Profissão, assim como a Medicina Humana, é regada a estudos e técnicas eficazes
Cláudia Guimarães, em casa
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“Nesse momento de pandemia, a união dos diversos profissionais de saúde é essencial”, declara a médica-veterinária e sócia proprietária da Ane+ Clínica Veterinária, Anelize Santi Milaré. Em sua visão, esse ato de dar as mãos para o combate do novo coronavírus tem como objetivo maior a colaboração mútua e a troca de informações técnicas, bem como a orientação por parte dos veterinários, a fim de conscientizar os tutores. “Isso porque várias fake news estão se perpetuando e levando ao abandono de animais. Com isso, teremos mais um problema no âmbito de saúde pública”, observa.
Mas, além disso, a profissional comenta que a atuação do médico-veterinário é bem ampla e poucos sabem. Muitos pensam que essa profissão se volta apenas ao cuidado da saúde dos animais de companhia. “O veterinário está inserido na área pet (cães e gatos), área de silvestres e animais exóticos, de grandes animais, produção da alimentação dos animais e, também, na nossa alimentação (processo produção, comercialização e inspeção de carnes vermelha e frango, pescados, mel), laboratórios de produção de medicamentos veterinários, laboratórios para análises clínicas veterinárias, entre outras áreas”, elenca.
Anelize ainda adiciona que a atuação dos veterinários, junto aos órgãos municipais, estaduais e federais, também é importante para garantir qualidade dos medicamentos e da alimentação, combate a doenças com potencial zoonótico (dos animais para humanos: raiva, leishmaniose) ou antropozoonótico (humanos para animais). A médica-veterinária do Vets Incríveis Pets, Luciana Maciel, também adiciona que a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) estima que 60% das doenças humanas tenham um animal participando de seu ciclo: “Então, o veterinário não atua somente na clínica médica e cirúrgica, como muitos imaginam”.
Veterinários sempre lutam para ser reconhecidos comoprofissionais da saúde que são (Foto:reprodução)
Luciana lembra que os veterinários sempre lutam para ser reconhecidos como profissionais da saúde que são e esse pode ser o momento para mostrar à sociedade a grandiosidade da profissão. “Há alguns anos, fomos incluídos nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família do Governo (NASF), onde se integram a atenção à saúde humana, animal e do ambiente (Saúde Única). Durante a graduação, nos preparamos para isso com disciplinas que abordam saúde pública, epidemiologia, imunologia, entre outras. Além disso, muitas tecnologias utilizadas nos testes para a Covid-19, como o PCR, nos são familiares, pois solicitamos, rotineiramente na clínica, exames com a mesma tecnologia, execução e leitura”, expõe.
Quem também participa do debate sobre o assunto é a médica-veterinária intensivista no Pet Dream Hospital Veterinário, Simone Cerqueira Lima. Para ela, enquanto não houver respostas mais fundamentadas e um tratamento adequado para a doença, será necessário união, não somente dos profissionais da saúde, mas de toda a população, no intuito de minimizar perdas.
Cadastro no MS. O Ministério da Saúde solicitou dados de médicos-veterinários brasileiros ao Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) para possível auxílio no atendimento de pacientes com Covid-19 no Sistema Único de Saúde (SUS). Os profissionais também estão cadastrando outras informações solicitadas pelo MS. Mas, nem todas as pessoas receberam essa notícia da forma positiva, como deveria.
Anelize comenta que há muito preconceito e piadas de mau gosto. “Foram e ainda estão sendo feitas por ‘profissionais’ da nossa classe, ridicularizando, caso fossemos ter contato direto com os pacientes em hospitais. Atitudes essas realizadas sem pensar, pois acredito que não iremos prestar esse auxílio diretamente. Podemos contribuir com esclarecimentos, informações, orientações e, caso seja necessário um contato direto com os pacientes, não estaremos sozinhos, até porque não detemos alguns conhecimentos, como por exemplo cálculos e dosagens de medicações”, avalia a profissional que já realizou seu cadastro e insere: “O processo foi fácil e intuitivo, não houve nenhuma dificuldade ou intercorrência durante o acesso”.
Luciana também presenciou piadas e ela, particularmente, declara não se sentir agredida nem diminuída com isso. “Acho que podemos brincar com algumas coisas, tornar este momento mais leve, mas sem minimizar a gravidade. O que me chateou foi ler a manchete de uma notícia que dizia que profissionais da saúde, como dentistas, fisioterapeutas e ‘até veterinários’ haviam sido convocados. Isso mostra como ainda somos vistos apenas como ‘médico de bicho’”, lamenta a profissional que realizou o cadastro no MS e, agora, aguarda contato para iniciar a capacitação.
Há muito preconceito e piadas de mau gosto sobre a possibilidadede veterinários auxiliarem durante a pandemia, inclusivevindos da classe veterinária (Foto: reprodução)
Sobre as brincadeiras de mau gosto, Simone pondera que as pessoas não estão entendendo a real perspectiva de colapso no serviço de saúde pública. “Ao meu ver, se isso acontecer, os veterinários estão, sim, preparados para unir esforços com a equipe de saúde humana, nas mais diversas áreas de atuação. Temos conhecimento científico e prático para atuar no combate à pandemia”, garante.
Sobre a preparação destes profissionais, a veterinária Anelize informa que, até o momento, a capacitação oferecida pelo MS é apenas por curso on-line, com vídeoaulas, material didático e questionário. “Acredito que, dependendo das necessidades futuras e para quais serviços formos solicitados, somente o curso on-line será muito pouco”, opina. Mas a profissional conta que já esperava que a convocação de veterinários fosse ocorrer, pois em outros países, como na Itália, estes profissionais foram recrutados para auxiliar, dada a sobrecarga dos médicos atuantes.
Apesar de não desejar, realmente, que seja necessária a intervenção de veterinários no atendimento de humanos, Simone crê que eles possam ajudar em funções, como na garantia de Equipamento de Proteção Individual (EPIs). “Com a solicitação do MS, acredito que ficamos todos assustados, porque já havia notícias desse tipo de cadastro em Portugal, por exemplo. Trabalho com pacientes críticos todos os dias e é desesperador pensar que muitas pessoas podem morrer sem o mínimo suporte à vida”, avalia.
Por outro lado, a veterinária Luciana ficou feliz em poder servir à população e ao serviço de saúde: “Acredito que todos os profissionais da saúde buscaram seus cursos para salvar vidas, cada um à sua maneira, mas com o mesmo objetivo. Tive orgulho de ser convocada pela minha profissão, mas me voluntariaria independente do meu diploma, se isso fosse possível. Antes de ser veterinária, sou um ser humano que se preocupa com outros seres humanos, mas, poder fazer isso por meio do reconhecimento da importância da sua profissão, me enche de orgulho”, comemora.
Uma das possíveis funções dos veterinários no SUS pode ser a garantia deEquipamento de Proteção Individual, na visão de veterinária (Foto: reprodução)
Pandemia até quando? Anelize gostaria de acreditar que isso tudo está chegando ao fim, mas, conforme ela percebe, infelizmente não. “Há poucos dias, tivemos informações de recontaminações de alguns casos da China. Não sabemos até que ponto é possível, mas, se tratando de um vírus que tem similaridades com o HIV e possíveis recombinações genéticas, precisamos estar preparados”, ressalta.
Sobre o avanço da doença, Simone supõe que a maioria das cidades evoluirá para o que está ocorrendo em Manaus. “Aqui em Recife (PE), as ruas estão cheias, as pessoas estão sem máscara e os idosos caminhando na praia. As pessoas estão encarando como algo que não vai acontecer na sua família e só passarão a entender a real situação quando os pacientes tiverem os nomes dos seus parentes e amigos”, considera.
Por sua vez, o que mais preocupa Luciana, são os conflitos políticos, a falta de sinergia entre os que estão à frente do governo. “Creio que muitos profissionais da saúde serão afastados pela doença e daí é que talvez precisem da ajuda de outros profissionais da saúde, como veterinários, dentistas, fisioterapeutas, apenas para citar alguns”, compartilha.
Por fim, Simone considera essencial ressaltar que a formação de bons profissionais da Medicina Veterinária é tão complexa quanto a de um médico humano: “Fazemos graduação, residência, especialização, mestrado e doutorado. Muitos profissionais que conheço estudam em cursos de Medicina Humana para conseguir evoluir a Veterinária. Além disso, estamos acostumados a lidar com situações mais drásticas, como as que estamos evidenciando pela Covid-19, tendo em vista que não temos todo o suporte humano e de equipamentos para atuação”.
Segundo ela, diversos hospitais veterinários têm todo o equipamento necessário para o suporte ventilatório que a Covid-19 está exigindo: “Ou seja, os médicos-veterinários intensivistas entendem a real necessidade dessa parceria entre os profissionais da saúde, para salvar o maior número de vidas possível”, conclui.