Cláudia Guimarães, da redação
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Cuidar de um pet vai além do que lhe oferecer alimento de boa qualidade, água fresca e um local aconchegante para ele dormir. A guarda responsável de um animal de estimação inclui cuidados que são essenciais para garantir, além de bem-estar, saúde a esse ser, que vem substituindo, em muitos lares, os filhos. Prevenção e vacinação contra doenças devem fazer parte desse pacote.
A raiva é considerada uma zoonose bastante preocupante e grave, que deve ser notificada, quando diagnosticada, aos órgãos de saúde pública, pelo fato de acometer humanos e animais e apresentar alto grau de letalidade. “Trata-se de uma doença infecciosa viral de caráter agudo, que afeta diretamente o sistema nervoso central de mamíferos. O agente causador é um RNA vírus do gênero Lyssavirus, família Rhabdoviridae”, explica a médica-veterinária de pequenos animais, no Hospital Veterinário Taquaral (HVT, Campinas-SP), Júlia Dantas.
O sucesso do Programa Nacional de Prevenção da Raiva, lançado pelo Ministério da Saúde, em 1973, fez com que o Brasil fosse considerado um modelo no combate à doença. “O Brasil se tornou referência mundial quando os casos diminuíram drasticamente desde a década de 90 e chegaram a zero em 2014. Isto só pôde ocorrer por causa da conscientização da população sobre a importância das medidas de controle”, destaca. A raiva, porém, exige cuidados permanentes não apenas das autoridades sanitárias, mas, também, de toda a população. “Infelizmente, os casos de raiva voltaram a subir após a queda da aderência à vacinação”, alerta.
Vacinar anualmente os animais de estimação continua sendo uma obrigação de todo tutor que ama seus pets e que se preocupa com a saúde de toda a família. A raiva, informa Júlia, não tem cura eficaz para humanos e mata, atualmente, 50 mil pessoas por ano em todo o mundo. Para cães e gatos, é letal. “A vacinação é a melhor forma de prevenção nos cães e gatos. As doses iniciais contra a raiva podem ser aplicadas a partir dos três meses de idade. Depois, devem ser feitas as revacinações anuais”, orienta, ressaltando que a vacinação precisa ser realizada por um médico-veterinário habilitado ou em campanhas municipais de vacinação, que são gratuitas e, tradicionalmente, realizadas no mês de agosto.
Outro cuidado indispensável para o tutor é não permitir que seu pet tenha acesso à rua sem supervisão. É nessa condição que o animal de estimação fica mais exposto ao risco de contrair a doença. Um risco, tanto para animais como humanos, é a transmissão por morcegos. Quando adoece, o morcego cai no chão. Se for provocado nessas condições, pode morder a pessoa ou o animal e transmitir a raiva.
“Frequentemente, recebemos ligações de tutores preocupados dizendo: ‘Meu cão/gato pegou um morcego no quintal, o que eu faço?’ Nesses casos, sempre indicamos que levem seu pet ao hospital para avaliação. Já quanto ao morcego, recomendamos que o responsável acione a Unidade de Vigilância de Zoonoses para que recolham o animal com segurança para análise. Também frisamos que nunca se deve manipular ou tentar capturar um morcego, esteja ele vivo ou morto”, orienta a veterinária do HVT.
Casos recentes
Desde 2010, foram registrados 45 casos de raiva humana no Brasil. O mais recente foi confirmado pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal em julho de 2022. Um adolescente, arranhado por um gato doente, foi infectado e internado em estado grave. Ainda neste ano, outros quatro casos de raiva humana foram registrados em uma reserva indígena em Minas Gerais. Já no Estado de São Paulo, o último registro foi em 2018, em Ubatuba. Em Campinas, o último caso ocorreu em 1981.
Em relação a cães e gatos positivados para a raiva, os casos mais recentes no Estado de São Paulo são dois casos na espécie canina em 2019 e outros dois em felinos em 2022, sendo o mais recente em Americana. Em Campinas, o último caso relatado em um cão foi em 2015 e em um gato em 2016.
Em resposta à equipe C&G VF, o Ministério da Saúde, declarou que acompanha os cinco casos de raiva humana notificados este ano no Brasil, sendo quatro em Minas Gerais e um no Distrito Federal. O órgão ainda salienta que realiza ações de prevenção e controle da doença, que envolvem campanhas anuais de vacinação de cães e gatos, com a distribuição anual de, aproximadamente, 35 milhões de doses de vacina antirrábica para todos os Estados, além dos atendimentos de profilaxia antirrábica humana pré e pós-exposições.
Informações importantes sobre a zoonose
Júlia explica que, a partir do momento em que o vírus penetra no organismo, ele se multiplica no ponto onde ocorreu a inoculação viral, atinge o sistema nervoso periférico e, posteriormente, chega ao sistema nervoso central. “A transmissão ocorre por meio da inoculação do vírus presente na saliva do animal infectado, mais comumente pela mordida, mas também pode ocorrer por meio de arranhadura ou lambedura de mucosas ou pele lesionada. Ainda é possível (porém raro) ser exposto ao vírus pela inalação do agente infeccioso por partículas de saliva em suspensão no ambiente e por meio de transplantes”, menciona.
Humanos acometidos pela doença podem ter prurido ou adormecimento no local da inoculação do vírus, febre, dores de cabeça, sinais gastrointestinais, medo de água ou correntes de ar, salivação, hipo ou hiperatividade, confusão mental, alucinações, paralisia, coma e morte. “Já em cães e gatos, há mudanças no comportamento (agressividade, inquietação), alterações da tonalidade do latido (latido bitonal ou rouco) e dificuldade para engolir e salivação, aversão à luz, anorexia, vômitos, diarreia, convulsões, paralisia e morte. Ainda, é possível que ocorra morte súbita sem a presença de sinais mais específicos durante o curso da doença”, frisa.
Em relação ao tratamento, para humanos, uma vez que o paciente tenha desenvolvido os sintomas da raiva, já não há tratamento eficaz. “Quando há exposição e a pessoa busca atendimento imediato, há possibilidade de implantar a terapia profilática pós-exposição, altamente eficaz contra o desenvolvimento da doença. Para cães e gatos, não há tratamento específico, portanto, não há cura”, pontua. Em humanos, segundo a profissional, são raríssimos os casos de pessoas que sobreviveram à raiva, sendo que alguns ficaram com sequelas permanentes após a doença. Até hoje, no Brasil, somente duas pessoas sobreviveram à doença.
Saiba mais sobre os casos recentes de raiva diagnosticados no Brasil na reportagem “Perdemos o controle?”, disponível na edição de setembro de nossa revista on-line.