Cláudia Guimarães, em casa
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“Planejamento de campanha de vacinação anual contra a raiva de cães e gatos em cidades”. Esse é o nome do livro lançado pelos profissionais da Unesp, Campus Botucatu, José Rafael Modolo, Selene Daniela Babboni e Carlos Roberto Padovani, com foco na vacinação de animais de companhia. A obra apresenta um conteúdo textual básico e simples aliado à profundidade técnica, com roteiros apropriados de ações, métodos determinados e objetivos definidos, com efetivo controle, segurança e domínio desses procedimentos. Sendo assim, é indicado aos profissionais envolvidos em programas de controle contra a Raiva de cães e gatos.
Conversando com o professor Titular, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, da Universidade Estadual Paulista (FMVZ, Unesp-Botucatu), José Rafael Modolo, ele compartilha com a equipe web da C&G VF que a experiência acumulada ao longo de 50 anos ininterruptos de combate à Raiva em Botucatu e em outros municípios da região possibilitou a elaboração desta obra. “Atuo diretamente no planejamento de campanha de vacinação anual de cães e gatos em diversas cidades há mais de 45 anos”, complementa.
Segundo Modolo, nesse processo histórico, algumas menções e reconhecimento de órgãos oficiais recebidas merecem ser destacadas: “A campanha realizada em Botucatu e região recebeu três ‘Moções de Congratulações e Aplausos’, da Câmara Municipal de Botucatu, e o prêmio de ‘Melhor Evento de Combate à Raiva em Cães e Gatos da América Latina e Caribe’, da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), da Organização Mundial da Saúde (OMS)”, revela.
Por que um livro focado na Raiva? De acordo com o médico-veterinário, essa ainda é uma doença de ocorrência e de preocupação mundial, representando um sério problema de Saúde Pública e causando consideráveis gastos aos governos com a profilaxia pós-exposição ao vírus causador dessa doença em pessoas. “Por ano, morrem, no mundo, 60 mil pessoas de Raiva, podendo chegar até a uma pessoa morta pelo vírus a cada dez minutos. O cão com essa doença é o responsável, no mundo, por 98% dessas mortes e por 97% dos tratamentos pós-exposição ao vírus rábico em vítimas humanas”, aponta.
Modolo explica que a doença acomete todos os mamíferos (cães, gatos, bovinos, caprinos, morcegos, cachorros-do-mato, saguis, quatis, raposas, furões, mão peladas etc.) e causa lesões irreversíveis no cérebro, sendo mortal para todos eles. “Para os humanos, no entanto, a Raiva é potencialmente fatal em quase 100% dos casos, devido a um tratamento ainda em caráter experimental. No Brasil, a doença é endêmica e o principal transmissor da doença para as pessoas nas cidades também é o cão com Raiva”, alerta.
Programas de vacinação. A quantidade mínima de cães e gatos a serem vacinados para assegurar a interrupção epidemiológica da transmissão do vírus da Raiva pelos animais é um dos grandes problemas enfrentados pelas cidades no planejamento da campanha de vacinação, conforme comentado por Modolo. “Essa quantidade tem influência direta não apenas no êxito epidemiológico da campanha de vacinação, mas, também, se torna o fundamento para a quantidade e distribuição dos postos de vacinação, equipes, materiais, insumos, duração da campanha e outras considerações”, destaca.
Para ele, o procedimento de vacinação em massa é uma estratégia que permite o controle da doença de forma intensiva e eficaz. “Essa estratégia oferece proteção contínua à população por meio da vacinação e, ainda, facilita a participação de diferentes entidades governamentais e não governamentais, bem como a colaboração da própria população, pois é uma mobilização coletiva para alcançar o mesmo objetivo”, defende.
Como se trata de uma campanha de vacinação em massa, como relatado pelo profissional, a meta sempre consiste em vacinar 100% da população do município no menor período de tempo possível. “Entretanto, ao atingir a cobertura de vacinação de, no mínimo, 70% a 80% dos animais, já ocorre a interrupção epidemiológica de transmissão da doença. Trata-se de uma força operacional formada por diferentes grupos de pessoas, além da própria população, que estão incumbidas de trabalhar em conjunto por um curto período para alcançar a quantidade de animais vacinados projetada”, descreve.
Caminhar para o objetivo. Modolo argumenta que atingir a cobertura de vacinação é imprescindível, pois, quando essa quantidade é alcançada, é estabelecida uma imunidade populacional nos cães e gatos vacinados que age como uma barreira imunológica coletiva, dificultando a propagação do vírus rábico pelos cães do município e, por consequência, oferecendo proteção à saúde pública e às pessoas. “Uma cobertura de vacinação, quando atingida, também é chamada de imunidade de rebanho e é válida para qualquer programa de controle de doenças, quer dos animais, quer dos humanos”, adiciona.
Ainda segundo o veterinário, é importante que se tenha em mente que a vacinação é um ato de responsabilidade individual com grande impacto coletivo. “Os tutores que não desejarem levar seus cães e gatos para serem vacinados em uma campanha podem levá-los, anualmente, ao médico-veterinário de seus animais. No Estado de São Paulo, por exemplo, de 2002 a 2020, foram registrados 13 casos de Raiva em cães, 20 em gatos e 120 mil atendimentos anuais antirrábicos humanos, sendo 85% causados por cães e 12% por gatos”, expõe.
Inspiração para a obra. Os interessados em adquirir o livro, Modolo informa que ele está disponível no site da Gráfica Tipomic e, também, no site da Cultura Acadêmica Editora. “Esta obra é fruto do combate à Raiva na região de Botucatu, a qual teve início com a instalação de Unidade Universitária no Município, e transcende a criação da FMVZ-Unesp, ocorrida em 1977. “De forma mais específica, o começo dessa jornada data de 1963, com a criação da Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu (FCMBB)”, reforça.
Como narra Modolo, nessa época, o recém-instalado curso de Medicina Veterinária chegava a atender, em média, até sete cães com suspeita de Raiva por dia, além de vários outros animais ficarem internados com suspeita da doença. “Essa situação, sem dúvida, provocou pânico nos tutores dos animais, na população da cidade e no poder público da época. Em 1968, foi implantado, em Botucatu, o primeiro programa de controle da Raiva do Estado de São Paulo, já constituído de vacinação em massa dos cães, captura de cães errantes e educação nas escolas”, relembra.
Nessa época, como nos conta o docente, não havia legislação sobre o tema, nem manuais de instrução, como existem na atualidade. “Como não havia qualquer tipo de ajuda financeira, ao contrário do que existe atualmente, os tutores dos cães deviam pagar CR$ 1,00 (um cruzeiro) pela vacina aplicada, para, posteriormente, ressarcir o radialista Plinio Paganini, que financiava do próprio bolso a compra dos produtos. Foi também esse radialista que teve a iniciativa de instalar o primeiro posto de vacinação contra a Raiva na cidade, em frente à Rádio Emissora de Botucatu (PRF8), de sua propriedade, localizada na parte central da cidade”, relata.
A partir de 1987, os agentes de zoonoses da Prefeitura começaram a participar dos postos de vacinação anuais como escriturários e, a partir de 2003, os agentes da Vigilância Ambiental em Saúde passaram a ter uma atuação plena nos postos de vacinação. Durante alguns anos, a campanha também contou com a colaboração dos militares do Tiro de Guerra de Botucatu, como conta Modolo.
“É nosso dever dividir e compartilhar esse êxito alcançado com os maravilhosos e saudosos mestres que nos antecederam. Também gostaríamos de, com esta obra, prestar nossas particulares homenagens a todos. Em especial, à memória de Walter Maurício Corrêa, Célia Nogueira Maurício Corrêa e Arnold Frederico Gottschalk. Da mesma maneira que recebi essa herança dos meus professores, gostaria de deixá-la aos colegas que me substituirão, para que possam dar continuidade à construção desta nossa história”, conclui.
Enaltecendo a Medicina Veterinária. O autor, particularmente, possui uma visão holística da profissão: “Em minha opinião, por estar no centro da relação animal-homem, a profissão de médico-veterinário permite que ela seja considerada como uma de maior associação com a Biologia, a Agricultura, a Medicina Humana, a Justiça, entre outras. Esse profissional está habilitado a atuar como administrador da saúde de populações. Ele também tem capacidade de exercer atividades de gestão da saúde e competência para as tomadas de decisão no âmbito dos setores envolvidos da saúde pública veterinária, quer seja local, regional, nacional ou internacional, com participações sociais, econômicas e políticas”, menciona.
A formação acadêmica do médico-veterinário, para Modolo, deve torná-lo apto a analisar um problema, decidir por uma intervenção e, então, planejar, administrar e avaliar as ações na saúde pública veterinária com a compreensão da dinâmica da interface animal-homem-meio ambiente no contexto da Saúde Única (One Health), tendo como objetivo final a saúde humana e do meio ambiente. “Trata-se de uma nova ordem mundial de atuação da medicina veterinária, difundida pela Organização Mundial da Saúde Animal (OIE). O planejamento de saúde pública veterinária requer, também, o envolvimento de profissionais de diferentes áreas, constantes trocas de informações e atividades políticas definidas e permanentes, cujas gestões no final se somam em benefício da saúde coletiva. A atuação em saúde pública veterinária, realizada na origem do problema, constitui um procedimento racional e econômico de proteção e manutenção da saúde humana. Contribui, por consequência, na melhoria da qualidade de vida para a Saúde Pública e individual em suas várias dimensões e segmentos, não se esquecendo da saúde do meio ambiente”, finaliza.