Em um marco histórico, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, esta semana, mais precisamente, no dia 30 de outubro, a regulamentação do uso da cannabis na Medicina Veterinária, com a inclusão de novos itens na normativa 344. Essa novidade se apresenta como um avanço importante na área e quem mais ganha são os pacientes.
Segundo nota divulgada pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), a medida possibilita que médicos-veterinários utilizem substâncias canabinoides em tratamentos de diversas doenças, promovendo uma nova era de segurança e avanços na saúde animal no Brasil. A resolução ainda não tem um número oficial, mas foi deliberada em plenária pública e deve ser formalizada nos próximos dias, com a ata da decisão prevista para publicação em até 48 horas.
A médica-veterinária pesquisadora e endocabinologista, diretora Científica da Vetcann Brasil, Vanessa Seabra, comenta que, como o sistema endocanabinoide está presente em todas as células para trazer homeostase, há diversos caminhos que os fitocanabinoides podem percorrer. “Hoje, temos evidências científicas sólidas em dores crônicas, epilepsia, doenças articulares, síndrome de disfunção cognitiva, entre diversas outras. Por regular esse sistema, os componentes da planta acabam diminuindo a cascata inflamatória, conseguindo modular a percepção de dor, sono e fome, por exemplo. Se bem dosada e estudada, a cannabis pode ser uma ótima opção terapêutica e com efeitos colaterais mínimos”, pontua.
Apesar da liberação do uso da substância para pets, Vanessa informa que ainda não há produtos regulamentados específicos para a Medicina Veterinária. “Estamos fazendo pesquisas em solo brasiliero para conseguir esses registros junto ao MAPA. Porém, como já acontece com medicamentos humanos, podemos prescrever as medicações encontradas nas farmácias para uso humano e, também, das mais de 40 associações de pacientes, que já prescrevemos há anos, e que produzem medicamentos com extrema qualidade e segurança”, menciona.
Escolha do produto à base de cannabis
Veterinários e tutores devem levar alguns pontos em consideração na hora da escolha do medicamento, conforme listado pela médica-veterinária: “Devem checar a origem da medicação; qualidade e testes cromatográficos, para saber o que tem ali; marcas ou associações confiáveis; e, o mais importante, conhecimento e acompanhamento veterinário diário, além de constante atualização profissional para que não haja danos aos pacientes”.
Em relação aos possíveis efeitos colaterais, a especialista comenta que cães possuem maior densidade dos receptores CB1 no hipocampo, cerebelo e medula oblonga e, por isso, podem apresentar ataxia estática (deambulação de cabeça, marcha descontrolada, incontinência urinária e fecal, sedação, etc.) com excesso de THC. “Porém, essa molécula tem um grande potencial terapêutico se o veterinário souber dosar corretamente. Já do CBD, podemos esperar sonolência, diarreia e salivação. Em caso de superdosagem ou intoxicação, orientamos o tutor a levar o animal para emergência para tratamento de suporte, de acordo com os sinais apresentados. Geralmente, os animais voltam desses episódios sem maiores danos, caso não tenham doenças mais sérias, como alguma cardiopatia. Vale destacar que o THC deve ser utilizado com bastante cuidado em animais cardiopatas, pois aumenta o débito cardíaco, sendo um potente vasodilatador”, frisa.
Vanessa expõe que ainda não há protocolo estabelecido quanto à dosagem de produtos à base de cannabis. “E acredito que seja bem difícil conseguir isso, pois cada animal tem o sistema endocanabinoide único e responde, também, de forma única, como se fosse uma impressão digital. Então, começamos sempre com a menor dose possível e aumentamos aos poucos, acompanhando de perto essa titulação de doses”, compartilha a profissional. Quando o veterinário chega à ótima dose, não é necessário aumentar mais. “Cada espécie tem suas particularidades, por isso, deve-se buscar dados científicos ou experiências clínicas de profissionais que já atuam com a substância, fora do país, principalmente”, adiciona.
Quando devo indicar a cannabis ao paciente?
Em geral, segundo Vanessa, normalmente, os veterinários começam a terapêutica com cannabis em último caso. “O que é errado, pois a cannabis, quando utilizada desde o início em conjunto com as demais terapias, tende a ter um resultado infinitamente maior e melhor que as terapias sozinhas ou quando é introduzida já ao final do tratamento, naquele ponto que nada mais funciona. Só iremos mudar essa concepção com a divulgação em massa dessa terapia e de como funciona esse sistema fisiológico incrível, que não vemos sequer nas grades das universidades”, aponta.
A profissional reforça que, por afetar diversos receptores do sistema endocanabinoide e do endocanabinoidoma, há diversas interações entre a cannabis e outros medicamentos. “Muitas já são conhecidas, como a varfarina, por exemplo, que aumenta o risco de hemorragia. Mas são necessários mais estudos para podermos mapear todas as interações possíveis. Devemos nos atentar, também, no sinergismo com AINEs, opioides, agonistas alfa-adrenérgicos e agonistas adrenérgicos. Neste site, podemos conferir várias interações”, recomenda.
O que o tutor deve saber?
Assim como em todo tipo de tratamento, os tutores desejam receber todas as informações relacionadas ao medicamento. Vanessa destaca que o veterinário deve informar seu cliente que, tanto o CBD (canabidiol) quanto o THC (Tetraidrocanabinol) são moléculas encontradas em maior quantidade na cannabis, por isso, a terapêutica é guiada por elas.
A especialista destaca os principais benefícios proporcionados pelo CBD aos animais:
- Ansiedade e estresse: O CBD tem efeitos ansiolíticos que auxiliam na redução de comportamentos de ansiedade e fobias em animais, especialmente em felinos. “A minha pesquisa foca na ansiedade felina e sugere que o CBD pode proporcionar alívio em estados de nervosismo ou em situações de estresse elevado, como mudanças no ambiente”, conta Vanessa.
- Estereotipias e comportamento compulsivo: Pesquisas, incluindo estudos conduzidos com mustelídeos, indicam que o CBD pode ajudar na redução de estereotipias (comportamentos repetitivos e compulsivos), sendo útil no manejo de comportamentos compulsivos e estereotipados que, muitas vezes, resultam do estresse em cativeiro.
- Controle da dor e inflamação: O CBD tem propriedades analgésicas e anti-inflamatórias, que o tornam útil em condições como artrite, lesões articulares e outras situações de dor crônica. É eficaz para melhorar a qualidade de vida de animais idosos ou com mobilidade reduzida.
- Apoio ao sistema imunológico: Além dos efeitos anti-inflamatórios, o CBD parece modular o sistema imunológico, o que pode ser vantajoso em condições autoimunes ou em inflamações sistêmicas.
- Distúrbios neurológicos: Tem sido estudado para suporte no tratamento de convulsões e epilepsia, com resultados promissores na redução da frequência e intensidade das crises.
Ela também lista em quais quadros o THC é benéfico:
- Controle da dor: Embora o THC precise ser administrado com cautela, devido aos seus efeitos psicoativos, em doses controladas, ele pode ser eficaz no controle da dor aguda e crônica, ajudando a melhorar o conforto de animais em condições críticas.
- Estímulo de apetite: Em animais com doenças que causam inapetência ou perda de peso, o THC tem sido utilizado para estimular o apetite, sendo útil em tratamentos paliativos ou para casos de anorexia induzida por quimioterapia.
- Efeitos relaxantes: Em algumas situações, o THC contribui para o relaxamento muscular e o alívio de tensões, mas é necessário monitoramento cuidadoso para evitar intoxicações.
Conquista mais que esperada!
Para Vanessa, a aprovação da Anvisa é um momento histórico! “Há anos lutamos por essa regulamentação. Estávamos trabalhando com a insegurança jurídica de responder até criminalmente, como tráfico, antes dessa inclusão. Então, além de podermos importar, também temos a segurança de não sermos presos ou respondermos processos criminais no exercício legal da nossa profissão, tentando salvar uma vida, que, provavelmente, estaria na fila da eutanásia”, comemora.
Na visão da profissional, o reconhecimento da importância da profissão também é de extrema importância. “Somos médicos-veterinários e não apenas veterinários. Em relação à saúde única, cuidamos, também, da saúde humana. No caso dos animais silvestres em condições de cativeiro, que não podem voltar à natureza, a regulamentação abre portas para podermos tratar o estresse e tudo que decorre dele nessas espécies. Essa decisão trouxe, principalmente, qualidade de vida para tutores e pacientes, além de segurança jurídica para nossa classe”, destaca.
Para encerrar, a veterinária argumenta que, com essa regulamentação, se faz mais que necessário o incentivo à especialização e cursos com bases sólidas e científicas, para que não haja danos aos animais decorrentes de falta de conhecimento sobre o sistema endocanabinoide, como ele funciona e como as substâncias podem moldá-lo, evitando processos éticos e danos aos nossos pacientes.
FAQ
Quais benefícios a regulamentação da cannabis pela Anvisa traz para a Medicina Veterinária?
Novidade permite que médicos-veterinários utilizem substâncias canabinoides para tratar doenças diversas em animais. Isso representa um avanço na saúde animal no Brasil, pois fornece novas opções terapêuticas com maior segurança e eficácia, ampliando a qualidade de vida de animais de estimação com doenças crônicas, dores, epilepsia e até problemas comportamentais.
Como escolher o produto à base de cannabis adequado para o meu pet?
É essencial verificar a origem e qualidade da medicação, incluindo testes cromatográficos que garantam a composição do produto.
Quais são os principais benefícios do uso de CBD e THC em animais de estimação?
O CBD oferece alívio de ansiedade e estresse, controle da dor e inflamação, apoio ao sistema imunológico e suporte para distúrbios neurológicos, como convulsões e epilepsia. Já o THC, usado com cautela, é eficaz no controle de dor aguda e crônica, no estímulo de apetite para animais de estimação com doenças que causam inapetência, e no relaxamento muscular, contribuindo para o conforto e bem-estar dos animais em condições mais críticas.
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