Cláudia Guimarães, da redação
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Já dizia Paulo Freire: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. E é isso que a Semana Acadêmica Veterinária (Sacavet), da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, da Universidade de São Paulo FMVZ-USP, São Paulo/SP), se propõe a fazer. Neste ano, a 28ª edição do evento teve início nos dias 17 e 18, na Pré-Sacavet, e continua a pleno vapor desde sábado (24) até dia 29 de março.
A programação do dia 26, acompanhada pela equipe C&G VF, foi repleta de temas interessantes, em diversas áreas da Medicina Veterinária. Na sala de reprodução de pequenos animais, a profissional Renata Abreu falou um pouco sobre exame ginecológico em cadelas. Segundo ela, existem etapas para as avaliações ginecológicas, entre elas, fazer a identificação do animal, questionar a queixa principal, anamnese completa, exame clínico geral (métodos semiológicos padrões) e exame clínico específico (externo e interno).
A médica-veterinária Aline Santana da Hora também subiu ao palco para falar sobre a peritonite infecciosa felina (PIF). Ela explicou que a doença está presente no mundo todo e é um vírus (coronavírus felino) altamente contagioso, porém não é uma zoonose e não é transmitida aos cães. “O problema é que há uma dificuldade de controle do vírus. É como querer controlar o vírus da gripe em humanos”, compara. A transmissão se dá por meio da eliminação do vírus pelas fezes, que são ingeridas de forma não intencional, por conta da ração ou água perto da caixa de areia, pelo ato de lamber a própria pata depois que sai da bandeja de areia ou lamber outros gatos. Sendo assim, a porta de entrada é oral. Os gatos suscetíveis, segundo Aline, são os de 3 a 16 meses, de raças como persa, himalaio e bengal, e alguns animais expostos a estresse.
Evento teve mais de 1400 inscritos nosmais variados cursos (Foto: C&G VF)
“Mitos e verdades da vacinação de cães e gatos” foi o tema da palestra da veterinária Valéria Maria Lara Carregaro, na sala de clínica médica de pequenos animais. Ela expôs a classificação das vacinas: essenciais e não-essenciais (principais), as não recomendadas e as que nem foram consideradas. “As não recomendadas são aquelas que não existem evidências para justificar o uso. As não consideradas são aquelas que, segundo estudos, não causam respostas positivas”, explana. Já as essenciais todos os cães e gatos, independente da região geográfica em que eles se encontram, devem receber. Segundo ela, uma questão frequente na clínica é: vacinei meu cão e ele ficou doente. “Isso ocorre, realmente. Mas o principal responsável por levar falhas vacinais são os anticorpos maternos, transferidos na hora em que o pet absorve o colostro. Eles interferem na resposta vacinal e, ainda, causam mais problemas à saúde do animal”, declarou e adicionou que esses anticorpos acabam dentro de 8 a 12 semanas de vida do animal, normalmente.
Conjuntivite, dermatite ulcerativa, uveíte e estomatite podem aparecer nos gatos com leishmaniose. Em cães, os sinais são, principalmente, alterações cutâneas e oculares. “88% dos animais sintomáticos não tratados vão a óbito”, afirmou a veterinária Anaiá da Paixão Sevá. Os pets assintomáticos são aqueles que estão bem clinicamente, porém, infectados e, por isso, a profissional cita que a Medicina Veterinária está entre as principais profissões na lista de depressão e suicídio. “É notável que o clínico que faz a eutanásia em animais não gosta do que está fazendo e, muitas vezes, tem que sacrificar um animal soropositivo, porém assintomático, ou seja, o pet está bem, abanando o rabo, mas tem que ser sacrificado. É uma questão bem delicada”, avaliou.
“Me formei. E agora?” foi tema de bate-papo direcionadoaos recém-formados em Medicina Veterinária (Foto: C&G VF)
Aos novatos. Para encerrar o dia de cobertura da C&G VF, a equipe acompanhou uma mesa redonda voltada aos recém inseridos no mercado de trabalho de pequenos animais: “Me formei. E agora?”. A mesa foi composta pelos veterinários Ricardo Henrique Miazara, Felipe Borges Soares, Mariana Yukari Hayasaki Porsani e Daniel de Marchi Furuya, que contaram como está sendo a experiência profissional desde que se formaram até agora.
Um dos temas propostos foi: quais os principais desafios que os recém-formados encontram para se inserir no mercado de trabalho? Daniel Furuya disse que a primeira coisa que todos percebem é que não vão lidar com animais, mas, sim, com pessoas. “O principal desafio é falta de experiência, como qualquer profissional novo de qualquer profissão, mas o veterinário vai para o pior setor que existe: o plantão”, revela. Mariana declarou que criar uma boa relação com os tutores pode ser difícil ao recém-formado por não terem tanta experiência. “Daí, a importância de buscar conhecimento, treinamento e novas técnicas. Se você não praticar, vai errar cada vez mais”, ponderou e chamou atenção para outro fator: “Porém, o profissional não deve escolher qualquer emprego apenas porque se formou. Isso pode causar traumas por falta de expertise. É importante ganhar dinheiro, ter trabalho, currículo, mas é muito melhor ter segurança em você mesmo”, afirmou.
O veterinário do Exército Brasileiro, Felipe Soares, frisou que é essencial buscar aprendizado para ter visões mais construtivas dos erros que já cometeu. “O profissional também deve dormir tranquilo mesmo quando, por exemplo, perde algum animal. Deve saber que fez de tudo para garantir a saúde e o bem-estar do paciente”, adicionou. Já Ricardo Miazara chamou atenção para outro assunto: o desejo de crescer e se destacar. “No momento de recém-formado, o mais importante é ter humildade para aprender. Podemos fazer 15 anos de residência, mas estaremos inseguros, porque a conduta de cada lugar de trabalho é diferente”, destacou.
Organização. A presidente desta edição da Sacavet, Fernanda Borges Barbosa, conta que o maior desafio de presidir o evento foi lidar com várias pessoas e tentar não ferir os sentimentos dos colegas mais próximos, que contribuíram com seu trabalho. “A importância do evento pesa bastante também, porque chegamos com um histórico de Sacavet com mais de 1300 pessoas por vários anos, então, tentar bater essa meta foi difícil e precisou do engajamento de uma equipe toda”, menciona.
Essa edição trouxe cursos novos, conforme conta Fernanda, já que, nos anos anteriores, os poucos que tinham eram mais voltados para a clínica de pequenos animais e, agora, novas áreas adentraram na grade de palestras, sendo que a maior inovação desse ano foi o curso de Saúde Única. “Tivemos mais de 1400 inscritos nos mais variados cursos”, comemora. A escolha da programação foi realizada com base na edição passada, levando em consideração as aulas que tiveram mais inscritos, junto a novas áreas que vêm surgindo e ganhando força na profissão.
Orientadora Geral, Silvana Górniak, e presidentedo evento, Fernanda Barbosa, comemoramos resultados (Foto: C&G VF)
A principal palavra que define o evento, para a presidente, é “esforço”. “Começamos um evento do zero, quase sem perspectiva de como iria ser, então temos que nos esforçar ao máximo para termos uma semana como estamos tendo agora, com sucesso na quantidade de inscritos e nos resultados dos cursos”, ressalta. Já para a professora de Farmacologia e Toxicologia e orientadora Geral do evento, Silvana Górniak, “desafio” traduz a Sacavet, principalmente para a comissão organizadora. “Mas, por outro lado, ‘aprendizado’ também pode definir a organização, já que o aluno envolvido nisso tem uma vantagem em relação aos outros, porque sofreu um grande desafio e superou, então, ele pode se preparar para as dificuldades futuras da profissão e ter a certeza de que pode ter resultados positivos caso se empenhe para isso”, inclui.
Silvana também diz que, basicamente, a Sacavet tem como prioridade a atualização e, principalmente, colocar o aluno frente a outras coisas que talvez a academia não tenha, ainda, lhe mostrado. “A interação com novos profissionais, que trabalham não só na universidade, mas que, efetivamente, podem projetar nesses alunos expectativas futuras do campo de trabalho nas diversas áreas da profissão, que é muito diversa”, analisa.
Os planos futuros, segundo a professora, é procurar as tendências do mercado que interessam ao aluno. “Trata-se de um evento organizado 99% pelos estudantes e a participação dos professores, minha mesmo, é mínima. Nunca me senti tão tranquila, porque a Fernanda, junto à sua equipe, vem incessante e metodicamente programando todos os detalhes para que o evento seja um sucesso”, expõe e destaca a importância do encontro, em vídeo.
Portas abertas. O diretor da FMVZ-USP, José Antônio Visitin, informa que a faculdade não é somente da Universidade de São Paulo, mas, sim do Estado, do País inteiro. “Então, todos são bem-vindos. Aproveito, também, para dizer para os interessados não comparecerem somente nos dias da Sacavet, mas no dia a dia da escola. Ela está sempre aberta, seja para iniciação científica, seja para residência”, convida.
Para ele, a Sacavet é um prestígio nacional para a FMVZ e é um congresso extremamente complexo, onde os alunos juntam suas forças e fazem acontecer. “Agradeço a equipe organizadora pelo projeto, pelo espírito de vida, mas, acima de tudo, pela qualidade cientifica do evento, já que esse é um dos objetivos, não apenas da Sacavet, mas de toda a escola: dar subsídios técnicos para todos os colegas que já atuam no mercado e para os futuros profissionais que irão se formar com uma competência técnica de altíssima qualidade”, evidencia.
Para aqueles que ainda não compareceram à XXVIII Sacavet, ainda dá tempo. A programação de amanhã, último dia do evento, reserva bons conteúdos. Confira o recado da presidente da Semana Acadêmica: