Cláudia Guimarães, em casa
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Muitas vezes, faz parte da condição humana fugir do óbvio, do esperado, do padrão “mais lógico” a seguir. Dentro da Medicina Veterinária, há inúmeras opções de trabalho, desde pequenos animais, como cães e gatos, a animais de produção, inspeção de alimentos, dentre tantos outros campos de atuação. Um deles – e que é nosso foco nesse texto do Dia da Medicina Veterinária – é o trabalho dentro do zoológico.
Entrevistamos quatro médicos-veterinários que desempenham variadas funções dentro da Fundação Parque Zoológico de São Paulo (FPZSP). Um deles é a Dra. Claudia Rossi Ontivero, que nos conta que já entrou na faculdade querendo trabalhar com animais de zoológico. “Lembro que assisti uma reportagem de um veterinário trabalhando com onças e, antes de terminar o ensino médio, já tinha decido que era isso que eu queria fazer”, compartilha. Após formada, foram 7 anos para conseguir realizar seu objetivo de trabalhar em um Zoo: “Mas a experiencia adquirida em outras áreas também são bastante úteis no meu trabalho”, adiciona a profissional que trabalha no zoo de SP há 12 anos, sendo este seu primeiro emprego em zoo, mas, já havia trabalhado em clínicas de pequenos animais, com atendimento de animais selvagens como pets (aves, coelhos, porquinhos da índia etc.) e em criatórios.
Assim como ocorreu com ela, antes mesmo de ingressar na graduação, Claudia acredita que o trabalho com animais silvestres atrai muitos calouros por ser diferente e por proporcionar um trabalho com espécies muito interessantes. “Mas poucos seguem a área pela oferta menor de vagas de emprego e menor remuneração que em outras”, opina.
Já no caso do veterinário e chefe da Divisão de Veterinária do Zoo de SP, Fabrício Braga Rassy, desde a graduação já estava decidido pela área. “Todos os trabalhos acadêmicos e atividades extra curriculares, como estágios, foram direcionados para que envolvesse a Medicina de Animais Silvestres. Este caminho foi consolidado quando, logo após minha formação, fui aprovado na seleção para residência na área”, narra. Desde então, Rassy completa 8 anos em atividade na FPZSP. Além disso, já trabalhou no Zoológico de Sorocaba, onde ficou 2 anos como médico-veterinário Residente e, depois, mais 3 anos como veterinário contratado.
Quem também se dedicou durante toda a graduação a atividades relacionadas à Veterinária de Selvagens, participando dos principais congressos, cursos e estágios na área, foi a médica-veterinária Carolina Vaz Cabral Nery, que trabalha há 11 anos no zoológico de São Paulo. “Antes de trabalhar aqui, fui veterinária do Zoológico do Rio de Janeiro por 2 anos”, menciona.
A médica-veterinária, chefe de setor responsável pelo plantão técnico da FPZSP, Maria Carolina de Almeida Merussi Rocha, também decidiu sua profissão logo cedo: quando ainda era criança. “Foi por volta dos quatro anos de idade e, nesta época, já comentava com os meus pais e avós que cuidaria destes animais. Com o passar dos anos, a admiração por estes animais diferenciados só aumentou e quanto mais eu aprendia sobre eles mais eu tinha certeza do que queria para a minha vida”, revela. Hoje, Maria Carolina trabalha direto com estes animais há 8 anos. “Nos dois primeiros anos, fiz aprimoramento profissional na instituição e, depois, já fiquei como médica-veterinária. Nunca trabalhei em outros zoológicos antes”, compartilha.
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Desafios dentro do Zoo. Para Claudia, o veterinário de zoológico deve ter um conhecimento amplo e continuar se atualizando após o fim da graduação. “Temos que ter conhecimento sobre as diferentes classes de animais como anfíbios, aves, repteis mamíferos e invertebrados, com diferentes tamanhos, fisiologias, doenças e cuidados. Muitas vezes, nem todas alterações apresentadas pelos animais são descritas em livros, assim, precisamos nos basear em alterações dos animais domésticos ou ser muito imaginativo para inventar meios de oferecer medicamentos ou para os cuidados dos animais”, indica.
Ela conta que os animais selvagens são incríveis e, muitas vezes, apresentam reações diferentes ou engraçadas para o que os funcionários fazem. “Já tivemos um chimpanzé que aplicamos uma injeção por dardo e ela jogou de volta na gente; também um elefante que, quando recebia um dardo, depois retirava e entregava com a tromba para o tratador. Também já passei por situações engraçadas de receber cuspe de lhama no rosto ou baba de camelo no cabelo”, relembra.
Segundo a veterinária, é possível aprender muito trabalhando com esses animais, tanto profissional, como emocionalmente. “Muitas vezes, nos apegamos aos nossos pacientes, sentimos muito amor e apreensão por eles e uma felicidade e satisfação incrível quando podemos ajudar a melhorar sua saúde e seu bem-estar”, declara.
No entanto, Claudia salienta que trabalhar com animais silvestres demanda muito conhecimento, dedicação e atenção às necessidades dos animais. “Passamos por momentos de alegria e tristeza, pois, muitas espécies vivem por pouco tempo ou estão em idade avançada. Dentro de um zoo, posso acompanhar o ciclo de vida de um animal desde seu nascimento, desenvolvimento e até sua velhice ou fim e cada animal é diferente e especial em seu próprio modo. Nestes 12 anos de trabalho, pude crescer muito pessoal e profissionalmente com todos os funcionários do Zoo”, comemora.
Rassy também complementa afirmando que a diversidade de espécies com características tão distintas é, com certeza, o maior desafio de um veterinário de zoológico. “Pois os fundamentos que balizam o atendimento veterinário e suporte à vida de cada animal varia radicalmente dependendo da espécie a ser atendida. O risco inerente a algumas espécies também é um fator importante, pois a falta de observação em alguns aspectos de segurança pode ocasionar acidentes graves”, alerta.
Maria Carolina reforça o desafio de lidar com várias espécies: “Isso porque devemos conhecer o maior número de informações anatômicas e fisiológicas sobre as diferentes espécies, a fim de atendê-los da melhor forma possível provendo bem-estar e qualidade de vida”.
Um episódio inesquecível em sua carreira foi o atendimento da fêmea de tigre de bengala branca, a “Tainá”, moradora do Zoo de SP, que já era idosa e estava doente. “Ela era um indivíduo muito doce que gostava da presença de seres humanos, porém, nos últimos dias, devido ao mal-estar físico apresentado, ela não estava aceitando manejo e toque. Neste dia, queria aferir a pressão arterial dela, pois estava com uma suspeita de hipertensão. Então, após algumas tentativas sem sucesso junto com a equipe de tratadores do setor de mamíferos e do condicionamento, conversei com ela e pedi para que ela me deixasse ajudá-la. Após alguns instantes, ela se virou, deitou de costas para mim, permitindo meu acesso e toque na cauda, de modo que pude aferir a pressão arterial, que, como eu suspeitava, estava alta para esta espécie. Nós desacreditamos mesmo estando presentes neste episódio. Foi emocionante”, recorda e adiciona “É, sem dúvida, um grande privilégio lidar com estes animais incríveis, que nos ensinam alguma lição todos os dias”.
Todos esses desafios já citados também são considerados para Carolina Nery como motivação: “Em um mesmo dia, por exemplo, você pode atender um sapinho garimpeiro, de 5 gramas; anestesiar um tigre para avaliação, cuidar de um elefante ou radiografar uma arara. Cada espécie e, algumas vezes, um indivíduo em particular, tem uma forma, um jeitinho, para se manejar. Isso é desafiador e apaixonante ao mesmo tempo. Nunca temos rotina”, conta.
Uma vez, no final da tarde, Carolina teve que fazer o atendimento de emergência de várias araras-azuis-de-lear, uma espécie ameaçada de extinção, por conta de um acidente com um enxame de abelhas. “Esse tipo de ocorrência costuma ser grave para aves e fiquei até de noite cuidando dos animais. Felizmente, todas se salvaram”, recorda a profissional que acredita que seu trabalho no zoo é uma forma de estar apreciar a natureza diariamente e zelar pela saúde e bem-estar da fauna.
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Além da clínica. Rassy argumenta que algumas universidades acabam transmitindo aos estudantes que a Medicina Veterinária se resume à clínica de animais domésticos. “No entanto, temos diversas áreas da nossa profissão que podem ser exploradas. Mesmo dentro da área de animais silvestres, o veterinário encontra uma gama de possibilidades, podendo trabalhar com animais mantidos sob cuidados humanos seja em zoológicos, criadouros, clínica de pets não convencionas e, além disso, existem trabalhos que envolvem atividades a campo com animais de vida livre, incluindo diversas possibilidades de áreas de pesquisa”, menciona.
Após todos esses anos de trabalho, Carolina Nery afirma que, pessoal e profissionalmente, há uma curva crescente de aprendizado, dedicação e evolução. “Busco estar sempre contribuindo para o desenvolvimento de uma Medicina Veterinária de Animais Silvestres de excelência, permitindo diagnosticar e tratar mesmo os casos mais desafiadores”, frisa e cita que, em seu caso, trabalhar em um zoológico vai muito além de apenas praticar o cuidado médico com os animais: “Envolve a imersão no cenário da educação ambiental, da pesquisa científica e em esforços para a conservação de espécies ameaçadas”.
No caso de Maria Carolina, ao longo de sua carreira, a profissional direcionou sua profissão com estes animais para a parte de emergências/ terapia intensiva e para a terapias complementares, sempre com o objetivo de proporcionar diferentes formas de tratamento que trouxessem maior bem-estar a estes animais. “Hoje, vejo que são espécies muito sensíveis e que respondem muito bem aos mais diversos tratamentos complementares, como acupuntura, homeopatia, florais, fisioterapia, cromoterapia, entre outros”, expõe.
Confira, agora, os recados que os veterinários entrevistados deixam, neste Dia Mundial da Medicina Veterinária, aos graduandos que ainda estão em dúvida sobre que caminhos seguir na carreira:
“Escolha uma área de trabalho que te faça feliz, mesmo que tenham alguns momentos difíceis. Sempre aconselho os estudantes a fazerem estágios em todas as áreas da Veterinária, para conhecer o trabalho e poder decidir a sua favorita”, Claudia Rossi Ontivero.
“Existem muitas possibilidades de atividades dentro da nossa profissão e é importante ter a maturidade de vivenciar o máximo possível de áreas durante esta fase, para que seja encontrado o grau de afinidade suficiente para alimentar todo o amor e dedicação durante toda a vida profissional”, Fabrício Braga Rassy.
“Faça estágios nas áreas de interesse para sentir como é a rotina nestes locais e, após estas experiências, siga o caminho que se sinta mais feliz e realizado, pois isso fará toda diferença na vida como um todo”, Maria Carolina de Almeida Merussi Rocha.
“Ser veterinário é, com certeza, a realização de um sonho para muitas pessoas. Muitos questionamentos e dificuldades podem surgir ao longo do percurso, mas não crie desvios, siga com determinação, foco e dedicação. Isso irá lhe impulsionar para alcançar seu objetivo”, Carolina Vaz Cabral Nery.
Carolina Nery durante avaliação me girafa (Foto: divulgação) Fabricio Rassy durante procedimento cirúrgico em serpente (Foto: divulgação)