Muitas das ideias ou argumentos sobre a harmonia do ser humano com os animais na natureza parecem estar enraizadas na perspectiva de que devemos, literalmente, viver lado-a-lado dos animais. Mas, no mundo em constante mudanças em que vivemos, talvez a solução para alcançar essa harmonia de forma realmente sustentável – tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico – esteja mais para “viva e deixe morrer”.
Pelo menos é o que aponta um estudo sobre o manejo de sucuris na Argentina, produzido por pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). O trabalho foi publicado no periódico PLOS One, da The Public Library of Science, e demonstra como o incentivo à caça destes animais como política pública não apenas preservou as populações das serpentes, como permitiu a extração sustentável do couro delas, uma matéria-prima valiosa e que impacta positivamente na vida das comunidades dedicadas a este tipo de extrativismo.
“Há 20 anos, a Argentina implementou uma iniciativa única de manejo sustentável de animais silvestres, que permite o abate de sucuris amarelas para o aproveitamento do couro. O projeto controla a quantidade de indivíduos capturados e, em nossa avaliação dos dados gerados por eles, concluímos que o programa é sustentável e não tem impactos negativos nas populações de sucuris”, explica o pesquisador Everton Miranda, um dos responsáveis pelo trabalho.
No caso estudado, uma das formas de medir e controlar a sustentabilidade desse processo é pelo tempo investido para captura de cada animal, uma métrica chamada de “esforço”. Se o esforço aumenta, significa que a população está em declínio, porque os animais estão ficando mais difíceis de serem encontrados.
“Uma coisa que fica clara é que o esforço para captura das sucuris não aumentou ao longo dos anos, ou seja, os animais não se tornaram mais raros. Junto a diversas outras medidas indiretas de tamanho populacional, podemos definir o manejo como sustentável”, explica.
Além disso, sem a regulamentação a extração acontecia de forma descontrolada. “Os níveis de extração anteriores ao manejo envolviam animais pequenos, o que era pior para a população, que não tinha possibilidade de repovoar, e para os caçadores, que recebiam menos. Hoje, a atividade é sustentável e faz parte do estilo de vida de muitas famílias do interior de Formosa”, completou.
De acordo com o pesquisador, hoje, o couro desses animais pode ser comercializado por R$70,00, variando conforme a disposição de mão-de-obras local. Um caçador captura, em média, 200 animais por estação, então, o valor representa uma porção importante da sua renda no inverno, ajudando no conforto das famílias da região.
Sucesso internacional
O manejo sustentável de animais silvestres é uma solução possível para diferentes situações, explica o pesquisador, e nem sempre envolve o abate.
“No caso do rinoceronte-branco, o manejo por meio da caça de troféus resultou num aumento de 3.500 a 21.000 indivíduos entre 1970 e 2000, porque apenas um pequeno número de machos é abatido a cada ano”, disse, e completou: “As vicunhas—primos selvagens das alpacas—são tosadas na natureza a cada dois anos, permitindo o uso dessa lã de altíssima qualidade de forma sustentável”.
Para Everton, a palavra-chave é sempre “Sustentabilidade”. “O Brasil proibiu completamente o manejo em 1967, e até hoje carecemos de regulação a nível federal ou estadual. Vivemos numa situação paradoxal: aqui em Mato Grosso, por exemplo, não existe iniciativa de manejo de queixada e os produtores envenenam centenas, às vezes milhares, para conter a superpopulação. Um recurso riquíssimo para a indústria de couro e de carnes embutidas sendo dizimado. No Brasil, assistimos o declínio de importantes espécies à medida que elas estão alienadas de nossa economia”, concluiu.
O trabalho foi conduzido em parceria com a professora Christina Strussmann e o artigo está disponível para acesso no site do periódico.
Fonte: UFMT, adaptado pela equipe Cães&Gatos VET FOOD.
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