A Associação Mundial de Veterinários de Pequenos Animais (WSAVA, na sigla em inglês) atualizou, recentemente, suas diretrizes de vacinação, refletindo os avanços na Ciência Veterinária e as melhores práticas para a saúde animal.
A médica-veterinária, professora, presidente do Comitê de Vacinações da WSAVA, Mary Marcondes, destaca que são diretrizes globais. “A ideia é fornecer um material atualizado e baseado em evidências científicas para médicos-veterinários e associações de veterinários ao redor do mundo, permitindo que adaptem as diretrizes à realidade de cada país”, diz.
Segundo ela, esta nova edição traz muitas mudanças significativas. “Existe uma seção específica que aborda a interferência dos anticorpos maternos na resposta imunológica dos filhotes. Atualizamos os tipos de vacinas e revisamos toda a parte referente às vacinas em abrigos e santuários. Além disso, atualizamos todas as referências bibliográficas, incorporando muitas novas e removendo algumas antigas que já não eram mais relevantes”.
Mary Marcondes lista alguns pontos importantes sobre as novas diretrizes de vacinação:
“O primeiro ponto refere-se à interferência da imunidade materna. Na edição anterior das diretrizes, recomendamos que a última dose de vacina de um filhote, seja cão ou gato, fosse administrada entre 26 e 52 semanas, ou seja, entre seis meses e um ano de vida. Na edição de 2024, alteramos essa abordagem para que todos os filhotes de cães e gatos recebam a última dose do protocolo de filhote por volta das 26 semanas, aproximadamente, seis meses”, afirma e completa que a explicação para essa mudança se dá pelo fato de que, mesmo aplicando a última dose de vacina às 16 semanas, conforme recomendado anteriormente, alguns filhotes ainda podem ter anticorpos maternos e não estarem completamente imunizados.
“Aos seis meses, esses anticorpos maternos já não estarão presentes, permitindo a imunização completa de todos os filhotes. Por isso, recomendamos uma última dose das vacinas essenciais aos seis meses de idade, especificamente as vacinas de vírus vivo modificado”.
E quais seriam essas vacinas? Segundo ela, para cães, cinomose, parvovirose e hepatite infecciosa. Para gatos, panleucopenia, herpesvírus e calicivírus. “Além do protocolo de filhote, que deve ser seguido até as 16 semanas, agora recomendamos uma dose adicional às 26 semanas”.
Além disso, segundo ela, outro ponto importante da mudança é a inclusão da vacina contra a leucemia felina como essencial para todos os gatos com até um ano de idade, que vivem ou viajam para locais onde há incidência da doença. “Todos os filhotes de gato devem receber essa vacina, que passa a ser considerada essencial, com uma dose adicional aos 12 meses, ou seja, um ano de idade. A partir daí, a vacinação se torna opcional, dependendo do risco individual do animal. Para gatos com risco de adquirir a doença, a vacinação continuará. Se o animal não estiver em risco, a vacinação não será necessária. Classificamos os animais de acordo com seu nível de risco, e cada situação é avaliada para determinar a necessidade de vacinação”, diz.
No caso dos cães, a vacina contra leptospirose também foi incluída como essencial e, dessa forma, todos os animais devem ser vacinados. “Além disso, as vacinas essenciais permanecem as mesmas: cinomose, parvovirose e hepatite infecciosa canina para cães; e panleucopenia, herpesvírus e calicivírus para gatos. A vacina contra a raiva também é considerada essencial para todos os animais, que vivem ou visitam áreas onde a doença está presente, conforme já recomendado anteriormente”.
Mary Marcondes conta que, para essa atualização, a equipe revisou completamente o documento anterior de 2016, a última edição. Isso incluiu a remoção de algumas seções, a adição de novas informações e, principalmente, a atualização de toda a bibliografia. “Originalmente, essas diretrizes estavam previstas para serem publicadas no final de 2020. No entanto, com a morte do professor Michael Day, que era o presidente do comitê no início de 2020, e a chegada da pandemia, o processo se complicou significativamente. Como resultado, o adiamento foi necessário. A revisão foi concluída no ano passado, mas a publicação ainda levou um tempo considerável devido aos atrasos na revista científica. E os envolvidos, então, são os quatro membros do VGG, que aparecem como autores”, afirma.
Frequência de vacinação
O que as novas diretrizes dizem sobre a frequência da vacinação em pets? Mary Marcondes responde que para cães adultos vacinados com vacinas de vírus vivo modificado para cinomose, parvovirose e hepatite infecciosa canina, a recomendação é que não sejam vacinados em intervalos menores que três anos, pois essas vacinas oferecem proteção por muito mais tempo. “No entanto, no Brasil, há um desafio: as vacinas combinadas incluem a vacina contra a leptospirose, agora, considerada essencial, que exige vacinação anual. Como resultado, todos os cães acabam sendo vacinados anualmente devido à leptospirose.
Essa situação cria um problema significativo no Brasil, pois combina vacinas de longa duração com componentes de curta duração, o que cientificamente e imunologicamente não faz sentido. Apesar disso, é a realidade oferecida pelos laboratórios no País. Idealmente, seguindo as diretrizes mundiais (como nos EUA, Canadá, Europa e Austrália), os cães deveriam ser revacinados a cada três anos. Na América Latina, porém, isso é complicado”.
Para gatos, de acordo com ela, a recomendação é revacinar a cada três anos para panleucopenia, sem maiores problemas. “Para herpesvírus e calicivírus, se o gato estiver em risco de exposição, a revacinação anual é recomendada. A vacinação contra a leucemia felina depende do risco: alguns gatos são vacinados anualmente, outros a cada dois a três anos, e alguns não são vacinados. A vacina contra leptospirose, como mencionado, é anual. Em relação à raiva, a recomendação é sempre seguir as leis do país. Embora existam vacinas contra a raiva com proteção de três anos em alguns mercados, no Brasil, todas as vacinas disponíveis têm recomendação de revacinação anual. Portanto, a recomendação para a raiva no Brasil é a revacinação anual, conforme as leis e orientações do Ministério da Saúde”.
Vacinação de animais idosos
Com relação à vacinação em animais mais velhos ou com condições médicas preexistentes, as diretrizes não possuem uma seção específica. “A recomendação para cães idosos é seguir o mesmo protocolo de vacinação de cães adultos. Portanto, a vacinação não deve ser interrompida. Se o animal foi vacinado durante toda a vida a cada três anos, ele deve continuar recebendo a vacina a cada três anos. Se a vacinação era anual, deve continuar sendo anual. Não há mudanças no protocolo para animais idosos. Para aqueles que utilizam a sorologia para decidir sobre a necessidade de vacinação, essa é uma opção viável. Em vez de vacinar diretamente, pode-se realizar sorologia para cinomose, parvovirose e hepatite infecciosa canina. Para animais idosos, recomenda-se realizar a sorologia anualmente, em vez de a cada três anos. No entanto, devido à leptospirose no Brasil, a vacinação anual continua sendo necessária, mesmo para os animais idosos”, afirma.
Ainda segundo ela, no que diz respeito a condições médicas preexistentes, as diretrizes atuais não abordam esse tópico. No entanto, há uma excelente revisão sobre a vacinação em gatos imunocomprometidos, publicada pelo Advisory Board on Cat Diseases (ABCD), que é citada nos guidelines da WSAVA. “Existe a intenção de escrever um documento específico para cães, mas, por enquanto, essa questão não é tratada nas diretrizes.
O perigo do excesso de vacinação
Sobre a questão do excesso de vacinação, Mary Marcondes afirma que é amplamente discutida ao longo do documento com as diretrizes, uma vez que todos os animais têm direito ao benefício da vacinação, mas deve-se evitar vacinas desnecessárias. “No Brasil, precisamos reformular os tipos de vacinas disponíveis para seguir protocolos baseados em evidências científicas, alinhados com práticas internacionais. O excesso de vacinação pode aumentar as reações adversas nos animais, como demonstram estudos nos Estados Unidos. Pesquisas envolvendo mais de 5 milhões de cães mostraram que aqueles que receberam múltiplas vacinas em uma única consulta tiveram maior incidência de reações adversas, especialmente em animais de menor peso”, afirma.
“Além das reações adversas, em gatos, há o risco de sarcomas no local da injeção, algo que tentamos evitar. É fundamental evitar vacinações sem necessidade, seguindo princípios semelhantes aos adotados na vacinação humana, baseados na duração da imunidade. Infelizmente, no Brasil, os veterinários muitas vezes administram todas as vacinas disponíveis anualmente, seguindo a ideia errônea de que mais é melhor. Essa abordagem não só aumenta o risco de reações adversas, como também sobrecarrega financeiramente os donos dos animais sem justificativa médica”, diz.
Saber decidir
Mesmo diante de tanta informação, a escolha final sempre será do médico-veterinário, dessa forma, Mary Marcondes orienta que se baseie nos riscos e benefício da vacinação. “Quanto às vacinas não essenciais ou opcionais, é crucial que o veterinário avalie a necessidade de vacinação com base na análise de risco e benefício. Por exemplo, animais expostos a riscos maiores, como cães que frequentam praças, interagem com outros animais, participam de exposições, hospedam-se em hotéis ou passam o dia em creches, têm maior probabilidade de contrair doenças respiratórias. Para esses casos, é recomendada a vacinação contra o complexo respiratório infeccioso canino, embora seja considerada opcional. Por outro lado, um animal que vive em um apartamento e não tem contato com outros animais pode não necessitar dessa vacina. O veterinário deve avaliar os riscos e benefícios específicos para cada animal ao decidir sobre a vacinação”, comenta.
O mesmo princípio se aplica à vacina contra clamídia para gatos. “Essa vacina é recomendada para gatos que vivem em colônias onde há casos confirmados de clamidiose, uma doença significativa. Contudo, para um gato que vive sozinho, sem contato com outros animais ou risco, a vacinação pode não ser necessária. Novamente, cabe ao veterinário tomar essa decisão com base na avaliação individual do animal”, aponta.
Por que seguir as diretrizes?
Segundo a presidente, os benefícios de seguir essas novas diretrizes são baseados na atualização constante de acordo com o conhecimento científico atual. “Desde 2016, houve muitas mudanças e novas descobertas científicas, levando-nos a revisar várias condutas, especialmente a vacinação aos seis meses. Estudos recentes mostram que muitos animais não são adequadamente imunizados ao término das 16 semanas. Portanto, ao seguir esses protocolos atualizados, você estará utilizando os métodos de vacinação mais recentes e baseados em evidências científicas para garantir uma imunização adequada”, explica.
A comunicação com os tutores sobre as mudanças nas diretrizes de vacinação, de acordo com Mary Marcondes, deve ser de forma eficaz, detalhando o que são diretrizes globais e os riscos e benefícios envolvidos. “Muitas vezes, sou questionada ‘se eu não vacinar com todas as vacinas, o tutor vai numa outra clínica em que o animal possa receber todas as vacinas existentes’. Acredito que não é assim que devemos proceder. Devemos criar uma relação de confiança com o tutor. Quando você estabelece essa confiança e explica as razões por trás das mudanças, como a necessidade de vacinar filhotes com mais frequência, o tutor compreenderá e apoiará sua conduta. Tudo se resume a conversar e explicar o motivo dessas alterações”.
Medicina de abrigo
Nos casos de animais que vivem em abrigos, Mary Marcondes acrescenta que há uma seção no documento que aborda esse tópico. “Em situações específicas, como a vacinação de animais de abrigo, o protocolo é significativamente diferente daquele aplicado a animais com residência fixa. Animais de abrigo recebem muito mais doses de vacinas desde o momento em que chegam. Em alguns países, essa abordagem pode ser inviável devido a restrições financeiras, mas nós não deixamos de abordar esse tópico.
“Atualizamos essa parte das diretrizes porque um dos membros do VGG, professora da Universidade da Flórida, é responsável por abrigos nos Estados Unidos. Ela é uma especialista em Medicina de abrigos (shelter medicine) e, portanto, entende bem as necessidades desses animais. Os animais de abrigo, especialmente quando filhotes, recebem muito mais doses de vacinas em comparação com outros animais”, comenta.
E a bula?
Uma dúvida que o médico-veterinário pode ter é em relação à bula da vacina, uma vez que as novas recomendações podem contradizer as recomendações dos fabricantes. Isso, porém, não é um problema, segundo Mary. “Isso já aconteceu com as diretrizes anteriores. É importante que as pessoas entendam, e cabe ao veterinário explicar isso ao tutor, que, inicialmente, quando um laboratório desenvolve uma vacina, ele realiza estudos científicos que acompanham o animal vacinado por um tempo (geralmente 12 meses), e esses estudos são a base para a bula. Com o passar do tempo, a ciência evolui, novos estudos são realizados, e percebemos que as recomendações mudaram. Por exemplo, antigamente, as vacinas talvez não produzissem uma imunidade tão potente como produzem hoje. As cadelas, ao amamentarem, transferem uma quantidade maior de anticorpos para os filhotes hoje em comparação com 30 anos atrás, devido à melhoria na qualidade das vacinas”, afirma.
“Consequentemente, os anticorpos maternos duram mais tempo nos filhotes. Há 30 anos, se eu parasse de vacinar um cão às doze semanas, provavelmente não haveria mais interferência de anticorpos maternos. Hoje, vemos filhotes que mantêm esses anticorpos até às 16 semanas, e alguns gatos até às 20 semanas. Portanto, sabemos que as condições mudaram. Os laboratórios, no entanto, não conseguem alterar a bula facilmente, pois isso exigiria a realização de todos os estudos novamente. É aí que entram as diretrizes, que fazem a ponte entre o que foi estudado na criação da vacina e as descobertas científicas atuais. Assim, os guidelines atualizam essas recomendações, e o veterinário pode, sim, contradizer a bula, desde que explique isso ao tutor. Se necessário, pode obter um consentimento esclarecido, um documento assinado, indicando que o tutor está de acordo. Na maioria das vezes, isso não é necessário, pois estamos aumentando o número de doses, e não diminuindo, especialmente em filhotes. É importante explicar ao tutor por que essas mudanças ocorrem ao longo dos anos”, finaliza.
Para acessar
As novas diretrizes para vacinação da WSAVA já estão disponíveis e podem ser acessadas clicando aqui.