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SETEMBRO AMARELO: LUTA CONTRA SUICÍDIO DE VETERINÁRIOS É DIÁRIA

Por Equipe Cães&Gatos
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Por Equipe Cães&Gatos

Cláudia Guimarães, em casa

claudia@ciasullieditores.com.br

Quantos são os desafios impostos a nós durante a vida que, muitas vezes, recebemos como um teste para alguém ou algo maior saber quão fortes somos. Dentro das nossas profissões, então, há inúmeros deles. Eu, enquanto jornalista, sei das minhas lutas diárias e você, médico-veterinário, quais as maiores barreiras psicológicas que a profissão te impõe? Mesmo no último dia do mês, não deixamos a campanha Setembro Amarelo passar batida em nosso portal de notícias. Até porque, essa conscientização e combate contra o suicídio é uma luta permanente.

A psicóloga especialista em Clínica Cognitivo comportamental, Flávia Almeida, recorda que, desde 2015, o mês de setembro marca, no Brasil, uma série de ações voltadas à manutenção e melhora da saúde mental dos cidadãos, especialmente as voltadas à prevenção ao suicídio. “O Setembro Amarelo foi criado numa iniciativa conjunta do Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)”, informa.

Segundo ela, a campanha nos faz pensar, também, nos médicos-veterinários: de acordo com dados do Sistema Único de Saúde (SUS), essa é a classe profissional com maior risco de suicídio no Brasil (os dados do Datasus – portal de dados do SUS – de 1980 a 2007, indicam que a taxa de suicídio de médicos-veterinários é de 10,6 para um frente a população geral). “As causas apontadas para esse fenômeno são, principalmente, a síndrome de burnout e a fadiga por compaixão. A primeira compreende o esgotamento emocional crônico por sobrecarga de trabalho, trata-se de um transtorno de trabalho, com três características principais: perda de sentido de realização profissional, esgotamento emocional e frieza e distanciamento de outras pessoas”, explica.

Já a fadiga por compaixão, de acordo com a psicóloga, é a exaustão emocional de trabalho em prol do outro, ou seja, trata daqueles que trabalham com o outro em sofrimento. “A Fadiga por Compaixão é, então, definida enquanto uma síndrome de exaustão biológica, psicológica e social que pode acometer indivíduos que liberam energia psíquica, em forma de compaixão, a outros seres (humanos ou animais) por um período de tempo, sem se sentirem suficientemente recompensados”, descreve.

O ato de eutanasiar um animal jamais será uma escolha fácilou que não afete o profissional (Foto: reprodução)

Quais as causas? O contato direto, relacionamento intenso e estresse originado do pensamento do médico-veterinário que a vida do paciente está em suas mãos, podem desencadear vários transtornos psicológico, como afirma Flávia, entre eles o Burnout, Depressão, Ansiedade, Transtorno Estresse Pós Traumático, entre outros. “Acredita-se que os impactos são ainda maiores para os profissionais recém-formados na profissão, além da sobrecarga da jornada de trabalho e, também, durante sua formação acadêmica, o médico-veterinário não é preparado para lidar com diversos problemas e acaba por passar por momentos de desencanto posterior”, avalia.

Na visão da psicóloga, a crença dos veterinários que sempre foi amar os animais e buscar o melhor para a natureza, acaba sendo massacrada no seu primeiro dia de plantão. “Alguém vem e rompe uma crença de criança ou de cinco anos de faculdade e essa ruptura de crença acaba te deixando exposto e vulnerável ao desenvolvimento de Transtorno Psicológico”, alerta.

Assim, Flávia aposta que a carga emocional enfrentada por veterinários pode ser pior que a enfrentada por outros profissionais da saúde, por estarem sujeitos a lidarem com a morte numa proporção muito maior outros profissionais de saúde. “Independentemente da especialidade, provavelmente acompanharão a morte de todos os pacientes. Entretanto, há muitos outros fatores: a falta de reconhecimento profissional, baixa remuneração, falta de espaço pessoal e o convívio com animais (e seus tutores) em sofrimento”, enumera.

A cobrança vem de dentro. Todos nós, segundo a psicóloga, somos regidos por um sistema internalizado de crenças pessoais. “Dentro do Processo Terapêutico, busco trabalhar com o paciente para flexibilizarmos essas crenças, tentando, assim, uma reestruturação cognitiva. Entende-se que, durante nossa vida, nossas experiências positivas e negativas vão gerando ‘crenças’ que podem ser ‘funcionais’ ou ‘disfuncionais’. Essa última traz alguns prejuízos psicológico para o indivíduo, dependendo do grau que essas ‘crenças’ interferem em nossas vidas”, discorre.

Exemplos de crenças existentes nas pessoas da área da saúde listados pela profissional são: sou bom, sou dedicado, sou empático, sou competente, tenho conhecimento, posso ajudar meus pacientes, salvo vidas, entre outras. “No contato com o sofrimento alheio em geral, o profissional sofre danos constantes ao sistema de crenças pessoais. ‘Não gostamos de alguns clientes/pacientes’; ‘somos incompetentes em alguns casos que atendemos’, ‘ignorantes de algumas condições e falhamos, muitas vezes, em ajudar nossos pacientes e confortar nossos clientes’. Além disto, muitas vezes, são mal remunerados e os esforços não são reconhecidos. Este abalo sistemático no nosso sistema de crenças pessoais vai cobrar seu preço ao longo do tempo”, destaca.

Outro fator relevante e de muito estresse para o médico-veterinário, de acordo com Flávia, é em relação ao processo de eutanásia. “O ato de eutanasiar um animal jamais será uma escolha fácil ou que não afete o profissional que tenha de exercer essa dolorosa tarefa. A eutanásia é o processo de indução da morte do animal, de forma ética, com a utilização de técnicas cientificamente eficazes e humanizadas. É uma prática de competência privativa do médico-veterinário, pautada em legislações nacionais e internacionais”, expõe.

Raramente, o veterinário identifica o problema eenxerga sua magnitude, assim, não procura ajudaprofissional (Foto: reprodução)

Além disto, o médico-veterinário também pode vivenciar o luto pela perda de seus pacientes e o não reconhecimento deste e/ou a não autorização para vivenciá-lo traz consequências para a saúde emocional deste profissional, conforme esclarece a psicóloga entrevistada. “O luto pela perda do animal deve ser respeitado e compreendido. A compreensão do luto e seus processos traz segurança e tranquilidade ao médico-veterinário”, garante.

Relatos de quase morte. Contatamos um médico-veterinário que, nesta reportagem, prefere ser chamado de Rodrigo. Ele nos conta que já pensou no suicídio: “Em um primeiro momento, ele [o suicídio] não era um bicho de sete cabeças para mim. O via mais como uma forma de me aliviar e de fugir do que me atormentava em vida. Mas acredito que tenha me faltado coragem e, então, a ideia foi se amolecendo em minha mente, comecei a ponderar outras questões, como ‘posso ajudar outros animais e, aí sim, fazer algo para, quem sabe, consertar o erro que eu acreditava ter sido meu com outro paciente”, narra.

Hoje, Rodrigo entende que seu trauma, por assim dizer, não foi um erro médico, já que ele fez tudo o que poderia: “Mas, na época (tinha 6 anos de formado), me abalou muito. Eu estava tratando da Hanna, 6 anos de idade (pastor alemão), por um ano meio. Ela tinha epilepsia, quadros severos de convulsão. A tutora chegava correndo e eu largava o paciente que estivesse atendendo com outro profissional para me dedica a ela. Já havia me apegado a essa paciente”, relembra o veterinário.

Ele revela que conseguiram manter o tratamento no animal e que teve um período em que os quadros de convulsão chegaram a ser bem espaçados: “O que para a minha saúde mental foi até pior e acredito que para o tutor também, depois que tudo aconteceu, pois tínhamos criado muita esperança. Eu particularmente, tinha certeza que iria conseguir controlar de uma vez por todas, que após tantas tentativas terapêuticas, iria achar a adequada e que deixasse ela com uma qualidade de vida melhor enquanto vivesse”, descreve seu sentimento na época.

Mas Rodrigo declara que, em uma noite em que ele nem estava de plantão na clínica, o tutor ligou em seu celular pessoal, dizendo que estava levando o animal, que estava pior que das outras vezes. “Não pensei duas vezes e fui pra lá encontrar os dois. Infelizmente, ela faleceu e eu não tinha nem ao menos voz para dar a notícia a ele. Senti um mal estar muito grande. Antes, já conduzi procedimentos de eutanásia, já vi animais morrer por avanços de doenças, mas, com ela, não sei explicar o que aconteceu. Talvez tenha sido um acúmulo de experiencias negativas com pacientes”, analisa.

Por fim, o veterinário tomou coragem para contar ao tutor e, logo em seguida, teve que se retirar por não estar passando bem. “Fui parar no hospital com a pressão alta e nunca tive pressão alta até então – agora é algo constante em minha vida. Me indicaram terapias, mas fui deixando de lado, talvez por, realmente, querer piorar até chegar no momento de ter que dar um basta”, menciona o profissional que recebeu, um ano depois da morte de Hanna, outro paciente com quadros parecidos com os dela. “Mesmo tendo passado todo esse tempo, minha saúde mental não estava boa ainda. Mas acredito que tenha sido esse animal que me despertou novamente. Eu o atendia lembrando dela, tentando dar o meu melhor, como se tivesse faltado para a Hanna. Ainda trato desse paciente”, insere Rodrigo que, hoje, mantém suas terapias com um especialista em dia.

Falar sobre os sentimentos diários em relação à vida profissionale pessoal com um psicólogo sempre é a melhor escolha (Foto: reprodução)

Como evitar o suicídio? A psicóloga Flávia frisa que a pessoa que apresenta um quadro de Síndrome de Burnout, na Medicina Veterinária não necessariamente terá pensamentos suicidas. “O que acontece é que, raramente, a pessoa identifica o problema e enxerga sua magnitude. Por isso, ela não procura ajuda profissional, o que pode agravar o problema e provocar outros sintomas que não existiam antes, como a depressão. Nesses casos, aumenta a probabilidade de ocorrerem ideações suicidas”, esclarece.

Existem algumas atitudes que podem deixar o dia a dia no ambiente de trabalho – e fora dele – mais leve, na visão de Flávia: “Lembrando que nenhuma delas supre a necessidade de fazer terapia ou procurar ajuda profissional, caso necessário. As principais dicas são: respeite seus limites: para não chegar a um nível extremo de exaustão, é necessário conhecer seus limites físicos e emocionais; fique offline: hoje em dia, não tem como ficar desconectado da internet. Mas, se essa conexão é utilizada para trabalho fora do horário de expediente, você deve se desligar dessa obrigação; se cuide: você é seu bem mais precioso. Por isso, é muito importante cuidar da sua saúde e do seu bem estar; relaxe: seus momentos de descanso merecem mais atenção. Não estou falando apenas quando você dorme, mas, também, de momentos de relaxamento: assistir filmes, séries, ouvir músicas relaxantes, entre outras atividades, são ótimas formas de descansar; equilíbrio é tudo: temos diversas áreas na nossa vida e todas elas são importantes. Quando não damos a devida relevância que elas merecem, não estamos em equilíbrio emocional. Dá aquela sensação de que algo está faltando, sabe?”, indaga.

Família, amigos, trabalho, estudos, lazer, etc., devem ter um espaço na vida do médico-veterinário, como lembrado por Flávia. “Entenda que a vida é um constante aprendizado! Somos ensinados que errar é algo muito ruim. Por isso, esquecemos que podemos aprender com eles. Estimulando esse pensamento, fica muito mais fácil lidar com as falhas e valorizar seu bom trabalho”, recomenda.

A busca por ajuda de um psicólogo é sempre a melhor opção, como ressaltado pela especialista: falar sobre os sentimentos diários em relação à vida profissional e pessoal sempre é a melhor escolha. “Muitas vezes, as pessoas acabam sufocando seus sentimentos, não falando sobre suas dificuldades e isso pode agravar muito o quadro Emocional e Psicológico, trazendo sérios prejuízos para a vida do profissional”, pondera.

Flávia ainda deixa um recado aos veterinários leitores de nosso portal de notícias: “Lembre-se sempre: você é um herói realizando alguns dos trabalhos mais difíceis e mais importantes para os animais. Sinta-se orgulhoso de você está fazendo a diferença. Saiba e reconheça que você é parte ativa da solução”.

Psicóloga especialista em Clínica Cognitivo comportamental, Flávia Almeida (Foto: divulgação)