Com o diagnóstico em mãos, profissional deve saber como noticiar o tutor
Cláudia Guimarães, da redação
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A melhor forma de conscientizar a população sobre determinado assunto é falando sobre ele. Propagando informações é que se diminui os problemas que acercam a sociedade. O tema, agora, é câncer, já que estamos no Dia Mundial de Combate à doença.
De acordo com um levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Câncer (Brasília/DF), 300.140 é o número total de neoplasias diagnosticadas em homens, em 2018. Entre as mulheres, a ocorrência atingiu a quantia total de 282.450 casos. Mas o alerta não vale apenas para os humanos: animais de companhia também são, frequentemente, diagnosticados com este mal.
Conversando com o médico-veterinário que atua na área de Oncologia, Carlos Eduardo Rocha, e com a veterinária também atuante na especialidade, Liliana Reis Rosa, a C&G VF descobriu que, na espécie canina, os tumores mamários são os mais diagnosticados, seguidos pelos tumores de pele (carcinomas, mastocitomas) e tecido subcutâneo. “Tumores do sistema hematopoiético (linfoma) e tumor venéreo transmissível (TVT) também são bastante diagnosticados. Já na espécie felina, os carcinomas cutâneos e linfomas são os mais recorrentes”, aponta Rocha.
O profissional afirma que, atualmente, as chances de tratamento e possibilidade de maior sobrevida dos pacientes portadores de algum tipo de câncer cresceu significativamente. “Podemos pensar, inclusive, em uma possível cura quando o diagnóstico precoce e o correto estadiamento clínico e cirúrgico são realizados pelo médico-veterinário oncologista”, atesta. Liliana também concorda quando o assunto é o tempo como o maior aliado quando falamos em sucesso de tratamento. “Quanto antes identificamos a presença desses tumores, maiores são as chances (e possibilidades) de tratamento e cura”, adiciona.
Cirurgia, radioterapia, crioterapia, eletroquimioterapia,quimioterapia, imunoterapia e terapia fotodinâmica sãoas opções de tratamento (Foto: reprodução)
Após a identificação da doença, a veterinária e docente do curso de Medicina Veterinária, da Universidade de Marília (Unimar), Cláudia Sampaio Fonseca Repetti, também menciona que é importante realizar o estadiamento do paciente. “Isso é essencial para determinar a extensão da doença e ocorrência de metástases para escolher a melhor opção terapêutica, aumentando, assim, as chances de sucesso do tratamento escolhido”, comenta.
Segundo Cláudia, os tumores malignos infiltrativos possuem pior prognóstico e pode-se indicar um tratamento paliativo, ou seja, irá ter como objetivo o controle dos sinais clínicos (como a dor, por exemplo) e da doença. “O tratamento torna-se curativo par aqueles tumores localizados, de origem benigna. De qualquer forma, torna-se necessário a conscientização do tutor de que o paciente deverá realizar, após o término do tratamento, visitas periódicas ao médico-veterinário, para avaliação oncológica”, salienta.
Há como prever a doença? Sobre a predisposição de alguns animais a sofrerem com esse tipo de doença, o veterinário afirma que é relativo, pois depende de agentes físicos (radiação solar, por exemplo) e químicos (herbicidas), que são considerados agentes da carcinogênese (induz desenvolvimento tumoral), porém o fator genético é preponderante. “O Boxer sempre foi apontado como uma raça propensa ao desenvolvimento de neoplasias, mas isso não pode ser levado como regra geral. Hoje, infelizmente, o câncer afeta animais de todas as raças, sexo e idade”, destaca.
A veterinária Liliana ainda aponta o Golden Retrievers, Rottweiler, Bernese Mountain Dog e Pastor Alemão como as mais susceptíveis. “Outra forma de predisposição é a relação com o meio ambiente e com inflamações crônicas (como a obesidade e traumatismos repetitivos)”, conta. A professora Cláudia, por sua vez, cita o Poodle como uma das raças mais acometidas por tumores cutâneos. “Isto pode estar ligado a fatores genéticos e hereditários”, diz. A oncologista veterinária sócia-proprietária do Serviço Especializado em Oncologia Veterinária (Seovet), Simone Crestoni Fernandes, também faz um alerta para cães e gatos com pelagem branca: “Os que ficam expostos frequentemente ao sol, possuem maior chance de desenvolver tumores de pele. Por isso é imprescindível o uso de bloqueador solar”, recomenda.
Sendo assim, a única maneira de tentar prevenir a doença, segundo Rocha, em primeiro lugar, é buscando orientação e acompanhamento permanente de um profissional veterinário durante a vida do animal. “Estudos demonstram os benefícios da ovariohisterectomia (castração) precoce de fêmeas na prevenção do câncer de mama. Mas não podemos ficar restritos às fêmeas e ao tumor mamário. Machos apresentam, frequentemente, tumores testiculares e a mesma regra de prevenção também deve ser aplicada a eles. Assim como os tumores cutâneos, tendo como a radiação solar um dos fatores predominantes, a melhor forma de prevenir é fornecer aos tutores uma correta orientação”, argumenta.
Por sua vez, Liliana defende que a base da prevenção está no conhecimento das alterações metabólicas que predispõe a formação de neoplasias e no manejo nutricional dos animais. Por conta disso, Cláudia orienta os tutores a ficarem sempre atentos ao seu animal. “Qualquer alteração de comportamento ou aparecimento de nódulos deve-se procurar um profissional qualificado”, alerta.
Alguns tipos de câncer podem ser prevenidos. Por exemplo, cadelase gatas podem ser castradas para evitar o aparecimentode neoplasias mamárias (Foto: reprodução)
Diagnóstico positivo para câncer. Nestas situações, na maioria das vezes difíceis aos tutores, Rocha orienta os veterinários a terem uma correta postura e abordarem o assunto de maneira clara e objetiva. “É importante lembrar que câncer não é atestado de morte”, frisa.
Mas o profissional confessa que, mesmo com quase 27 anos de profissão e 12 só na área de oncologia, não é fácil dar essa notícia. “Digo aos alunos que essa abordagem é primordial para a condução de qualquer terapia em um animal vitimado pelo câncer. O impacto da notícia é terrível e, além disso, câncer é a doença que também mais aflige o ser humano. Então, não é incomum aquele tutor ter passado ou estar convivendo com esse drama em sua vida particular”, menciona. Liliana considera essa situação como a mais complicada: “Estes tutores acabam revivendo todos os sentimentos que passaram. Tentar desvincular isso é difícil. Tento sempre explicar que o curso da doença é diferente nos animais, principalmente o tratamento quimioterápico, que é bem mais tolerado pelos pets do que pelos humanos, com menor quantidade de efeitos colaterais”.
Diante de sua experiência, a veterinária afirma que a melhor maneira é noticiar o proprietário com empatia e honestidade, expondo sempre as possibilidades terapêuticas e porcentagem de sucesso com tratamento. “Assim, podemos focar nos fatores positivos, fornecendo exemplos práticos de pacientes que passaram pelo mesmo quadro e de como foi a evolução”, ilustra.
Para isso, Cláudia completa que deve ser uma conversa calma, a partir do momento em que se tem a suspeita. “Muitos tutores estarão preocupados com o tempo de vida que ainda resta para seu animal e cabe a nós deixar claro que iremos sempre priorizar a qualidade de vida dos animais. Devemos ter o profissionalismo de esclarecer todas as dúvidas do tutor, mesmo que, na hora, o mesmo desabe em lágrimas. Diante de um laudo de malignidade, a primeira coisa que vem à cabeça do proprietário é a imagem de um paciente terminal, porque ele não quer ver seu animal sofrer. Temos que demonstrar segurança a eles neste momento, embora não seja fácil não se emocionar também”, desabafa.
A oncologista Simone também assegura que, o fato de o veterinário ter que revelar o diagnóstico ao tutor é uma das coisas mais difíceis de seu trabalho. “Hoje em dia, há, inclusive, treinamentos com especialistas sobre o assunto, profissionais ligados à área de comunicação, psicólogos, para preparar o veterinário a expor melhor o assunto com o cliente”, inclui.
O diagmóstico de câncer não é atestado de morte. Com tratamentos específicos,os pets podem alcançar qualidade de vida e cura (Foto: reprodução)
Opções terapêuticas. Simone aponta que novos tratamentos, alvos terapêuticos, novas maneiras de diagnosticar e saber mais sobre o prognóstico são descobertos a todo o momento. “Já temos medicamentos que foram criados para agir especificamente em tumores de cães, o que chamamos de terapia-alvo (como por exemplo o Palladia e o Masivet, dois fármacos que foram criados para tratar pacientes diagnosticados com estágios avançados de mastocitoma).
Na visão de Rocha, o Brasil não deve nada em termos de disponibilidade de tratamento a nenhum outro País. “Desde fármacos quimioterápicos, incluindo os mais modernos, até terapias adjuvantes como a criocirurgia e a eletroquimioterapia. Já temos, inclusive, disponível a radioterapia. Além de tudo isso, no Brasil, contamos com centenas de excelentes e capacitados cirurgiões oncológicos. Mais de 80% dos tratamentos começam por uma correta cirurgia”, assegura.
Liliana insere que há diferentes tipos de quimioterapia disponíveis por aqui: convencional, metronômica e inibidores específicos de enzimas. “Ainda assim, pesquisas precisam ser constantes na área médica. Estamos sempre em busca de novos fármacos e possibilidades de tratamento para cada tipo tumoral”, declara.
Para Rocha, o conhecimento sobre oncologia em animais é cada vez mais difundido: “Anais de Congressos e publicações científicas nos oferece uma diversidade de bons trabalhos apresentados e publicados. Acredito que o interesse pela especialidade tem estimulado cada vez mais linhas de pesquisa. Temos, hoje, diversas terapias antineoplásicas dirigidas exclusivamente para cães e gatos e isso se deve às pesquisas”.
A docente Cláudia ainda adiciona a importância de cada vez mais surgirem estudos e pesquisas sobre a temática a fim de explorar diagnósticos mais precisos e modalidades terapêuticas que minimizem os efeitos colaterais. “Principalmente em se falando de quimioterapia e maneiras de prevenção mais eficazes, já que o câncer ainda é uma das principais causas de óbito em cães”, elucida.
Por fim, Simone considera importantíssimo conscientizar a população da importância do assunto não só durante o Dia de Combate ao Câncer, mas como a todo tempo. “Trata-se de uma doença extremamente comum, mas muitas pessoas não sabem que os animais também podem desenvolver e também desconhecem que há opções de tratamento, considerando, assim, o diagnóstico como um atestado de óbito. Animais com metástase podem, ainda, viver meses com qualidade de vida”, assegura.