Wellington Torres, de casa
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“É o lento e doloroso processo de ir se apagando aos poucos”. Assim, muitos definem a doença que é capaz de, entre muitas coisas, tirar a essencial característica do ser humano: a memória, como é o caso do Alzheimer. Segundo dados disponibilizados pelo Instituto Alzheimer Brasil (IAB), em 2019, estima-se que existam mais de 45 milhões de pessoas vivendo com demências no mundo e que esse número irá dobrar a cada 20 anos.
Mas por que um problema humano, como o Alzheimer, se tornou pauta da C&G VF? Simples: ao contrário do que muitos possam imaginar, uma doença similar também pode acometer os cães e é chamada, na literatura, de Síndrome da Disfunção Cognitiva, que, por suas similaridades, ganhou a alcunha popular de Alzheimer canino. Vamos entender um pouco!
De acordo com o médico-veterinário, Roberto Siqueira, especialista em Clínica Médica, pela Universidade de Santo Amaro, especialista em Neurologia Clínica de Pequenos Animais, pelo instituto Fisiocare, especialista em Neurologia Clínica e Intensiva, pelo instituto Israelita de ensino e pesquisa Albert Einstein, e responsável pelo setor de neurologia e ozonioterapia na clínica veterinária ClinicalPets, em São Caetano do Sul – SP, a Síndrome da Disfunção Cognitiva é uma desordem neurodegenerativa progressiva de cães idosos, caracterizada por um declínio da função cognitiva e notada por alterações comportamentais.
“O processo de envelhecimento cerebral nos cães se define por alterações, como atrofia cortical, mineralização meníngea, lesões perivasculares, angiopatia amiloide cerebrovascular, perda de neurônios, desmielinização, acúmulo de placas senis, danos oxidativos, entre outras que podem colaborar com o aparecimento dos sintomas de alteração da cognição”, define o profissional.
Definição esta que é complementada pela também médica-veterinária Thais de Azevedo Carvalho Neves, pós-graduada em Neurologia de Pequenos Animais, pelo Instituto Bioethicus – Botucatu, e que, atualmente, trabalha com atendimentos em neurologia veterinária na Cidade de Jundiaí, no interior do Estado de São Paulo. A veterinária específica que, “a síndrome ocorre devido a deposição de proteína beta-amilóide dentro e ao redor dos neurônios e acúmulo neuronal de proteína tau”, porém esta última não é frequentemente vista no encéfalo de cães com o problema. “Esses fatores são vistos, também, em humanos com Alzheimer”, destaca Thais.
Por isso, com as informações disponibilizadas pelos profissionais, o diagnóstico do problema, para ser realizado, demanda muita observação perante comportamentos dos animais idosos, assim como realização de exame físico e neurológico, além de exames complementares como de sangue e ressonância de crânio.
Mas quais seriam os sinais clínicos apresentados pelos animais?
Como explica Siqueira, “os principais sinais clínicos são desorientação, mudanças na interação socioambiental, distúrbios do ciclo sono/vigília – como trocar o dia pela noite –, vocalização noturna e andar compulsivo, alteração dos hábitos de higiene – como urinar e/ou defecar em locais não habituais –, apresentar uma diminuição da atividade física, ansiedade e, também, distúrbios do apetite”.
Lembrando que, o problema está associado aos animais de idade avançada, que, segundo Thais de Azevedo, representa os cães acima de 9 anos e gatos acima de 12 anos. “Mas é importante observar alterações comportamentais nos animais a partir de 7 anos”, alerta a veterinária.
E mesmo que os cães ganhem mais destaque, quando se pesquisa ou comenta sobre a Síndrome, a médica-veterinária relembra que qualquer espécie pode ser acometida pelo problema. O que, segundo Siqueira, está associado ao fato de que, qualquer animal que contenha um encéfalo está predisposto a apresentar alterações cognitivas. “Porém, temos mais estudos científicos comprovando a doença em cães, gatos e roedores”, informa.
Ao que se refere às similaridades com o problema em humanos que, caraterizado como uma demência, é uma doença mental, ambas apresentam prejuízo cognitivo, o que pode incluir alterações de memória, desorientação em relação ao tempo e ao espaço, perda de raciocínio, concentração, aprendizado, entraves na realização de tarefas complexas, no julgamento, na linguagem e nas habilidades visuais-espaciais.
Podemos tratá-la?
Tristemente, assim como no Alzheimer humano, a Síndrome da Disfunção Cognitiva não tem cura. Contudo, algumas medicações, suplementos e dietas (antioxidantes) e ações podem auxiliar no retardo à evolução da síndrome.
“O tratamento em cães com essa patologia consiste na utilização de fármacos como Selegilina e Propentofilina, enriquecimento ambiental como atividade física, passeio, agility, natação, brinquedos educativos e interativos para estimular a cognição do animal”, cita o especialista em Neurologia Clínica de Pequenos Animais, complementando que “uma dieta rica em ômegas 3 e 6, Epa e DHA, suplementação calmante, antioxidante e neuroproteção e o carinho da família”, são essenciais da mesma forma.
Além dos mais, o profissional destaca o tratamento complementar e integrativo como acupuntura, ozonioterapia, fisioterapia, homeopatia e cromoterapia. De acordo com ele, tais possibilidades “vêm sendo muito utilizados nos últimos anos e cada vez mais são procuradas pelos tutores. Apesar de não ter cura, o objetivo seria retardar a evolução da doença e melhorar a qualidade de vida do paciente”.
Como eu, veterinário, devo contar ao tutor?
A hora de apresentar diagnósticos nunca é uma tarefa fácil, o que exige coragem e empatia do profissional para com o tutor do paciente. Por isso, como afirma Thais, o profissional, com calma, deve dizer que é uma síndrome comum a partir de 7 anos e que será preciso observar qualquer alteração de comportamento do animal para melhor tratá-lo e poder realizar o acompanhamento adequado.
Vale ressaltar que, após os 7 anos de idade, “para tentar prevenir a síndrome, é importante manter a saúde física e mental dos animais, por meio de alimentação saudável, exercícios físicos e mental, como treinamentos de obediência, jogos de memória, estimular a farejar e manter contato com um médico-veterinário a cada 6 meses para avaliação”, indica e finaliza a médica-veterinária.
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