Cláudia Guimarães, em casa
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Como está a Medicina Veterinária em seu bairro, cidade, Estado? Pensando mais amplamente, será que a profissão, aqui no Brasil, ainda está muito atrás dos outros países em relação a estudos, aplicações de teorias e, o principal: novas técnicas de tratamento para melhorar a qualidade de vida dos animais?!
Sobre a Cannabis medicinal, em alguns países já é aprovada tanto a pesquisa quanto a produção e o uso em animais, colecionando bons resultados. Por aqui, a substância foi aprovada para tratamento de humanos, pela Anvisa. No entanto, nenhuma novidade, ainda, para a Medicina Veterinária, esta que tem como base para estudos nacionais o que acontece lá fora. É sobre isso a nossa discussão no Dia Mundial da Medicina Veterinária.
Para o médico-veterinário, clínico endocanabinóide e diretor da Câmara Científica da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis (SBEC), Fábio Mercante de San Juan, nosso País possui todos os recursos necessários para produzir pesquisas valiosas e com genéticas de qualidade em solo brasileiro. “Porém, ainda há resistência, até do meio acadêmico, na produção de estudos para comprovar os benefícios da Cannabis nas mais diversas patologias”, observa.
Estudos comprovam a eficácia da Cannabis nos pets. Portanto, veterinários devem buscar mais conhecimento(Foto: reprodução)
O médico-veterinário ativista da causa, que também é residente multiprofissional em Atenção Primária à Saúde no município de Santa Luzia-PB (UNIFIP/Patos-PB), Pedro da Silva, considera essencial que a Medicina Veterinária Canabinoide possa avançar acadêmica e clinicamente para que se consolide como especialidade, a fim de que tenha seu papel reconhecido. “As pesquisas clínicas também devem receber subsídios e respaldo legal para prosseguirem investigando os efeitos positivos e negativos, de curto e longo prazo, da Cannabis nos diferentes contextos da Veterinária”, avalia.
Mas, para o uso ser aprovado em animais, primeiramente, é fundamental receber atenção das pessoas, na visão do veterinário, pesquisador e professor de Endocanabinologia, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), membro da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Ama me) da SBEC, Erik Amazonas: “Daí a importância de termos espaços como este para abordar o tema”, reforça. Para ele, essa não é uma terapêutica com uma substância completamente desconhecida da população, como é a maioria dos fármacos. “A maconha é uma planta de uso amplo na nossa sociedade e com um preconceito imenso. Assim, o que falta é: levarmos essa discussão para dentro das instâncias competentes”, opina.
Amazonas lembra que já há consenso na Medicina Humana de que a Cannabis está, para o século XXI, assim como os antibióticos estiveram para o século XX. “A liberação representará uma revolução imensa na Medicina Veterinária moderna. É muito comum os casos de intoxicação medicamentosa nos animais: os anti-inflamatórios e seus efeitos gastrointestinais danosos são muito bem conhecidos, por exemplo. Muitos dos efeitos adversos, hoje, comuns à Veterinária, serão gradualmente erradicados”, supõe.
Legalize já. A lista de enfermidades tratáveis com Cannabis, segundo os profissionais, é enorme e perpassa todos os sistemas fisiológicos: doenças neurológicas em geral e qualquer patologia que tenha envolvimento dos canais iônicos, quadros agudos ou crônicos de dor, doenças alérgicas e inflamatórias, ósseas, enfermidades envolvendo proliferação celular (cânceres), entre outras. “São inúmeras as patologias tratadas, além de que o potencial terapêutico para mais enfermidades cresce exponencialmente. É muito difícil tratarmos alguma doença sem nenhum benefício para o paciente”, assegura.
Hórus não teve mais nenhuma crise de convulsão a partir do momento em que acertaram a dose da Cannabis para o tratamento (Foto: divulgação)
Prova disso é o Hórus, um clássico Bulldog Francês, bagunceiro e cheio de artimanhas, como descreve seu tutor Igor de Albuquerque e Silva. Com 8 meses, o animal foi diagnosticado epilético e iniciou o tratamento com Fenobarbital, o famoso Gardenal. “Inicialmente, tomou uma dosagem baixa, que controlou as crises por um mês. Após isto, voltou a ter crises e convulsões mais sérias, entrando, inclusive, em uma Crise Cíclica, ou seja, antes de normalizar vinha crise seguida de crise. Neste dia, foi encaminhado ao veterinário para receber um remédio que iria acalmá-lo. Ficou internado por três dias e, por orientação, dobramos a dose. Não foi o suficiente e tivemos que entrar com um segundo medicamento em conjunto. Estabilizou por algum tempo, mas volta e meia e, praticamente, semanalmente eram, no mínimo, duas crises sérias. Tentei todo tipo de tratamento e recursos que imaginarem”, relata o tutor.
O cão, segundo seu cuidador, ficava desgastado pelas crises e quase que sem nenhuma qualidade de vida. “Certo dia, assisti uma reportagem na TV, sobre o tratamento à base de Cannabis para pessoas epiléticas. Achei surpreendente! Sempre fui muito ‘careta’ e conservador, mas fiz uma promessa ao Horús que, no dia em que eu descobrisse que existe um tratamento assim para animais, não iria nem pensar, eria adepto para o bem dele”, compartilha.
As crises do Hórus se tornaram mais constantes, de forma diária. O nome: Convulsão Focal. “Eram uma média de 15 a 20 por dia”, expõe Albuquerque e Silva, que, depois de um longo bate-papo, teve uma consulta com o veterinário Fábio San Juan. “Consegui um anjo, que é a nomenclatura dada a quem tem autorização para produção do óleo extraído da cannabis e o Hórus vem sendo tratado. Só posso dizer que é milagroso. Ele ficou 100% estável nos cinco primeiros dias de tratamento, nem acreditei! Depois, teve uma ou duas crises bem mais leves e por poucos segundos, totalmente diferente do que eram antes, que duravam até 40 minutos. Fomos aumentando a dose, até tentar estabilizar 100% e ele não teve mais crise nenhuma”, comemora.
Uma intoxicação pela ingestão da planta in natura pode levar o pet a óbito. Mas não há relatos de que isso ocorre com o óleo terapêutico (Foto: reprodução)
Algum contra? Mas, a substância não traz nenhum efeito colateral aos animais? Pedro da Silva lembra que, assim como para humanos, fitocompostos da maconha possuem potencial tóxico muito baixo em pets. “Contudo, relatos anedóticos e achados científicos sugerem que cães são mais sensíveis que outras espécies, inclusive mais do que humanos e gatos. Portanto, maior cautela é exigida na fitoterapia canabinoide de cachorros, bem como uma margem de dosagem menor e mais segura. Por vezes, também pode ser necessária uma apresentação medicinal com quantidades mínimas ou ausentes de THC”, explica.
San Juan adiciona que o animal pode apresentar, como efeito colateral, alteração neurológica, sonolência, náuseas e vômitos, mas que são raros. “Isso pode ocorrer em animais em início do tratamento e, também, por sensibilidade aos canabinóides. É mito que a Cannabis medicinal, ainda mais a full spectrum, contendo THC, pode intoxicar os animais. O THC pode, sim, intoxicar se a dose for muito alta, mas é uma intoxicação mais leve e tranquila – como os sintomas que narrei – do que uma intoxicação da ingestão da planta in natura, que pode até levar a óbito se não controlada a tratada corretamente”, destaca.
Sobre isso, Erik Amazonas também lembra que absolutamente tudo que o animal ingira, respire ou entre em contato pode lhe causar efeitos indesejados. “Lembremos que alguns pets podem ter morte súbita pela simples exposição a um grande fator de estresse, como a presença ou contato humano”, menciona.
Portanto, na visão de Da Silva, a regulamentação da Cannabis terapêutica na Medicina Veterinária é um tópico muito relevante e deve ser realizada de acordo com as utilizações, implicações sociais e terapêuticas, prós e contras culturais e científicos da planta na sociedade. Amazonas também considera de extrema importância os veterinários brasileiros se aprofundarem mais no conhecimento sobre a substância. “Nossa classe profissional está acostumada a fazer uso de medicamentos com pouco ou nenhum estudo em animais ou pouca ou nenhuma indicação veterinária. Fizemos isso com várias e várias categorias de fármacos de forma muito eficiente e por muitas décadas. Muitos destes medicamentos apresentam alto risco para os animais, mas, mesmo assim, e com pouca informação sobre o uso em pets, nós, médicos-veterinários, temos realizado grandes proezas e evitando os riscos desses fármacos”, salienta.
Hoje, segundo Amazonas, há uma infinidade de estudo científico comprovando os efeitos medicinais e a segurança da Cannabis nos animais domésticos. “Há material suficiente para fazermos o que sempre fizemos em nossos pacientes e começar a utilizar com a mesma parcimônia que sempre fizemos rotineiramente. Faça alguns testes com seu próprio animal, com pets de tutores engajados e vá se familiarizando com essa ‘nova medicina milenar’ até pegar a confiança necessária. Lembrando que a Medicina Veterinária Canabinoide já é realidade mundial, só nos resta uma saída: estudar”, finaliza.