Norma Labarthe – Fiocruz
Jonimar Paiva – UFRRJ
O cenário atual da Dirofilariose no Brasil não permite mais o uso de “jargões” como: “Só tem infecção no litoral”; “Aqui, o clima é frio e não tem mosquitos”; “Cão de dentro de casa não é picado por mosquitos” e por aí vai…
Pesquisas mostram altas prevalências em regiões litorâneas, onde os principais mosquitos vetores são mais abundantes e as condições ambientais são ideias para a manutenção de seu ciclo, mas isso não anula o risco de transmissão em outras regiões.
O recente trabalho, que realizou levantamento nacional da doença revisitando focos conhecidos no passado, ‘Updated canine infection rates for Dirofilaria immitis in areas of Brazil previously identified as having a high incidence of heartworm-infected dogs. Labarthe et al. Parasites & Vectors 2014’, apresenta algumas características epidemiológicas dos cães infectados em áreas de alta prevalência tais como: maiores taxas de presença de antígeno em cães de porte médio-grande e grande; cães mantidos em quintais e de pelagem curta. As menores taxas de infecção foram observadas em cães de pelagem branca. Tais características não se repetiram em áreas de prevalência menor que 20%, sugerindo que são características secundárias e apenas percebidas se a taxa de infecção na região for muito alta. O tempo em que o animal vivia na região também não foi correlacionado aos resultados encontrados, portando parece que as infecções ocorrem rapidamente, o que demonstra a necessidade da prevenção mesmo que a exposição seja por poucos dias.
Estes achados reforçam a informação de que a infecção não está restrita às características individuais dos cães e que tão logo um cão chegue a uma área endêmica a infecção pode acontecer. Não se pode olhar para um animal e por sua característica física ou pela forma pela qual é mantido, prever o risco a que está exposto ou sua probabilidade de estar infectado.
O valor preditivo da sintomatologia clínica da doença também não ajuda no diagnóstico. A maioria dos cães infectados é assintomática e não se pode usar a presença de sinais clínicos como motivo para testar um animal. Todos devem ser examinados anualmente e testes específicos para detecção da infecção realizados sempre.
A fisiopatogenia da dirofilariose canina tem evolução crônica e depende de fatores como, carga parasitária que o cão alberga, tempo de infecção e nível de atividade física do animal. A presença de vermes adultos na árvore arterial pulmonar causa alterações do endotélio e da musculatura lisa gerando processo obstrutivo que irá sobrecarregar ao longo do tempo o trabalho do ventrículo direito no que diz respeito à manutenção do fluxo sanguíneo para o pulmão.
Diante disso, quanto maior a carga parasitária, menor pode ser o tempo para esta sobrecarga se tornar, de fato, prejuízo ao trabalho cardíaco, chegando ao desenvolvimento da insuficiência cardíaca congestiva direita (ICCD). O tempo de infecção se traduz em maior exposição da árvore arterial à presença do verme adulto e a atividade física representa maior exigência do fluxo sanguíneo para suprir as necessidades metabólicas.
A questão é: esta evolução crônica mantém o cão por muito tempo assintomático e com o avançar da idade, o início dos sinais e até mesmo os achados eventuais de exames complementares como a radiografia torácica, podem se misturar com processos esperados da senilidade como a bronquite crônica. O comum achado de aumento atrioventricular direito, esperado em tantas causas de Cor Pulmonale, que não trazem a preocupação do desenvolvimento da ICCD, pode estar associado também a dirofilariose e esta sendo mascarada.
Em avaliações cardiovasculares da rotina geriátrica mais minuciosa como a realização do exame ecodopplecardiográfico, os achados de hipertrofia excêntrica ou dilatação do ventrículo direito, dilatação atrial direita, refluxo tricuspídeo, retificação do septo interventricular e hipertensão pulmonar estimada, podem ser interpretadas de forma semelhante, a causas mais simples de Cor Pulmonale, ao menos que este animal seja portador de carga parasitária alta ou tenha tamanho pequeno o suficiente para que os vermes adultos estejam alojados no tronco pulmonar ou no coração direito e possam ser visualizados por este exame.
Considerando todo este contexto de processo mórbido, muitas vezes silencioso, que gradativamente reduz a qualidade de vida dos cães e os coloca, uma vez infectados, como fonte de infecção para outros animais, a Medicina Veterinária necessita trabalhar de forma preventiva.
Evitar a exposição à possibilidade de infecção, ou seja, orientar os tutores dos cães a iniciarem o programa profilático às oito semanas de vida do animal com as lactonas macrocíclicas disponíveis no mercado, e assim manter por toda a vida é praticar medicina veterinária de boa qualidade.
Caso o momento da rotina pediátrica já tenha passado e este paciente seja jovem ou adulto, ele deve ser testado e uma vez livre da presença de antígenos e de microfilárias circulantes, a profilaxia deve ser iniciada e o animal retestado em seis meses.
O diagnóstico da dirofilariose canina e a recomendação da profilaxia devem fazer parte da rotina clínica, independente de local onde o animal resida, de suas características individuais e da presença de sinais clínicos ou de achados de exames complementares.
Nenhum animal está livre de ser infectado por Dirofilaria immitis e, definitivamente, quem vê cara não vê coração.