Animais recém-adotados podem apresentar um desafio ao tutor quando o assunto é alimentação, isso porque alguns demonstram certa falta de apetite ou um paladar mais seletivo por conta da alteração do ambiente e da rotina; e outros sentem uma fome insaciável. E aí, como lidar com essas situações?
A médica-veterinária mestra e professora do curso de Medicina Veterinária, da Faculdade Anhanguera São Bernardo do Campo, Stefanie Sussai, comenta que o comportamento mais comum é, de fato, a ausência de apetite, no entanto, entre animais resgatados de maus-tratos, frequentemente privados de comida e água por longos períodos, como, por exemplo, os que estavam em situação de acumulação, é possível verificar um aumento no comportamento de ingestão de alimento e água por conta da falta de acesso anterior. “Dessa maneira, desenvolvem distúrbios alimentares, muitas vezes, se recusam a comer na frente de qualquer pessoa e há um comportamento de compulsão e de disputa de alimento”, explica.
Segundo Stefanie, muitos dos animais com distúrbios alimentares pela privação engolem sua comida e, depois, regurgitam ou vomitam, seja pela rapidez que estão comendo, seja porque o sistema digestório não estava acostumado a ingerir uma grande quantidade de alimentos ou outros fatores. “Por isso, não é recomendado oferecer grandes quantidades de alimento, mas, sim, fracionar ao longo do dia. Lembrando que a quantidade diária recomendada é de, no mínimo, duas a três refeições”, sinaliza.
Quando o pet ingere uma quantidade maior do que a recomendada diária de alimentos pode desenvolver obesidade, uma doença crônica que causa diversos distúrbios no corpo e predispõe a outras enfermidades. “Educá-lo para ingerir a quantidade recomendada diária é importante para o ajuste da nova rotina do animal. Incluir outras atividades de interação com o pet, além da alimentação, é essencial para a criação de uma rotina de brincadeiras, comportamentos e distrações, que não estarão vinculados apenas com a comida”, recomenda.
Estratégias
A alimentação é um ato que envolve muito além de comer algum alimento. É o horário que é separado para ofertar um determinado alimento, que deve ter sido previamente preparado ou escolhido, que foi acondicionado em um recipiente em que o animal consiga apreender para mastigar e engolir, ocorrendo em um determinado local da casa. “Assim, a nova cultura de alimentação deve ser introduzida na rotina do animal, tendo limites de quantidade diária ofertada, seguindo as recomendações médicas-veterinárias e do fabricante do alimento no verso da embalagem”, orienta a veterinária.
Ela ainda destaca que o tutor deve sempre ofertar o alimento no mesmo ambiente, que deve ser calmo e longe de onde o animal defeca, urina e dorme, pois, no comportamento animal, há uma separação mental dos locais de dormir, comer e fazer as necessidades fisiológicas. “Em relação à oferta de água, é possível espalhar vasilhames ou fontes em diferentes cômodos para estimular a ingestão de água, que deve estar sempre limpa e fresca, o que também auxilia na sensação de saciedade”, discorre.
Além disso, conhecer o comportamento da espécie do pet é essencial, porque cães e gatos têm hábitos alimentares diferentes. “Cães tendem a comer toda a quantidade ofertada nas diferentes refeições. Já os gatos tendem a se alimentar em um número maior de refeições durante o dia, deixando a comida no comedouro para depois, o que está mais alinhado com seu estilo de alimentação de predadores solitários. Os tutores podem deixar pequenas porções diárias ao longo do dia, porque também fornecer alimentos a todas as solicitações do gato tende a levar ao desenvolvimento e reforço de comportamentos indesejáveis de solicitação, como vocalizações”, informa.
Caso fique um excesso de ração nos comedouros de um dia para o outro, a veterinária diz que é preciso descartá-lo, pois, quando o grão da ração entra em contato com o ar vai se oxidando, perdendo sua camada externa de gordura e nutrientes. Dessa maneira, o suporte nutricional não será mais o adequado, além de alterar o sabor, gosto e textura da ração. A alimentação natural deve ser ingerida na hora da oferta, para que não estrague”, salienta.
A veterinária esclarece que tanto a falta quanto o excesso de apetite estão relacionados a questões emocionais do animal. “Assim como descrito na regra ‘3-3-3’, um novo ambiente e rotina trazem medo, estresse e insegurança, o que é refletido no comportamento alimentar. É mais comum, nesses casos, o comportamento de comer pouco, comer nada ou ter um apetite seletivo para alimentos que comia antes e, de alguma maneira, traz conforto. É possível verificar uma minoria que desconta o estresse e ansiedade ingerindo mais alimentos. Assim, a nova cultura de alimentação deve ser introduzida na rotina do animal, tendo limites de quantidade ofertada”, reitera.
Por fim, Stefanie destaca que a adoção de um novo animal de estimação exige paciência, consistência e tempo. “Passado esse tempo de adaptação, caso a compulsão alimentar permaneça, é necessário buscar ajuda de um médico-veterinário da confiança da família multiespécie”.