O Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu trechos da Lei Estadual nº 17.972/2024, sancionada recentemente pelo governador Tarcísio de Freitas, que regulamenta a criação e comercialização de cães e gatos no estado de São Paulo, e com a medida a obrigação de criadores profissionais efetuarem a castração cirúrgica dos filhotes antes dos quatro meses de idade.
A ação foi apresentada ao STF pela Associação Brasileira da Indústria de Produtos Para Animais de Estimação (Abinpet) e pelo Instituto Pet Brasil, com a justificativa de que a lei invadiu a competência da União e do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para regular a atividade profissional da criação de cães e gatos, e de dispor sobre a proteção, a saúde e o bem-estar na criação e na comercialização dos animais. Outro argumento é o de que a lei não estabeleceu um prazo mínimo para adaptação às novas regras.
O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP) acredita que o Supremo tomou uma importante decisão ao suspender a regra, e demonstrou sensibilidade ao ouvir as demandas dos profissionais médicos-veterinários e do setor. O trecho sobre esterilização de animais, suspenso pelo STF, é um dos pontos que precisariam ser reconsiderados, cujos pareceres e solicitações para adequação já haviam sido anteriormente encaminhados pelo Regional ao Gabinete do governador durante a elaboração da lei.
O Regional pediu o veto da obrigatoriedade de esterilizar precocemente os animais, em especial os cães de trabalho até os 18 meses, já que cada raça e atividade tem um tempo de maturação e treinamento específico. Apesar da esterilização cirúrgica pré-púbere ser uma opção, principalmente no contexto de política pública de combate ao abandono de animais, tal técnica é amplamente discutida por poder ter como consequência um aumento no risco de aparecimento de algumas enfermidades. “É extremamente importante considerar o desenvolvimento de cada raça em suas particularidades. O pedido das entidades deve ser parabenizado, assim como a decisão do STF, baseados em evidências científicas”, enfatiza a presidente da autarquia, Daniela Pontes Chiebao.
Entenda os perigos
De acordo com a secretária-geral, Ana Helena Pagotto Stuginski, que atua na área de clínica médica de cães e gatos, a castração, embora útil para o controle populacional, apresenta algumas restrições, especialmente em animais mais jovens, contribuindo para o desenvolvimento de distúrbios endócrinos e ortopédicos, além de interferir na maturação do sistema urinário. “Essas alterações podem levar a falhas no desenvolvimento adequado do animal. Nestes casos, a castração tem mais chances de causar prejuízos do que benefícios”, disse.
Já para a vice-presidente do CRMV-SP, Carolina Saraiva Filippos de Toledo, embora a castração de fêmeas jovens esteja relacionada à menor incidência de tumores de mama, ainda assim é possível conferir uma proteção muito alta quando o procedimento é realizado no período entre o primeiro e segundo cio. “Hoje também sabemos que a castração de animais jovens pode aumentar o risco de desenvolvimento de outros tipos tumorais, como os osteosarcomas, principalmente em cães de raças grandes e gigantes”, destaca.
Ana Helena acredita que um controle mais eficaz incluiria a identificação dos cães e gatos por meio de microchipagem e um banco de dados unificado e constantemente atualizado por médicos-veterinários e tutores poderia ter um impacto bastante positivo, sem colocar a saúde dos animais em risco. “O ideal seria oferecer um serviço de pós-venda que acompanhasse esses animais e garantisse a castração em um momento apropriado. Essa decisão deve ser tomada em conjunto pelo médico-veterinário e pelo tutor, considerando os prós e contras relacionados à espécie, idade, raça e possíveis doenças do animal”, esclarece.
Entendimento
Na liminar, o ministro Flávio Dino afirmou que a castração obrigatória e indiscriminada de cães e gatos, sem levar em conta as características e necessidades específicas de cada animal, desrespeita a dignidade deles, pois pode prejudicar tanto sua saúde física quanto a preservação das raças.
Disse, ainda, que essas medidas não protegem, mas deixam as populações de cães e gatos em São Paulo mais vulneráveis à extinção, seja pela falta de indivíduos, seja pela perigosa redução da diversidade genética, limitando a reprodução a poucos exemplares mantidos por criadores.
“Como já mencionado, o Regional pediu veto, não acatado, da obrigação de esterilizar cirurgicamente cães de trabalho até os 18 meses de idade exatamente por poder a levar a perda genética. De forma prematura pode não ser possível avaliar qualidades como: faro aguçado, capacidade física excepcional, genética exemplar ou mesmo temperamento e inteligência única. A Cadela Fiona, por exemplo, destaque mundial no combate ao crime organizado, somente começou a realizar patrulha quando se encontrava com dois anos de idade e seu aprimoramento nesse campo só veio a florescer quando ela tinha três anos de idade”, destacou o diretor técnico médico-veterinário do CRMV-SP, Leonardo Burlini Soares.
Apesar da decisão atual, o Governo pode recorrer, caso julgue necessário. O CRMV-SP continuará acompanhando os desdobramentos deste processo, e reitera o compromisso em colaborar ativamente com o poder público na construção e aprimoramento de legislações que protejam a saúde e bem-estar dos animais, bem como o exercício da Medicina Veterinária.
Fonte: CRMV-SP, adaptado pela Equipe Cães e Gatos.
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