Indivíduos com esse transtorno são problema de saúde pública em todo o Brasil
Cláudia Guimarães, da redação
claudia@ciasullieditores.com.br
É muito comum presenciar alguém que gosta da companhia de cães ou de gatos estar sempre disposto a oferecer lar e comida a mais um animal. Aposto que você conhece alguém assim! Isso acontece com frequência e muitos ainda afirmam querer mais um pet. É preciso prestar atenção nessas atitudes: o que é considerado amor pelos bichos pode, na verdade, ser um problema psicológico. A pessoa que mantém muitos animais em um mesmo local, em condições precárias, sem oferecer o mínimo necessário para uma boa nutrição, higiene e cuidados veterinários sofre de Transtorno de Acumulação de Animais.
A edição deste mês da C&G VF mostra como essa situação está presente por todo o Brasil e quais fatores fazem com que o número de pacientes com essa síndrome aumente cada vez mais. Por aqui, em nosso portal de notícias, a professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Danielle Ferreira de Magalhães Soares, explica que esse quadro psicológico do humano pode trazer malefícios à saúde dos pets. “O aumento da densidade animal e as baixas condições de limpeza e higiene, verificadas na maioria das residências de pacientes com transtorno de acumulação, predispõe a presença de roedores e insetos, o que aumenta o risco de doenças, como a leishmaniose visceral em cães e gatos (transmitida pelo mosquito palha), a leptospirose (pelo contato com urina de ratos), a esporotricose (especialmente quando os gatos têm acesso à rua ou entram animais errantes na residência)”, enumera.
Os animais de acumuladores podem sofrer porafecções de pele, presença de pulgas, carrapatos,entre outros problemas (Foto: reprodução)
Os animais também podem sofrer por outros problemas, como afecções de pele, presença de pulgas, carrapatos e ácaros (causadores de sarnas), verminoses, entre outras doenças e condições associadas à falta de higiene e de saneamento básico, conforme explica a profissional. “Além disso, a falta de espaço adequado pode conduzir a comportamentos alterados, agressividade ou medo, disputa por alimentos ou por fêmeas no cio, brigas e fugas”, menciona.
Detecção do problema. O médico-veterinário, na visão de outra professora do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, da Escola de Veterinária da UFMG, Camila Stefanie Fonseca de Oliveira, possui um papel fundamental para o combate desse sério problema de saúde pública. “Na maioria dos casos, ele é o profissional com o qual o indivíduo portador do transtorno de acumulação de animais mais tem empatia e aceitação para adentrar em sua residência, especialmente para auxiliar no controle reprodutivo dos animais. E essa é a oportunidade da criação do vínculo entre o portador do transtorno e a unidade de saúde local, com mobilização de uma equipe multiprofissional composta, especialmente, por psicólogo (para identificar o sofrimento mental), médico (para cuidar da saúde física e mental), assistente social (para intermediar o acesso à família, que, muitas vezes, não tem mais relação com aquele indivíduo, que, na maioria dos casos, mora sozinho”, argumenta.
O contato destes profissionais, após a abertura de caminhos proporcionada pelo veterinário, também pode resultar na inclusão do paciente em programas sociais para melhoria da qualidade de vida, com auxílio de agentes comunitários de saúde e agentes de combate a endemias (que auxiliam com informações sobre a família, os vizinhos e as características ambientais da residência), conforme expõe Camila. “Outros profissionais também dão um suporte muito importante na resolução dos casos de acumulação, como os funcionários da limpeza urbana, bombeiros, policiais, chaveiros, membros de Organizações da Sociedade Civil (OSCs) de proteção animal, defesa civil, Ministério Público, etc.”, aponta.
O veterinário é o profissional com o qual o portadordo transtorno de acumulação de animais mais temempatia e, assim, tem acesso aos pets (Foto: reprodução)
Uma questão social. Ainda em sua opinião, o veterinário – do setor público ou privado – pode auxiliar, também, na educação da população em geral quanto à guarda responsável dos animais, ao controle reprodutivo e de comércio. “Isso porque muitos dos animais que estão nas casas dos acumuladores, um dia, tiveram um ‘dono’ que não o castrou, deixou ter livre acesso à rua sem coleira e identificação, ou foram abandonados. Podem auxiliar seus clientes a como identificar um vizinho ou parente que pode estar sofrendo de transtorno de acumulação e podem orientar a procurarem ajuda no centro de saúde mais próximo à sua residência”, salienta.
A docente Danielle complementa mostrando que os veterinários do serviço público, vinculados a Atenção Primária à Saúde, como nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), podem ser procurados pelos pacientes durante as visitas de investigação de zoonoses ou acompanhamento das Equipes de Saúde da Família. “No entanto, a maioria dos casos ganha conhecimento por meio de denúncias de vizinhos junto aos Centros de Saúde ou Unidades de Controle de Zoonoses por incômodo (mau cheiro, barulho, presença de moscas, baratas ou roedores) ou nas delegacias de proteção animal, por suspeita de maus-tratos. Infelizmente, a maior parte dos pacientes com transtorno de acumulação não tem condições de levar os animais até os veterinários particulares, em clínicas ou hospitais veterinários”, observa.
Inclusive, de acordo com o relato de Danielle, alguns animais chegam até as clínicas por intermédio de protetores de animais que auxiliam voluntariamente os pacientes para castração dos cães e gatos. “Por isso, é fundamental que os municípios tenham veterinários inseridos no serviço público, por meio de uma Gerência de Defesa da Fauna, que pode ser vinculada ao setor da saúde ou do meio ambiente. Dessa forma, será possível aumentar a notificação de casos de acumulação e promover atendimento integral ao indivíduo portador desse transtorno e aos animais vítimas dessa situação, que não é apenas um problema de saúde: é, também, uma questão social”, conclui.