Cláudia Guimarães, em casa
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“Hoje tenho certeza de que a docência é uma via de mão dupla”. É essa frase do professor Doutor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, da Universidade Estadual Paulista (FMVZ-Unesp, Campus Botucatu), Cassiano Victória, que abrimos essa reportagem especialmente dedicada ao Dia do Professor.
Ele nos recitou essa frase por considerar que, na docência, os professores têm a oportunidade de transmitir conhecimentos e experiências aos alunos e, ao mesmo tempo, têm a oportunidade de refletir e aprender com seus diferentes pontos de vista, experiências de vida e personalidades. “Isso faz com que nós, docentes, tenhamos que, constantemente, refletir sobre nosso papel enquanto formadores”, pondera.
Cassiano lembra que optou pelo caminho da docência, basicamente, por dois: “O primeiro foi a oportunidade de transferir os conhecimentos adquiridos ao longo de cinco anos como médico-veterinário com atuação no SUS, no Município de Botucatu, aos futuros profissionais da saúde veterinários; o segundo foi a oportunidade de evolução profissional e financeira na carreira, uma vez que a docência exige constante atualização dos conhecimentos e isso proporciona um crescimento pessoal e profissional”, avalia.
Já o professor Doutor, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP), Fabio Gregori, nos conta que sempre se sentiu à vontade dentro do ambiente escolar e se via pertencendo a este espaço. “Esta afinidade começou a ganhar contornos mais definidos na minha pós-graduação. Em paralelo, ao longo deste percurso, tive ótimos professores que me inspiraram e optei por realizar, além da Medicina Veterinária, outra graduação, agora, em Pedagogia, pela Faculdade de Educação da USP, que me proporcionou ampliar, ainda mais, minha visão a esse respeito”, narra.
Em relação à convivência com os graduandos, Fabio salienta que bons professores serão sempre alunos, ou seja, aprendem com todos, a todo momento. Assim, podemos multiplicar e compartilhar conhecimentos e experiências de vida. A convivência com os graduandos, ainda mais da Medicina Veterinária, que é uma área extremamente ampla, me permite conhecer espaços de atuação, muitas pessoas e suas histórias. Isso nos desenvolve e nos motiva, já que, por meio deles, renova-se o propósito da nossa profissão: o de proporcionar Saúde Única – a indissociável ligação entre saúde humana, animal e ambiental – uma ideia que vai sendo passada à frente, da mesma forma daquela que recebi dos meus professores e, assim, criamos um ciclo”, diz o profissional que ainda adiciona: “Isso sem falar da atmosfera de entusiasmo que nossos alunos tem ao longo do curso”.
Indispensável ao mestre
Na visão de Cassiano, inicialmente, o docente deve ter vontade e interesse em transmitir seus conhecimentos e experiências a outras pessoas e, claro, ter competência em sua área de atuação. “Além disso, e na minha opinião, o mais importante, é que ele seja capaz de despertar o espírito crítico e o interesse do aluno pela profissão, para que o estudante possa ser o protagonista da sua própria formação, sob a orientação do professor”, argumenta.
Fabio complementa afirmando que a educação em Medicina Veterinária do futuro dependerá de três aspectos: “Ter conhecimento técnico, teórico e prático em um mundo com cada vez mais informações e sistemas computacionais que substituirão várias atividades humanas; saber integrar áreas de conhecimento, pois os problemas reais são complexos, envolvendo uma série de variáveis, e não conseguiremos reter tantas informações. A vida em sociedade implica que as relações humanas e, consequentemente, com os animais e ambiente mudam ao longo do tempo. Daí, sermos flexíveis e contarmos com repertórios de diferentes estruturas de raciocínio adaptáveis a cada situação. Melhor do que guardar números, temos que formular e resolver as equações! Portanto, não se trata apenas de uma questão de acumular conhecimento, mas de construí-los”, alega.
Além disso, Fabio também destaca outros pontos importantes para se tornar um docente da Veterinária: ética, integridade, responsabilidade e respeito. “Como professores, somos referenciais para nossos alunos e, consequentemente, estes e muitos outros valores devem estar presentes em nossa atuação”, pressupõe.
Para responder quais os maiores desafios da carreira de professor em uma faculdade, Cassiano afirma que, primeiro, é preciso esclarecer o papel do professor em uma universidade pública de excelência. “Ao contrário do que muitos imaginam, a função do professor universitário não se limita somente em ministrar aulas. A carreira docente em ‘Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP)’, exige, além de preparar e ministrar aulas em nível de graduação, a atuação em atividades de pesquisa, com o oferecimento de disciplinas em programas de pós-graduação e a orientação de alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Exige, ainda, a execução de atividades de extensão universitária, que pode ser definida, de uma maneira resumida, como atividades de prestação de serviços à comunidade, em que o objetivo é devolver à sociedade, sob a forma de serviços especializados, parte dos investimentos destinados à universidade. Finalmente, ainda é exigido do docente a participação em atividades de gestão, em que o professor deve participar de comissões, conselhos, coordenações e órgãos colegiados em nível local e central. Isto posto acredito que o maior desafio da carreira seja conciliar de forma equilibrada todas estas atividades”, analisa.
De uma maneira geral, Fabio, por sua vez, acredita que os desafios para docentes sejam semelhantes para outros profissionais. “Manter-se atualizado nas nossas áreas de atuação e pesquisa, encontrar novas formas de interagir e colaborar com a comunidade, capacitar-se didaticamente, antever demandas e oportunidades na Medicina Veterinária e integrar conhecimentos e pessoas. Não são tarefas fáceis, então, uma boa gestão de tempo, manter a saúde física e mental, conciliando nossa vida pessoal, também fazem parte desta tarefa”, expõe.
Nova forma de ensinar
A pandemia de Covid-19, na visão de Cassiano, trouxe um desafio muito grande para todos os docentes, sejam eles universitários ou não. “De uma hora para outra, fomos obrigados a desenvolver habilidades que não possuíamos anteriormente. Toda a estratégia de aulas que desenvolvemos, ao longo de anos, teve que ser revista e readaptada para essa nova realidade, especialmente com a utilização de ferramentas de ensino a distância. O maior desafio, para mim, foi migrar do modelo tradicional para o modelo virtual, uma vez que, no curso de Medicina Veterinária, grande parte da carga horária é composta por atividades práticas, algumas delas simplesmente não podem ser adaptadas para o modelo virtual”, indica.
Por conta disso, o docente acredita que o período pandêmico trouxe prejuízos para o processo de ensino aprendizagem, especialmente naqueles cursos em que as atividades práticas são fundamentais. “A proximidade com os alunos nestas atividades propicia maior troca de experiências e informações, o que, às vezes, é impossível ou muito difícil no modelo virtual”, considera.
Fabio também cita a rápida mobilização de docentes e alunos para adaptar as atividades a um ambiente remoto emergencial, com todas as suas implicações pedagógicas e técnicas, impostas pela pandemia. “Foi a intensa reflexão sobre nossa atividade, em que os conteúdos, estratégias de ensino e avaliação foram repensados frente a estas mudanças, sempre tendo como referencial o nosso compromisso com a qualidade do ensino. Como eu tinha conhecimento sobre diferentes metodologias e recursos de ensino, atuei junto às Pró-Reitoras de Graduação de Pós-Graduação, ministrando oficinas e encontros de aprimoramento com docentes de diferentes cursos presentes em nossa Universidade. Apesar do desafio, foi possível obter resultados muito positivos”, revela.
Entre eles, como mencionado pelo professor, foi a solidariedade e a troca de conhecimentos entre professores e alunos quanto ao uso de recursos digitais e na dinâmica das aulas. “O diálogo, a organização, o acolhimento e a formação atitudinal fizeram toda a diferença! Nossa infraestrutura computacional já estava presente e foi ampliada, facilitando o acesso”, relembra.
Cassiano defende que não exista uma forma de substituir completamente o convívio presencial, entretanto algumas estratégias podem ser implementadas na tentativa de minimizar esses prejuízos. “Como por exemplo, criar espaços virtuais fora dos períodos de aulas para conversas e resolução de dúvidas ou, ainda, criar espaços presenciais com restrições do número de alunos e seguindo todos os protocolos sanitários com o distanciamento social e utilização de álcool gel e Equipamentos de Proteção Individual (EPIs)”, sugere.
Mas, na opinião de Fabio, se, por um lado, não houve tanta proximidade física ou mesmo limitações de trabalhos laboratoriais e/ou práticos para alunos, por outro, foi possível manter os diferentes canais de comunicação abertos, com atividades acontecendo on-line e que possibilitavam, por exemplo, a presença de outros docentes e convidados participarem das aulas, entre outras situações que foram favorecidas. “Partindo dessa experiência, agora, o ponto é conciliar o melhor de cada modalidade, tornando um ensino ainda mais ativo e centrado no aluno”, opina.
Formar uma profissional para o mercado
Considerando que o mercado de trabalho para Medicina Veterinária é concorrido, devido ao número de alunos que se formam nas diversas graduações brasileiras disponíveis, atualmente, Cassiano compartilha como, em sua opinião, é possível ensinar a ponto de marcar um aluno e ajudá-lo, de fato, na conquista de um emprego na área.
Ele destaca que o professor tem o papel fundamental, também, além dos já apresentados aqui, de analisar e compreender as necessidades do mercado de trabalho e ajustar seus conteúdos programáticos para formar profissionais que possam suprir estas necessidades. “É muito importante lembrar que as necessidades variam de acordo com o tempo e a realidade socioeconômica do País e do mundo. Portanto o docente deve estar atento a estas mudanças e direcionar suas atividades de ensino para formar profissionais capazes de empreender e ter sucesso na carreira profissional”, discorre.
Para Fabio, o conhecimento técnico sólido, amplo e crítico é fundamental, mas não totalmente suficiente para uma inserção no mercado. “As demandas de hoje implicam conhecimentos que envolvem outros idiomas, softwares e plataformas diversas, as mais variadas soft-skills, entre outras competências. Para isso, é necessário que o aluno tenha momentos de autoconhecimento e de troca de ideias e experiências. Eu e muitos outros colegas docentes conversamos com vários alunos que vêm nos procurar a respeito de suas carreiras. De uma maneira geral, vejo maturidade e dedicação aos caminhos que estão considerando para sua atuação profissional”, menciona.
Ele conta que, na FMVZ-USP, há o Escritório de Desenvolvimento de Carreiras, que aborda diretamente esta questão, por meio de três eixos: trazer profissionais das mais diferentes áreas, apresentando suas histórias de vida (e que envolvem, muitas vezes, alguns momentos desfavoráveis); oficinas de capacitação (currículos, processos seletivos, autoconhecimento); e atendimento individual, contando com uma série de parceiros estratégicos para conversarem com os alunos sobre suas expectativas e ações voltadas à construção de suas carreiras. “Temos, também, outras inciativas, como o Escritório de Mentoria e Tutoria, com olhar para a permanência e o desenvolvimento do aluno em seu caminhar acadêmico; Escritório de Saúde Mental, para a prevenção de sofrimentos, orientação e acolhimento inicial ao estudante de graduação e pós-graduação da USP; e o Escritório de Atividades Esportivas, para que os estudantes tenham a atividade física e o esporte como agentes de formação”, aponta.
Apesar de todo esse empenho exercido pelos professores de universidades e faculdades, Cassiano tem a convicção que um País só atingirá o desenvolvimento pleno, com a diminuição das desigualdades e melhoria na qualidade de vida da sua população, quando os professores, em todas as instâncias da educação, forem devidamente valorizados. “Acredito, ainda, que bons profissionais só existem porque, em algum momento em suas vidas, existiram bons professores. A educação, em todas as suas instâncias, permite formar cidadãos capazes de refletir e tomar decisões que definem os caminhos da humanidade. Em razão disso, penso que a valorização da educação deveria ser prioridade em todos os países”, demonstra.
Em contrapartida, Fabio alega ter uma percepção de valorização em seu entorno: “Mas acredito que ela deveria ser expandida para os docentes de todos os níveis, da educação infantil ao ensino superior. Ainda que não seja o único componente para se estimar este aspecto, dados recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), o Education at a Glance – 2021, demonstram que o salário dos professores brasileiros permanece abaixo da média dos diferentes países analisados no relatório. Embora nosso País invista uma fração relativamente alta do seu PIB em educação, o investimento por estudante também permanece abaixo da média. Como os docentes do ensino superior, por muitas vezes, também estão envolvidos com atividade de pesquisa e extensão, creio que seja também necessário expandir o reconhecimento a estes espaços de atuação”, averigua.
No entanto e apesar dos desafios e desvalorização, Cassiano declara que a carreira docente é muito gratificante: “Principalmente, quando observamos que nossos egressos conseguem atingir seus objetivos profissionais com excelência e competência e, com isso, são capazes de alterar suas realidades e a realidade da comunidade em que estão inseridos”, comemora.