Veterinário do parque narra como era a rotina do animal, em Teresina (PI)
Cláudia Guimarães, da redação
claudia@ciasullieditores.com.br
A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, Suíça) estima uma população total de 200 mil ursos pardos no mundo. Entre tantos, recentemente, um gerou polêmicas: a Marsha. Isso porque a ursa, que era abrigada no Parque Zoobotânico de Tererina (PI), foi transferida para um novo recinto, no Estado de São Paulo. Essa transferência dividiu a classe veterinária em grupos a favor e contra a decisão.
A médica-veterinária, doutora em Ciência Animal e professora do Departamento de Parasitologia e Microbiologia, da Universidade Federal do Piauí (UFPI, Teresina/PI), Luanna Soares de Melo Evangelista, conta que a ursa viveu por, pelo menos, 22 anos em um circo, rodando pelo Estado do Pará. “Ela era mantida enjaulada e se apresentava em atrações circenses. Sua alimentação era precária e sobreviveu por todo esse tempo em ambientes com temperaturas tropicais (28 a 37°). No circo, suas garras foram retiradas, ela estava cega de um dos olhos e apresentava distúrbios comportamentais”, menciona.
A profissional lembra que, em meados de 2011, a ursa foi resgatada por uma equipe conjunta da Polícia Militar dos Estados do Pará e Piauí, pelo Ibama das duas localidades e por veterinários e biólogos do Parque Zoobotânico de Teresina, para onde foi levada. “No recinto adaptado para ela, existia um espaço adequado para a espécie, com piscina, aspersores de água, alimentação diária e água a vontade. A alimentação era composta por frutos, ração e carne, sendo que esta última era oferecida de três a quatro vezes por semana”, narra e adiciona: “Tenho apenas essas informações sobre a Ursa Marsha, mas acredito que, quem conviveu diretamente com ela no parque, tenha informações relevantes sobre a mesma”.
Por isso, conversamos, também, com o médico-veterinário especialista em Zoologia, Alexandre Clark Martins, que faz parte da equipe técnica do Zoo que cuidou do animal por sete anos. “Quando chegou para nós, apresentava-se debilitada, bastante estressada e com um comportamento totalmente estereotipado, pois vivia em uma jaula de 2 por 2 metros. O animal era alimentado somente com ração canina”, expõe.
O ambiente ideal para este animal, segundo Martins, era nunca ter saído de seu habitat natural, porém como já vivia, segundo informações do circo, há muitos anos viajando pelas regiões Norte e Nordeste, o animal já estava adaptado à região. “Fui contra a transferência pelo fato de já ter se acomodado em nosso recinto e, ainda, por se tratar de um animal idoso, tendo mais de 30 anos de idade”, opina. A veterinária Luanna concorda: “Não considero que uma ursa idosa, acostumada há mais de sete anos ao parque, deveria ter sido transferida para outro ambiente, em tese, praticamente semelhante ao que ela vivia, apenas com exceção da temperatura ambiental”.
Veterinário conta que, em Teresina, o animal ficava em um recinto com o dobrodo tamanho exigido pelo Ibama e com três piscinas (Foto: reprodução)
Preparativos. Por conta da viagem, Martins revela que o animal ficou 18 horas sem se alimentar, para facilitar a entrada na jaula e devido ao atraso da equipe que foi buscá-la. “Em uma viagem como essa, o animal fica agitado, porém a equipe técnica de São Paulo utilizou muito spray de florais e outras substâncias, o que a ajudou a ficar menos agitada”, declara e cogita que, por conta do estresse causado pela locomoção, Marsha poderá ficar com seu metabolismo mais lento, podendo sofrer por vários problemas de saúde com o passar do tempo.
Complementando, Luanna diz que uma viagem longa poderia trazer, ao animal, outros comportamentos anormais, além de apatia e tristeza, uma vez que ela já era adaptada em Teresina e aos responsáveis por ela. “Sem contar que ainda existe a possibilidade de adquirir doenças por conta da imunossupressão, possivelmente, adquirida pela mudança de ambiente”, insere.
Por conta da viagem, o animal ficou 18 horas sem se alimentar,para facilitar a entrada na jaula (Foto: reprodução)
Mudança de ambiente. Em Teresina, o animal ficava em um recinto com o dobro do tamanho exigido pelo Ibama, segundo Martins. “Havia três piscinas, uma externa e duas internas, com sistema de aspersão para manter a temperatura em torno de 25°. Marsha, pela manhã, passeava por toda a área externa, entrava na piscina e alimentava-se bem. Na parte da tarde, entrava para o interior do recinto e também aproveitava a água disponível por lá. O animal, praticamente, não apresentava mais sinais de estresse”, relata.
Este animal nunca foi exposto a baixas temperaturas e, segundo o veterinário, poderá se tornar um animal letárgico, o que pode agravar seu problema no quarto traseiro (sugestivo de artrose) dificultando sua locomoção. Luanna lembra que, no caso dessa espécie, há uma mudança na temperatura corpórea inclusive em repouso, letargia ou movimento. “São animais de temperaturas corpóreas altas quando em movimento e, em letargia, essa temperatura diminui entre 32 a 35°. Portanto, sua adaptabilidade ao meio em que vivem parece ser, também, sazonal”, explica.
A profissional ainda se atenta ao fato de que temperaturas mais baixas favorecem a disseminação e instalação de vírus e de outros patógenos em animais de cativeiro, principalmente distúrbios respiratórios e intestinais. “Como ela é um animal de idade mais avançada, pode não conseguir se recuperar facilmente de problemas como esses. Além do que, a condição corpórea dela pode ter certa dificuldade de adaptação a uma temperatura, até então, não vivida em nenhum outro momento”, pondera.
Martins declara que, em sua opinião, o ativismo é legal, surgiu com o objetivo muito correto, mas, no caso da Marsha, deveria haver uma averiguação mais precisa de suas condições, bem como de seu recinto. “Deveriam ter visitado o parque por alguns dias e verificado a verdadeira história desse animal, pois, aqui em Teresina, ela nunca sofreu maus-tratos, pelo contrário! Foi sempre bem alimentada, construíram um recinto com vários itens para entreter e amenizar seu estresse”, assegura.
O profissional ainda conta que, no início, era preciso tomar cuidado, pois se tratava de um animal bastante agressivo: “Com o passar dos anos, se tornou mais tranquila, obedecia aos nossos comandos, ficando bem mais fácil de observá-la de perto e, quando necessário, medicá-la. Os tratadores sentiram muito com a saída do animal”, compartilha.
Até o momento de publicação desta reportagem, o Instituto Luiza Mell e o novo recinto de Marsha não responderam as solicitações de entrevistas.