Cláudia Guimarães, da redação
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Bem como diversas áreas da Medicina Veterinária, quem trabalha em anestesiologia voltada para pets encontra um constante desenvolvimento, seja ele com o surgimento de novos fármacos ou com a chegada de equipamentos modernos. O fato é que esses progressos podem impulsionar maior interesse pela área, o que também facilita o avanço das técnicas anestésicas atualmente aplicadas.
O médico-veterinário anestesista, coordenador do setor de anestesiologia do Veros Hospital Veterinário, Marcelo Kitsis, comenta que é possível classificar em três os tipos de técnicas anestésicas para animais de companhia:
Anestesia Local – é realizada por meio do uso de determinados fármacos, os quais são aplicados somente no local onde será feito o procedimento. “Visa promover um bloqueio sensorial em uma pequena área do corpo. Essa técnica pode ser utilizada para pequenos procedimentos cirúrgicos como, por exemplo, biópsia de pele”, explica o veterinário;
Anestesia Regional – é um procedimento anestésico que visa promover bloqueio sensorial e/ou motor apenas em uma área específica do corpo. Por meio dessa técnica, o anestesista, se desejar, pode permitir ao paciente permanecer acordado. “Porém, na medicina veterinária geralmente não se utiliza essa técnica isoladamente, pois, o nosso paciente poderá se estressar e, assim, movimentar as regiões que não estiverem insensibilizadas e, consequentemente, dificultar o procedimento proposto. Podemos associar essa técnica à anestesia geral ou deixar o paciente sob efeito de uma sedação. Como exemplos de anestesia regional temos: anestesia epidural, raquidiana e bloqueio de nervos periféricos”, discorre;
Anestesia Geral – é uma técnica caracterizada por uso de fármacos capazes de promover ao paciente perda total da consciência e seus reflexos protetores, relaxamento muscular e garantir analgesia durante um procedimento cirúrgico ou diagnóstico. “Dentro da anestesia geral, há diferentes modos de aplicação: anestesia inalatória, anestesia total endovenosa (TIVA) e anestesia parcial intravenosa (PIVA)”, enumera.
Marcelo expõe que, com a anestesia inalatória, o paciente tem acesso ao anestésico pela via respiratória. “Após o gás anestésico ser inalado, este seguirá pelo caminho das vias aéreas, pulmões, corrente sanguínea e, finalmente, chegará ao sistema nervoso central para promover seu efeito. O gás anestésico será praticamente todo eliminado, também, pela via aérea, portanto, para o despertar do paciente, o anestesista deverá suspender a entrega do anestésico, permitindo sua eliminação, o qual permitirá, gradativamente, o despertar do paciente. A anestesia depende exclusivamente da utilização de um vaporizador anestésico acoplado em aparelho de anestesia”, relata.
Já a anestesia total intravenosa, segundo o profissional, é uma técnica que consiste na infusão contínua de fármacos anestésicos com propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas de ações rápidas diretamente na veia do paciente. “Para utilização mais segura, o anestesista deverá fazer uso de bombas de infusões peristálticas e/ou de seringas capazes de promover a entrega ao paciente da exata quantidade do fármaco pretendida pelo profissional”, elucida.
Ainda há a anestesia parcial intravenosa, opção explicada por Marcelo: “Este modo de anestesia faz uso combinado de anestesia inalatória e infusão contínua de fármacos. Portanto, para sua realização com maior segurança serão necessárias bombas de infusão e vaporizadores anestésicos”.
Conversa sobre os riscos
A médica-veterinária anestesista, coordenadora do setor de anestesiologia do Veros Hospital Veterinário, Thais Colombo Rossetto, comenta que é muito comum os anestesistas escutarem dos tutores: “Doutor, esse procedimento não tem risco, né?”. No entanto, infelizmente, segundo ela, nenhuma técnica anestésica pode garantir a ausência total de risco ao paciente. “Por isso, é dever de toda a equipe cirúrgico-anestésica ser transparente com o tutor e informá-lo sobre a existência de complicações. Por mais simples que seja o procedimento, não há como garantir 100% de segurança”, destaca.
Como citado pela profissional, todos sabemos que a administração de qualquer medicação pode gerar efeitos adversos, assim como ocorre com os humanos. “A maioria de nós não lê todas as informações descritas em bula das medicações que tomamos. Os efeitos colaterais existem e estendem-se para a Medicina Veterinária também. Porém, atualmente, o desenvolvimento de novos medicamentos, equipamentos e técnicas modernas faz com que as complicações decorrentes das medicações selecionadas para a anestesia tornam-se raras. Qualquer anestesiologista busca reduzir, ao máximo, os riscos, mas estes nunca chegam a ‘zero’, uma vez que há fatores imprevisíveis ligados não só à anestesia, mas à própria cirurgia como, por exemplo, ocorrência de hemorragias”, explana.
Para maior segurança de todos os envolvidos, algumas ações tornam-se imprescindíveis, segundo a veterinária: “Capacitação profissional adequada em cada especialidade; avaliação clínica do paciente e a solicitação de exames pré-anestésicos como: hemograma, função renal, função hepática, ecocardiograma e eletrocardiograma, dentre outros julgados como necessário pelos profissionais envolvidos (clínico, oncologista, anestesista e cirurgião, dentre outros); equipe integrada (trabalho multidisciplinar) e treinada; estrutura hospitalar avançada, com ambientes devidamente higienizados/organizados e com equipamentos modernos em boas condições para melhor administração de anestésicos e monitorização do paciente”, elenca.
Indicação para cada paciente
Marcelo Kitsis salienta que todas as técnicas anestésicas apresentam vantagens e desvantagens. “Para a tomada de decisão sobre o melhor modelo de anestesia a ser adotado, o médico-veterinário anestesista deverá levar em consideração sua qualificação, aplicabilidade, segurança, disponibilidade, seu conhecimento sobre os efeitos das medicações disponíveis, modo de funcionamento dos equipamentos necessários, além da avaliação prévia do paciente individualmente, devendo considerar sua condição clínica, laboratorial e o procedimento o qual será submetido”, argumenta.
De acordo com o profissional, não há uma receita pronta com as medicações e doses que são utilizadas nos pacientes: “O cálculo da dose é baseado de acordo com o peso do animal, porém não é o único fator que dita o protocolo anestésico, podendo variar conforme as informações obtidas durante a avaliação pré-anestésica. Cada paciente será avaliado individualmente, considerando espécie, raça, peso, condição clínico-comportamental, laboratorial e o procedimento a ser realizado”, adiciona.
Segundo Marcelo, o tutor deve ser alertado sobre o fato de que o período anestésico se estende para um tempo além do procedimento cirúrgico, uma vez que, o anestesista terá que fazer uso de medicações capazes de garantir analgesia e manter os parâmetros vitais do paciente dentro (ou mais próximo possível) da normalidade, a fim de garantir uma boa recuperação anestésica após o procedimento. “Logo, o despertar do paciente dependerá não apenas das medicações e doses utilizadas, mas, também, das condições clínicas do paciente e do tipo de procedimento cirúrgico realizado. Em alguns casos, pode ser interessante e benéfico ao paciente mantê-lo sedado por um período”, avalia.
De forma geral, se considerarmos apenas o ato cirúrgico, o paciente costuma despertar dentro de 5 a 10 minutos após encerrar a administração dos anestésicos, como revela o médico-veterinário. “Porém, isso não significa que o paciente esteja apto a receber alta neste momento, devendo ser acompanhado pela equipe na sala de recuperação pós-anestésica. Para exemplificar, podemos pensar em uma orquiectomia (castração de macho): se o procedimento ocorrer sem complicações, o paciente estará quase que totalmente desperto cerca de 30 minutos após o final do procedimento cirúrgico”.
Após despertar, assim como quaisquer outras, o pet pode sofrer alguns efeitos indesejados provenientes das medicações utilizadas para a realização da anestesia. “Por exemplo, durante o período transoperatório as medicações selecionadas poderão gerar: reação alérgica, hipotensão/hipertensão, bradicardia/taquicardia e hipotermia”, cita Thais.
Como mencionado anteriormente, deve-se lembrar que o período anestésico se estende ao do ato cirúrgico, logo, durante as primeiras horas após o procedimento, o paciente poderá manifestar efeitos colaterais como: náusea, êmese, sonolência, amnésia, confusão, constipação e até mesmo tosse (quando intubados). “Por isso, um anestesista bem preparado deve ter o conhecimento tanto dos efeitos favoráveis como os desfavoráveis causados pelas medicações utilizadas, podendo oferecer um procedimento e recuperação anestésica com maior conforto e segurança”, reforça a veterinária.
Preparação para o procedimento
Na visão dos profissionais, os tutores devem conversar com seu médico-veterinário de confiança e conhecer a equipe responsável pelo procedimento cirúrgico-anestésico. “Uma relação de confiança tutor-equipe ajudará na preparação do paciente. Os profissionais envolvidos, com um trabalho multidisciplinar integrado, poderão definir a preparação ideal e com maior segurança, pois solicitarão a realização de determinados exames pré-anestésicos, definirão quais medicações deverão ser administradas ou suspensas no período pré-operatório, recomendarão tempo de jejum hídrico e alimentar necessários e poderão aconselhar o tutor a respeito de medidas que visam reduzir ao máximo o estresse de seu animal nos dias que antecedem o procedimento”, declara Thais.
Após alta de algum procedimento anestésico, Marcelo sugere aos tutores que não hesitem em conversar com o veterinário responsável, caso tenha alguma dúvida e/ou preocupação. “Ao chegar na residência, sempre que possível, acompanhe a recuperação de seu pet durante este dia, coloque-o em um local aquecido e confortável, evite que ele tenha acesso a locais altos, suba e desça escadas, sofás e camas e siga as recomendações passadas pela equipe. Uma recomendação importante é: ofereça muito carinho sempre”, finaliza.