Wellington Torres, de casa
wellington@ciasullieditores.com.br
“A história não é feita por indivíduos. É feita por povos. Por lutas coletivas”, assim, Rita Von Hunty, persona desenvolvida por Guilherme Terreri Lima Pereira, professor, ator, YouTuber, comediante e drag queen brasileiro, ressaltou, em entrevista ao programa Saia Justa, o óbvio: a importância de se respeitar a todos. Tema foi destaque em debate sobre ao mês do Orgulho LGBTQIA+.
Ao pensar nessa poderosa frase e entendendo a necessidade da Medicina Veterinária também se fazer um setor amplo, de maneira representativa, conversamos com integrantes da AMAR+VET – Associação Multiorientação de Acolhimento e Representatividade de Medicina Veterinária no Brasil. O médico-veterinário Vitor Maia Cruz, especialista em felinos e mestrando em Ciência Animal e o médico-veterinário Rodrigo Zamith, clínico e pesquisador no uso de cannabis para tratamento animal, foram os nossos entrevistados
Segundo Cruz, que assume o papel de diretor Administrativo da Associação, a iniciativa surgiu em 2019 e tem como principal objetivo amparar e incluir populações LGBTQIA+ dentro do setor. “A ideia é que funcione como um apoio institucional. Uma tentativa de trabalhar, talvez, como um braço do Conselho de Medicina em situações de preconceito, discriminação e incentivo”.
Além do mais, como complementa Zamith, membro fundador, é ofertar suporte, primeiramente, aos estudantes dentro das universidades. “Temos instituições que são mais voltadas, por exemplo, ao meio rural e que apresentam um grau de preconceito e ignorância acerca dos assuntos gênero, sexualidade e orientação sexual. Por isso, o suporte, tanto em sentido de orientação, quanto em procedimentos legais a respeito de casos de preconceito dentro da rede acadêmica”, explica.
Ao que se refere às ações realizadas pela Associação, o diretor Administrativo também destaca movimentações que tentam incluir indivíduos do grupo minoritário, como oferecer e possibilitar acesso ao curso. Para profissionais já pertencentes ao mercado de trabalho, foco é garantir lugar de conforto. “Entendemos que, a partir do momento em que se percebe a existência de pessoas que passam por situações similares [de preconceito], isso produz uma sensação de pertencimento, trazendo, por assim dizer, uma abertura maior para que se sintam livres num cenário que é bastante machista”, destaca Cruz, apontando a realização de palestras, debates e mesas redondas nas mais distantes universidades brasileiras.
Relação com o Conselho de Medicina Veterinária
Mesmo que o surgimento e elaboração da Associação tenha como localidade o Rio De Janeiro, região da qual se faz presente o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado (CRMV-RJ), Cruz conta que ainda não existe um apoio oficial, mas, sim, algumas ações cooperativas. Vale ressaltar que um dos outros membros fundadores da AMAR+VET, o médico-veterinário Carlos Gabriel Dias, compõe o Regional.
De acordo diretor Administrativo, “não há nenhum contrato, algo consumado. Contudo, é intenção potencializar esse tipo de proposta para lidar com questões inerentes ao indivíduo estudante e profissional veterinário”.
“No dia 19 de janeiro de 2020, demos a nossa primeira palestra no CRMV-RJ, fazendo daquele momento a nossa abertura oficial para a instituição e para o mundo da Veterinária como Associação e grupo LGBTQIA+. Sendo assim, o Conselho se faz presente em questões de promoção de ações, suporte e embasamento legal quando necessário”, exemplifica Rodrigo Zamith.
A AMAR+VET ainda está em processo de institucionalização, construindo estatuto, para que aproximação direta possa, de fato, acontecer e, assim, poder participar de editais, por exemplo, dando suporte à população em programas públicos. “Expectativa é que consigamos lidar com as demandas, principalmente judiciais, relacionas à homofobia dentro da profissão como um todo”, reforça Cruz.
Neste cenário, Zamith ainda destaca que a atuação da Associação está focada no que diz respeito à educação e promoção do conhecimento. “Realizamos palestras junto de grupos de estudos de universidades. Constatamos uma movimentação de pessoas querendo falar sobre as pautas sociais dentro da Veterinária e, assim, expomos pontos de atenção e, até mesmo, vivência”, relata.
“Com essa voz afinada você vai perder clientes”
Para Vitor, que se entende como uma pessoa agênero – alguém que não se identifica com gênero algum –, a performance machista que existe dentro do universo veterinário acaba interferindo no desenvolvimento de profissionais. “Exigir certa masculinidade e rusticidade para lidar com grandes animais, enquanto uma delicadeza e sutiliza te enquadra como alguém que se adaptará melhor com pequenas espécies são exemplos disso”, pontua o veterinário, complementando que essas características não fomentam uma verdade.
“A Medicina Veterinária é uma profissão e todas as habilidades são essenciais. Esse tipo de direcionamento, essas posições, podem acabar criando barreiras no quanto o profissional, durante o processo de formação – principalmente – pode se sentir confortável ou deslocado em uma determinada área”, alerta, destacando a necessidade de se questionar padrões.
Como forma de intervir nessas ações, a AMAR+VET recebe denúncias e relatos e auxilia de maneiras cabíveis. “Os casos dizem respeito tanto aos estudantes, que procuram a Associação para falar sobre situações com professores e como proceder, como colegas profissionais que sofrem transfobia, por exemplo”, afirma Rodrigo.
Vitor destaca que pessoas que fazem parte da comunidade sofrem pequenas violências continuamente, as denominando de violências estruturais e que, muitas vezes, são percebidas posteriormente ao ocorrido. “Por conta da minha sexualidade e performance de gênero, já que sou bastante afeminado, me lembro de um atendimento do qual ficou claro o incomodo de um tutor”, relembra.
Segundo ele, o cuidador do animal que estava sendo atendido, antes de “percebê-lo” seguia com uma conversa descontraída. “Acredito que algum trejeito tenha ‘vazado’ e, após isso, ele ficou muito calado e parou de interagir. Nessa situação, uma questão que precisava ser debatida era a castração do cão, um macho. Quando falei sobre, o tutor, acompanhado pela companheira, interviu de forma ríspida, afirmando que não iria castrar, pois o cão precisaria continuar macho e que gostava dele assim”.
O profissional ainda relembra que, no momento, sua reação foi apenas explicar a necessidade do procedimento, mas, ao sair do contexto, percebeu que a forma que a pessoa passou a se portar a partir do momento de identificação, em entrelinhas, indicava uma situação da qual a AMAR+VET trabalha para combater.
Com Rodrigo, uma das situações ocorreu durante o processo de Iniciação Científica, com foco em grandes animais, do qual uma outra participante criou um grupo paralelo no WhatsApp e passou a desferir comentários preconceituosos sobre ele. “Na época, eu era noivo de outro homem e ela printava minhas coisas, compartilhava e falava que eu era doente e que não era possível um casamento entre dois homens”.
Após saber do acontecido, o então estudante convocou uma reunião de setor e a expôs, lendo os prints e comentários na frente de todos. “Na ocasião, ela teve uma resposta agressiva e saiu da reunião. Fiquei esperando a tomada de decisão dos responsáveis, mas, infelizmente, não aconteceu e acabei deixando a iniciativa”, explica o profissional, afirmando que não o interessa o trabalho se princípios morais e éticos não são levados a sério.
Além de um mês comemorativo
Com diversas pautas envolvendo o público LGBTQIA+ em destaque ao longo do mês de junho, considerado período em que se ressalta o orgulho, Rodrigo Zamith explica que é uma época do ano muito importante para que todos se lembrem daqueles que lutaram e lutam por respeito dentro e fora da Medicina Veterinária. “Precisamos frisar que existimos e somos muitos. A partir do momento em que nos fazemos presentes, que acendemos uma luz e várias lanternas se acendem juntas, formamos um farol, possibilitando que muitos outros se encontrem e se entendam”, reforça.
Além deste período em específico, o Zamith também destaca que é importante que cada um ocupe o seu devido lugar dentro da classe profissional. “Na Medicina Veterinária, especificamente na área de grandes animais [da qual ele atua], a importância do suporte ao estudante é enorme, já que muitos são afastados por conta de preconceito e intolerância”, afirma, pedindo que todo dia se enfatize a importância do respeito.
Como exemplo de questão representativa, Vitor conta, ao lembrar de uma palestra apresentada por ele, sobre o uso da cannabis na Medicina Veterinária, o retorno por sua participação, com um detalhe muito importante: a vestimenta.
“Em palestras, eu gosto de usar brincos, me maquiar e usar turbantes. Após a ação, me encaminharam uma imagem de um dos alunos presentes, onde ele ressaltava nas redes sociais como aquilo era inclusivo. Naquele momento eu tornei palpável a possibilidade de existir pessoas diferentes em ambientes tão segregados”, comemora.
Por todos, não pare!
Como conselho aos estudantes e profissionais da área, a AMAR+VET, em nome dos profissionais entrevistados, declara que a comunidade está caminhando e há um avanço em que, à medida em que se solidifica nos diferentes pontos sociais, permite que cada indivíduo possa ser exatamente como é.
“Deveria ser dessa forma, com as pessoas não escondendo quem são para conseguirem ser respeitadas”, comenta Vitor, pautando que, independente de gênero, sexualidade e performance, se possa exercer a profissão escolhida.
Por fim, Rodrigo reforça que deve ser procurado apoio, seja no universo acadêmico ou no mercado de trabalho. Pois sempre haverá alguém disposto a ajudar: “Estamos aqui para isso, nos ajudar mutuamente e, juntos, ocupar nosso lugar!”