A lama biliar nada mais é do que um espessamento da bile, resultando em um fluído denso e viscoso, que se acumula na vesícula biliar. Isso é o que explica a médica-veterinária, que atua nos setores de clínica médica e internação do Hospital Veterinário Taquaral, Isabella Amaral da Fonseca.
Essa alteração pode ser observada tanto em cães quanto em gatos, porém estudos indicam uma maior prevalência nos cães. “A condição, geralmente, é um achado casual, existindo relatos da sua ocorrência em até 67% da população clinicamente saudável. Ela é mais diagnosticada em animais adultos a idosos”, explica.
Ainda de acordo com a profissional, até o momento não foi estabelecida uma predisposição para gatos com relação a formação de lama biliar. Mas, nos cães as raças com maior suscetibilidade são schnauzer, cocker spaniel, shetland sheepdog e lulu da pomerânia.
O que causa a lama biliar?

Basicamente, a bile é composta por água, sais biliares, colesterol, fosfolipídios, pigmentos, eletrólitos e mucina. Quando ocorrem mudanças na concentração ou no equilíbrio desses componentes há um favorecimento para a formação da lama.
“A lama biliar pode acontecer devido a alterações na motilidade da vesícula biliar, que permitem a sedimentação do material, ou por hipersecreção de muco”, comenta a médica-veterinária.
Ela também complemente que esse distúrbio está frequentemente associado a algumas condições clínicas, como jejum prolongado, manejo dietético inadequado, uso de fármacos, especialmente corticosteroides, dislipidemias, endocrinopatias e doenças hepatobiliares.
Existem ainda diversas enfermidades que podem predispor a formação de lama biliar. As mais comumente relacionadas a essa condição são as que promovem estase biliar e alterações na composição físico-química da bile.
“Endocrinopatias, como o hipotireoidismo, hiperadrenocorticismo e diabetes mellitus, afetam o metabolismo lipídico e a contratilidade da vesícula biliar, favorecendo o acúmulo de conteúdo biliar espessado. Já as doenças hepáticas, como lipidose hepática felina, hepatopatias inflamatórias crônicas e colangio-hepatites, também estão envolvidas devido à interferência direta na produção e no fluxo da bile, seja por comprometimento funcional dos hepatócitos ou por inflamação e obstrução dos ductos biliares”, exemplifica Isabella.
A doutora também cita outras condições frequentemente associadas. Dentre elas estão as alterações metabólicas, como a dislipidemia, afecções gastrointestinais crônicas, como a enteropatia crônica e pancreatite, e a inflamação intestinal crônica.
Além disso, a dieta dos animais não deve deixar de ser citada dentre os fatores predisponentes da lama biliar.
“De todos os componentes da dieta, a gordura é o principal nutriente a ser considerado, uma vez que influencia diretamente na composição da bile e na contração da vesícula biliar. Uma alimentação com gordura em excesso aumenta a concentração de colesterol e fosfolipídios, o que favorece a formação da lama biliar”, pontua Fonseca.
Diagnóstico não é difícil
Diagnosticar a lama biliar está longe de ser algo complicado. Exatamente por isso que muitas vezes esse é um achado em exames de rotina.
“A ultrassonografia é o exame padrão-ouro para o diagnóstico de lama biliar em cães e gatos, sendo frequentemente identificada de forma incidental. Nela a lama biliar se apresenta como um material ecogênico no interior da vesícula biliar, cuja aparência varia conforme a concentração e composição dos precipitados”, esclarece a profissional.
Segundo ela, geralmente, a lama biliar não provoca sombra acústica, característica que serve para a diferenciar cálculos biliares e da mucocele.
Com esse exame também é possível verificar se a lama biliar é móvel ou imóvel. “A lama biliar móvel normalmente é observada nas fases iniciais e é um conteúdo que se desloca livremente na vesícula. Já a lama biliar imóvel permanece fixa ou aderida à parede vesicular, mesmo com a movimentação do paciente, o que pode refletir maior viscosidade, acúmulo de muco espesso ou processos inflamatórios crônicos”, afirma.

Afinal, tratar ou não?
Na rotina dos médicos-veterinários sempre surge a dúvida entre tratar ou não a lama biliar. Isabella comenta que essa escolha deve ser pautada de acordo com a gravidade e a apresentação ultrassonográfica da lama biliar.
“A forma móvel, na maioria dos casos, não requer intervenção. Por outro lado, a presença de lama imóvel costuma indicar necessidade de tratamento, mas sempre em associação com a avaliação clínica do paciente”, elucida.
De acordo com a profissional, a intervenção é, geralmente, recomendada quando a condição persiste ou progride nas reavaliações ultrassonográficas.
Também pode ser escolhida quando o paciente apresenta sinais compatíveis com distúrbios biliares – desde que causas extra-biliares tenham sido previamente descartadas – e na presença de evidências clínicas e complementares que justifiquem abordagem terapêutica, como complicações secundárias (mucocele biliar e colelitíase), achados ultrassonográficos sugestivos de colestase e alterações bioquímicas.
“O manejo ideal inclui acompanhamento ultrassonográfico periódico, associado à avaliação clínica e laboratorial com o objetivo de monitorar a evolução do quadro e evitar tratamentos desnecessários”, recomenda.
Qual o melhor tratamento?
Existem algumas abordagens terapêuticas que podem ser utilizadas para tratar a lama biliar. Isabella explica que as principais condutas incluem o uso de coleréticos, medicamentos que têm como objetivo de estimular o fluxo biliar. As mudanças na dieta dos cães e gatos também devem ser empregadas para melhorar a função hepatobiliar.
“O ácido ursodesoxicólico é um colerético, que estimula a produção e a secreção de bile pelo fígado, aumentando seu volume e melhorando o fluxo biliar. Ele é amplamente utilizado em cães com distúrbios hepatobiliares com estase ou espessamento da bile, como a lama biliar”, exemplifica.
A médica-veterinária cita ainda outras estratégias que podem ser utilizadas. A suplementação com ácidos graxos, como o ômega-3, é um exemplo, devido ao seu potencial efeito anti-inflamatório.
Já se houverem comorbidades associadas o tratamento pode incluir o uso de antibióticos, anti-inflamatórios e medicações que tratem especificamente as doenças associadas.
No entanto, falando especificamente dos felinos, existem algumas ressalvas. “Nos gatos o tratamento da lama biliar requer atenção especial, uma vez que essa alteração está frequentemente associada a processos infecciosos ou inflamatórios crônicos da árvore biliar, como a colangite linfocítica, neutrofílica ou parasitária. Nesses casos, a investigação por meio de coleta de bile, através da colecistocentese guiada por ultrassonografia, pode ser indicada para análise citológica e cultura bacteriana, auxiliando na identificação de agentes infecciosos e direcionando o tratamento antimicrobiano”, pontua.
Para finalizar, a médica-veterinária explica que quando há falha no tratamento clínico, recorrência persistente dos sintomas ou complicações graves como, mucocele biliar, colelitíase obstrutiva e ruptura da vesícula, o tratamento cirúrgico pode ser necessário.
FAQ
Quais são as possíveis complicações da lama biliar?
Por mais que a lama biliar seja, muitas vezes, assintomática, ela pode levar a algumas complicações graves como colecistite (inflamação da vesícula biliar), colangite (inflamação dos ductos biliares) colelitíase e coledocolitíase (formação de cálculos biliares), mucocele biliar e, em casos crônicos, comprometimento hepático secundário.
Quais são os sinais clínicos mais comuns da lama biliar?
Geralmente, a presença de lama biliar não leva a sinais clínicos. Porém, dependendo da gravidade do quadro é possível ocorrer vômito, icterícia, hiporexia ou anorexia, letargia e dor abdominal.
Como prevenir a formação de lama biliar?
A principal maneira de evitar a lama biliar é realizando um manejo nutricional adequado para os cães e gatos através da oferta de uma dieta balanceada. Também deve-se tentar manter o peso corporal ideal dos animais.
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