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Clínica e Nutrição

USO INDISCRIMINADO DE FÁRMACOS HORMONAIS CAUSA DOENÇAS EM PETS

Por Equipe Cães&Gatos
Por Equipe Cães&Gatos

Cláudia Guimarães, em casa

claudia@ciasullieditores.com.br

A castração nem sempre é uma opção acessível para alguns tutores de animais de companhia. Estes, muitas vezes, buscam outros métodos contraceptivos para os pets. Uma dessas opções são os medicamentos que evitam a reprodução de gatas e cadelas. Se tratam de fármacos hormonais que apresentam como princípio ativo o hormônio progesterona de forma sintética (progestágenos ou progestinas) e são comercializados em comprimido ou injetáveis.

A médica-veterinária especialista em clínica cirúrgica de caninos e felinos domésticos, mestre em Ciência Animal pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), com ênfase em medicina de felinos, Evelynne Hildegard Marques de Melo, explica que o hormônio progesterona é o único progestágeno natural, pois é produzido, em sua maior parte, por estruturas nos ovários, denominadas corpos lúteos. “Com o objetivo de mimetizar os mesmos efeitos da progesterona natural, são fabricadas por laboratórios farmacêuticos progestágenos sintéticos (ou progestinas) comercializados, porém com uma potência muito maior que o natural. Acetato de megestrol (MA) e acetato de medroxiprogesterona (MPA) são os sintéticos de progesterona mais antigos utilizados para suprimir a reprodução em cadelas e gatas e ambas são derivadas da alfa-hidroxiprogesterona”, discorre.

Segundo a profissional, o uso indevido destas progestinas causa doenças conhecidas como efeitos colaterais (piometra, tumores de mama malignos, hiperplasia mamária em felinos e partos complicados com morte de fetos), onde os maiores prejuízos estão para a espécie felina por particularidades fisiológicas desta espécie. “Logo após a década de 90, as progestinas passaram a ter uma má reputação com a quantidade alta de trabalhos científicos publicando a relação de doenças reprodutivas ao uso destes fármacos. Uma das explicações para a má reputação está no seu uso indevido com a administração destes contraceptivos por pessoal não habilitado, pois acabam por não identificar o período hormonal que a fêmea se encontra adequado a sua aplicação. A outra explicação diz respeito à concentração de progesterona injetada numa só dose”, informa.

As progestinas custam, em média, R$3,50 a cartelacom uma dose única a ser repetida a cada 4 meses(Foto: reprodução)

Acesso fácil. Como lembrado por Evelynne, no Brasil, a legislação que trata de medicamentos de uso veterinário controlados por receita não incluiu as progestinas. “As progestinas injetáveis custam, em média, R$3,50 (a cartela com uma dose única a ser repetida a cada 4 meses). Esta opção com baixo custo tem sido a escolha de muitos tutores de gatas e cadelas no Brasil, que tentam fazer o controle reprodutivo de seus animais, já que o método cirúrgico ainda é caro (para inúmeros brasileiros) e não há política pública eficaz no País”, pondera.

O comércio dessas drogas sem exigência de receita veterinária, ou seja, sem o controle de veterinários. A pesquisadora lembra que tem sido demonstrado em inúmeros estudos no Brasil que essa forma de comércio sem exigência de receita, possibilita que pessoas comuns tenham acesso a esses fármacos hormonais sem dificuldades e de modo legal. “Isto significa que pessoas comuns (tutores) ingenuamente compram, levam para suas residências, aplicam em seus animais e, normalmente, em períodos hormonais inadequados. Muitas vezes, em fêmeas que já estão com gestação em curso (imperceptível aos tutores dos animais), ou aplicam em momentos de alta produção hormonal de progesterona endógena (produção natural das fêmeas no início de sua fase reprodutiva), o que ocasiona uma sobreposição/somatório de progesterona que será nociva principalmente às gatas”, revela.

No caso da espécie felina, a veterinária expõe que, entre 5 meses a 1 ano, há elevada produção de progesterona com alta proliferação celular mamária típicos da puberdade para a gênese mamária (formação das mamas), um fenômeno natural responsivo à progesterona endógena. “A administração de progestinas nessa fase exacerba o eixo hormonal GH,IGF-1,IGFBP3 e resulta em acelerada proliferação celular mamária, causando aumentos das mamas absurdos que são as hiperplasias mamárias. Estudos mostram que, normalmente, a média de apenas uma dose injetável de progestina é o suficiente para desencadear esta doença”, aponta.

De acordo com a pesquisadora, dada a ingenuidade das pessoas em compreender a gravidade do uso inadvertido destes hormônios, normalmente os tutores dos animais não fazem relação da administração do fármaco contraceptivo ao problema desencadeado no animal. “É o que ocorre com as distocias (partos complicados/fêmeas em dificuldades de parir). Quando há aplicação das progestinas em fêmeas gestantes, ao final da gestação, a ação da progesterona exógenas (da progestina que foi aplicada) ainda estará alta, pois é um hormônio considerado de ‘depósito/ de longa duração’ e interfere nos mecanismos normais para o parto”, compartilha.

Evelynne afirma que, tanto para hiperplasias, tumores de mamas, piometra e partos complicados, a resolução terapêutica será cirúrgica e por castração, culminando em procedimentos de alto custo para maior parte dos tutores que são identificados nos estudos como público alvo das progestinas – na faixa de 1 salário mínimo no Brasil.

“Recebemos nas clínicas doenças que estão sendo provocadase que, se houvesse um controle de comércio, não estariamacontecendo com tanta frequência”, declara veterinária(Foto: reprodução)

Iniciativa. O deputado federal Marx Beltrão (PSD), coordenador da bancada federal de Alagoas no Congresso Nacional, em uma reunião em Brasília (DF), com o secretário executivo do Ministério da Agricultura, Marcos Montes, sugeriu uma possível revisão da forma de comercialização de medicamentos hormonais sem controle de receita veterinária em todo o País.

Diante de resultados de pesquisa científica que Evelynne desenvolveu na UFAL e em outras instituições de ensino que integrou, com conclusões que apontam para necessidades de políticas públicas ou questões outras legislativas, ela buscoudirecionar os achados conclusivos das pesquisas à via parlamentar que, em sua visão, é um espaço natural no uso da democracia. “No universo acadêmico, somos comumente levados a publicações de resultados na forma de artigos em revistas científicas, mas que têm como público-alvo os nossos pares e os conteúdos, normalmente, ficam confinados às publicações, perdendo seu poder de transformação da sociedade com maior rapidez, reduzido a ser consultado quando houver um interesse legislativo. No nosso caso, fizemos o oposto, aproximamos os caminhos, fazemos o despertar do poder legislativo, em tempo real, sobre as conclusões de pesquisas que apontam para necessidade de políticas públicas”, declara.

Para a pesquisadora, somente publicar os trabalhos científicos não garante uma mudança de realidade: “Isso só ocorre com a aproximação dos poderes ao debate onde se tomam as decisões e, para o caso de conclusões que apontam necessidade de políticas públicas ou de intervenções parlamentares junto ao nosso Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), fazer esse encaminhamento é fundamental e natural, dado o estado democrático que temos”, avalia.

A castração deve ser o método escolhido quando não háinteresse reprodutivo do animal (Foto: reprodução)

É preciso controle. De fato, para a médica-veterinária, o Brasil precisa de um rigor legislativo sobre estes fármacos contraceptivos, devido aos prejuízos causados às fêmeas de caninos e felinos, quando utilizados inadequadamente. “De modo geral, estamos recebendo para tratamentos nas clínicas veterinárias doenças que estão sendo provocadas e que, se houvesse um controle de comércio, não estariam acontecendo com tanta frequência. O pior é que tais doenças acabam representando uma negligência do Estado, ou seja, o Governo Brasileiro permite/facilita a produção de doenças reprodutivas nas cadelas e gatas, com essa fragilidade legislativa que dá acesso a todo e qualquer cidadão a comprar e se trata de uma batalha que não vencemos somente com educação ambiental de tutores, uma vez que o livre comércio existe e as pessoas que não podem custear a castração acreditam nessa possibilidade de controle reprodutivo de seus animais”, argumenta.

Portanto, o objetivo do deputado federal Marx Beltrão foi discutir o assunto e abordar um caminho legal para ocorrer o controle das progestinas de uso veterinário, após pleito da pesquisadora, em conjunto com a Comissão de Bem-Estar Animal da OAB-AL, que direcionou ao parlamentar documento contendo resultados de sua pesquisa de mestrado, somado a outros estudos sobre progestinas veterinárias desenvolvidos no Brasil, que apontam a realidade do uso indiscriminado de fármacos contraceptivos de uso veterinário.

Um caminho legal (legislativo), observado é o da adequação da legislação vigente/atual buscando incluir as progestinas na Lista de medicamentos de controle veterinário. “A saber: na Lista C5, do ANEXO 1 da IN n°35 de 11 de setembro de 2017, do MAPA, ‘SUBSTÂNCIAS ANABOLIZANTES, ADRENÉRGICAS E QUE INTERFEREM NO METABOLISMO ANIMAL’, referente às substâncias sujeitas ao controle especial quando utilizadas por veterinário, ou outras formas legais que sejam descobertas em discussões técnicas entre o CFMV e o MAPA. Que aguardamos que ocorra em breve”, cita.

A castração, como reforçado pela especialista, é o método escolhido quando não se tem mais interesse reprodutivo do animal: “É eficaz, seguro e definitivo. Métodos contraceptivos hormonais podem ser requeridos por canis comerciais em suas estratégias temporárias de pausa reprodutiva. Mas, de modo geral, é o interesse dos brasileiros fazer o controle ou evitar a reprodução de seus animais. Trabalhei em ONG por mais de 10 anos e o comportamento das pessoas em buscar por castração é espontâneo. Também é o método adequado para controle populacional de animais no Brasil com lei federal. Pela praticidade e eficácia a nível de saúde única, o Brasil deveria priorizar a política pública de castrações para as populações baixa renda, uma vez que é o próprio Estado que permite a livre criação destes animais a todo cidadão em todas as classes sociais”, observa.

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