Cláudia Guimarães, em casa
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Como muitos dizem por aí: 2020 já poderia acabar. Mas, pensando bem, todos os desastres que interferem na saúde ambiental, dos humanos e dos animais são reflexos de ações do homem. A atual situação do Pantanal, por conta das queimadas que se intensificaram nos últimos anos, é grave. Além da flora que está sendo devastada, são poucos os animais que conseguem sobreviver ao fogo.
Conforme reforça o biólogo do Onçafari, Pedro Reali, as evidências apontam fortemente para o ser humano como o principal causador do que está acontecendo no Pantanal: “O número de focos de incêndios na região tem aumentado muito ao longo dos anos e a maioria das investigações e perícias realizadas aponta quase sempre para causas humanas. Sejam queimadas deliberadas para renovação de pasto ou como prática de desmatamento para destinar a área desflorestada a outros fins, ou mesmo acidentes com maquinários e, até mesmo, a perda de controle das chamas de uma fogueira acendida na beira de um rio ou no fundo de um quintal. Os incêndios de grande proporção quase sempre se iniciam pela intervenção humana”, garante.
Segundo ele, quando analisada a questão climática, mesmo sendo natural o período de estiagem e o fogo ser comum nessa época, a intensidade das últimas secas e o número de focos de incêndio condizem com as previsões de mudanças climáticas causadas pelos impactos negativos da humanidade em nosso planeta. “Assim, temos uma realidade climática alterada por nós e números de queimadas além do esperado naturalmente. Portanto, podemos afirmar que o ser humano é o principal causador do que está acontecendo no Pantanal”, frisa.
Queimaduras, intoxicação por fumaça e desnutrição podem deixar sequelas permanentes aos animais(Foto: divulgação AMPARA)
A presidente da ONG AMPARA Animal, Juliana Camargo, denuncia a omissão do poder público quando a previsão é que haja ainda mais 60 dias de incêndio pela frente. “A AMPARA Animal está aqui no Pantanal, mais precisamente a 20 km de Porto Jofre. O ar está irrespirável e a situação é muito triste. São muitos os animais encontrados queimados e os que a gente consegue encontrar com vida chegam com queimaduras de 3º grau, em situação muito grave. Estamos com uma equipe reduzida, mas muito eficiente. É a única estrutura existente aqui para atuar no resgate dessas vidas”, revela.
De olho nos silvestres. Reali menciona que o Pantanal é uma das maiores planícies alagáveis do mundo, é um bioma que abriga grande biodiversidade, não só em número de espécies diferentes, mas, também, em quantidade de indivíduos: “São cerca de 4.700 espécies, sendo 3.500 de plantas, 325 de peixes, 53 anfíbios, 98 répteis, 656 aves e 159 mamíferos”, elenca.
E engana-se quem pensa que os problemas se iniciaram só agora, com as chamas no local. O biólogo lembra que os conflitos com a vida selvagem são de longa data no Pantanal. “Um exemplo é a caça em larga escala da onça-pintada para abastecer o comércio de peles, nas décadas de 1950/1960, que afetava enormemente todas as demais espécies, uma vez que a onça-pintada é um predador de topo de cadeia alimentar e tem um importante papel na regulação do número de suas presas. Isso faz da onça uma espécie-chave para o equilíbrio estabelecido ao longo de milhões de anos de coexistência entre plantas e animais antes de nossa chegada nas Américas”, pondera.
Custos com medicação, equipamentos de resgate e uso veterinário são altos e AMPARA está com uma vaquinha virtual para arrecadar dinheiro (Foto: divulgação)
A natureza pede ajuda. A caça ainda existe por outros motivos, de acordo com ele, junto da perda de habitat que acontece em todo o País. “Por isso é importante a existência de iniciativas que visam mudar essa realidade, como fazemos no Onçafari. O tráfico ilegal de espécies, como o papagaio-verdadeiro e, até mesmo, a matança de araras-azuis para coleta das belas penas utilizadas na confecção de artesanatos, por exemplo, quase levaram essa ave à extinção, não fosse a iniciativa de projetos de conservação, como o Instituto Arara Azul e o Projeto Papagaio-Verdadeiro. Os impactos negativos causados pela humanidade já são grandes o bastante para nos preocuparmos, mesmo sem esse triste cenário das queimadas”, lastima.
A AMPARA, por sua vez, conta, desde 2016, com a frente AMPARA Silvestre, com foco em reabilitar animais que possam ser devolvidos à natureza e oferecer qualidade de vida aos que estão condenados ao cativeiro. Juliana afirma que só com a ajuda dos apoiadores da ONG as equipes de resgate têm conseguido atuar, nesse momento, no Pantanal. “Estamos com a ajuda de apoiadores, conseguindo desenvolver o trabalho, para dar alguma esperança para os poucos animais que estão sobrevivendo a toda essa catástrofe quando ninguém está fazendo nada. Nossos governantes não estão atuando. A negligência é enorme e uma das maiores biodiversidades do planeta está sendo exterminada. É muito triste”, lamenta.
Ela conta que uma força-tarefa coordenada pelo chamado Comitê do Fogo, órgão colegiado que reúne diversas instituições de governo, terceiro setor e iniciativa privada, construiu um Posto de Atendimento Emergencial a Animais Silvestres (PAEAS Pantanal). Porém, há carência de investimento financeiro para que a operação seja mantida. “Enquanto isso, os custos são altíssimos: medicação, equipamentos de resgate e uso veterinário, veículos para resgate e alimentação dos animais em reabilitação, por exemplo”, enumera.
A AMPARA Animal e a AMPARA Silvestre contam com a campanha Pantanal em Chamas, uma vaquinha virtual, cujo objetivo é captar recursos para manter a operação do PAEAS Pantanal funcionando, garantindo os suprimentos necessários para resgate e reabilitação dos animais. Para contribuir, é preciso acessar esse site e fazer uma doação em boleto, cartão de crédito ou Paypal. O valor mínimo da doação na plataforma é de R$25,00, por conta das taxas bancárias, e no Paypal é de R$40.
Complementando, o biólogo do Onçafari também chama atenção para os diversos projetos e pessoas que lutam diariamente para salvar a vida selvagem no Pantanal, a fim de reverter os impactos negativos e formular alternativas de desenvolvimento que respeitem a natureza da qual somos parte. “No momento atual, as pessoas na linha de frente do combate ao fogo, literalmente, lutam contra as chamas, tentando diminuir a quantidade de área que venha a queimar, para que os animais ainda tenham algum refúgio para se esconder, se alimentar e beber água. Além disso, equipes estão montando ilhas de comida com frutos e plantas para os animais se alimentaram e, ainda, resgatam os bichos machucados para reabilitação. Essas instituições todas precisam de ajuda, principalmente financeira, para continuar desenvolvendo todas essas iniciativas em uma área já enorme e que não para de crescer”, solicita.
São milhares de animais silvestres encontrados carbonizados ou com partes do corpo queimadas (Foto: divulgação AMPARA)
Destruição é vista de longe. As queimadas já dizimaram mais de 10% do bioma inteiro, incluindo 32% da Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Sesc Pantanal, a maior do País, conforme observado pela AMPARA. São milhares de animais silvestres encontrados carbonizados ou com partes do corpo queimadas: serpentes, lagartos, jabutis, jacarés, tamanduás, macacos e tantas outras espécies.
As antas, por exemplo, chamadas de “jardineiras da floresta”, por serem um importante dispersor de sementes nos ecossistemas onde habitam, são animais lentos e têm muita dificuldade em conseguir escapar das chamas. “Já animais mais ágeis como a onça-pintada, apesar de conseguirem fugir do fogo com mais facilidade, têm suas patas queimadas, inalam a fumaça e têm todo o seu habitat destruído”, descreve Juliana.
A situação é, também, descrita por Reali: “Queimaduras, intoxicação por fumaça e a própria desnutrição podem deixar sequelas permanentes aos animais que se recuperam”. De acordo com ele, a natureza é bastante resiliente no geral, ou seja, tem capacidade de se recuperar e voltar ao seu estado saudável. “O problema é que impactos de grande escala, que se tornam cada vez mais frequentes, podem afetar essa resiliência e a natureza não voltará mais para o estado como a conhecemos. Isso, pensando nas espécies e nas populações que compõe o Pantanal. Os indivíduos, como aquela onça resgatada com as quatro patas queimadas, por exemplo, também costumam ser resilientes e se recuperam dos danos, mas, de novo: danos muito profundos podem deixar sequelas que impedem a recuperação plena e esses indivíduos podem acabar debilitados, ameaçando sua sobrevivência em vida livre”, adiciona.
Arregaçando as mangas. Em sua visão, como qualquer profissional qualificado atuando em sua área de conhecimento, veterinários e biólogos são essenciais para orientar o manejo e cuidados corretos durante os resgates a fim de garantir, da melhor maneira possível, a recuperação desses animais. “Esses profissionais são importantes, também, para garantir a segurança das pessoas envolvidas no manejo, uma vez que animais machucados e assustados podem ser agressivos para se proteger, portanto, a necessidade de um manejo correto e contenção adequada são essenciais”, salienta.
Por outro lado, estão os ativistas ambientais, que conseguem chamar atenção para causas importantes e, assim, mobilizar ações em prol da resolução dos problemas que surgem. “É importante deixar a população consciente dos desafios enfrentados na área ambiental e engajar o máximo de pessoas possível, tanto nas ações diretas e pessoais, quanto na cobrança a políticos, empresas e demais instituições que têm responsabilidade ambiental. Portanto, o apoio e ação dos ativistas também colaboram para tentar solucionar a situação das queimadas”, considera.
“Por nossa causa a natureza sofre e, como somos parte dela, vamos sofrer muito as consequências de tudo isso”, declara biólogo (Foto: divulgação AMPARA)
Questionado sobre que mensagem essas ocorrências deixam aos humanos, Reali aponta alguns levantamentos: até meados de setembro, quase 3 milhões de hectares do Pantanal já haviam sido queimados somente esse ano, o que representa cerca de 20% do bioma em território brasileiro. No Cerrado, Amazônia e Mata Atlântica, as queimadas também tomaram grandes proporções. “A perda de biodiversidade é incalculável. A mensagem que fica para quem vive de perto um incêndio, como o que acomete o Pantanal atualmente, é bem clara: por nossa causa a natureza sofre e, como somos parte dela, vamos sofrer muito as consequências de tudo isso”, alerta.
O profissional relata que viver de perto o calor insuportável das chamas, respirar a fumaça da mata queimada, ver animais carbonizados e outros com as patas em carne viva, andando sem destino por onde era, antes, sua área de vida, são imagens que nos fazem pensar sobre que mundo estamos construindo. “Quais as consequências das nossas ações para as diversas formas de vida que temos o privilégio de compartilhar esse planeta? Temos que mudar, temos que reconhecer que o sofrimento do Pantanal é o nosso próprio sofrimento. A humanidade precisa rever suas atitudes, seu modo de consumo, sua relação com a natureza. Perceber que o ganho financeiro imediatista de hoje, às custas do desmatamento e das queimadas, atingirá negativamente nossa própria qualidade de vida num futuro próximo. Existem oportunidades de mudança, temos que ter consciência disso e sermos essa diferença que queremos ver no mundo”, sublinha.
Para finalizar, Reali expõe que pesquisadores apontam que incêndios de grandes proporções irão se repetir nos próximos anos, em consequência das mudanças climáticas, além da impunidade e fiscalização ineficiente da prática descontrolada do fogo em épocas de seca. “A natureza é resiliente, mas precisamos nos antecipar e nos organizar para minimizar esse impacto, pensar de forma estratégica para que as queimadas não cheguem em dimensões caóticas e, muitas vezes, irreversíveis para os hábitats naturais”, encerra.