em local errado, latindo e pulando excessivamente e apresentar medo do isolamento”, frisa Laís.
Como explicado por Cláudia, a ansiedade de separação poderá ser real para muitos animais, mesmo aqueles que não tinham esse problema antes. “Isso porque estamos em quarentena, quase não saímos de casa, diferente de estarmos de férias, onde podemos até sair para uma viagem, deixar nossos animais aos cuidados de um parente ou de um profissional. O contato nesse período de isolamento por conta da pandemia é sem precedentes. E podemos ter animais latindo demasiadamente, arranhando portas ou mesmo mordendo móveis da casa quando não estamos. Os animais mais ‘mimados’ são os que sofrerão mais”, assegura.
Como observado pela médica-veterinária, alguns tutores ficam atraindo atenção de seus animais o tempo todo e isso faz com eles fiquem inseguros, mostrando que precisam estar ao lado de um tutor o tempo todo. “Caso esteja brincando sozinho com um brinquedo, deixe! Não faça intervenção! É importante o animal ter autonomia para brincar sozinho. Caso esteja dormindo, deixe! Não fique atraindo sua atenção e retirando do local que está o tempo todo. Às vezes, acho que pecamos pelo excesso de zelo e atenção e ambos sofrerão a ansiedade de separação quando tudo isso acabar”, finaliza.