Cláudia Guimarães, em casa
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Entendendo que os animais de vida livre também devem ser responsabilidade de alguém, pois podem interferir no meio urbano e no selvagem, a Ampara Animal realizou uma ação em Fernando de Noronha (PE), com o objetivo controlar a população de gatos ferais que vivem na principal ilha do arquipélago. Por trás desse trabalho está uma meta ainda maior: preservar a biodiversidade local.
O gestor ambiental, especialista em tratamento ecologicamente correto de ambientes com presença de gatos domésticos de vida livre (Felis catus), Eduardo Pedroso, foi o agente responsável pelo manejo de fauna neste trabalho e nos contou um pouco da experiência. Segundo ele, assim como da primeira vez, em setembro de 2019, os objetivos da ação foram a proteção da comunidade humana, proporcionando segurança sanitária, defesa da fauna nativa da ilha, diminuindo o impacto do gato doméstico sobre as espécies silvestres e endêmicas. “E claro, o bem-estar da própria espécie exótica invasora, que, controlada, sofre menor pressão de grupos humanos e predação de outro exótico invasor: o teiú (Salvator merianae)”, expõe.
O teiú, como explica o gestor ambiental, é um lagarto que vive em quase todo o território brasileiro, entretanto, na ilha, ele foi introduzido e é indesejado, pois preda de maneira severa espécies naturais do ecossistema, inclusive filhotes e ovos da preciosa tartaruga marinha. “As ações de campo utilizaram um método de manejo de fauna chamado CED (captura, esterilização e devolução). Esse método é tradicionalmente utilizado no meio urbano para controlar as inúmeras colônias de gatos espalhadas ao redor das cidades do planeta. No meio selvagem, é pouco usual”, indica.
Trabalho contínuo. Pedroso conta que, comparando com a primeira ação realizada pelo grupo, os números absolutos foram menores. “Isso porque, em setembro de 2019, encontramos uma população de gatos que nunca tinha recebido tratamento de controle ou pelo menos não recebia há muito tempo. Em fevereiro de 2019, sete meses antes das primeiras atividades de campo, o Instituto Brasileiro para Medicina da Conservação (Tríade), divulgou em uma reportagem da BBC News Brasil, informando que a ilha de Fernando de Noronha tinha a presença de 1.300 gatos, o que, segundo a pesquisadora responsável pela contagem, Tatiana Micheletti, representava uma das maiores densidades de gatos já registradas em ambientes insulares em todo o mundo”, lembra.
Nessa oportunidade (2019), Pedroso comenta que as equipes de captura que coordenou para a Ampara Animal capturaram 355 gatos que foram castrados em dois centros cirúrgicos montados pela ONG na ilha. “O número de gatos esterilizados aproximou-se de 500, em 2019, pois, concomitante às ações de CED, a ONG ofereceu mutirões de castração para gatos semi-domiciliados e domiciliados”, narra.
Dessa vez (2021), a estrutura logística foi mais enxuta e o trabalho conjunto da Ampara, ICMBio e Vigilância Sanitária de Fernando de Noronha contou com um número reduzido de pessoas para os trabalhos de campos e apenas uma médica-veterinária, Dra. Alessandra Benedetti, foi enviada pela ONG, conforme relatado por Pedroso. “Ainda assim, com estrutura reduzida e com menor tempo de permanência na ilha, o resultado foi muito bom. Passaram pelo processo de CED 96 indivíduos e outros 144 foram capturados e devolvidos imediatamente após a captura, pois estavam castrados”, comemora.
Mas como os profissionais sabiam que estes felinos já estavam castrados? Pedroso desvenda: “Todos os gatos que passam pelo processo de CED são marcados na orelha esquerda com um corte reto de meio centímetro do topo para a base. Isso é uma convenção internacional para gatos domésticos de vida livre que sofreram a aplicação do método CED”.
CED e sua importância. Na visão do gestor ambiental, o trabalho de CED é importante em qualquer lugar, pois reforça a segurança sanitária da população humana, diminui a quantidade de gatos domésticos de vida livre e, consequentemente, diminui o atrito dessa espécie com o outras. “Em Fernando de Noronha, o trabalho de controle torna-se especialmente importante porque, além dos benefícios mencionados acima, temos o nobre trabalho de proteger as espécies nativas da ilha. Noronha possui um ecossistema riquíssimo e frágil que precisa da nossa atenção”, destaca.
A ação durou 10 dias e, para Pedroso, trabalhar com a Ampara Animal é sempre um prazer. “Considero a Ampara uma instituição visionária, pois furou a bolha da proteção animal ‘arroz com feijão’, que se preocupa só com cães e gatos, e abriu espaço e oportunidade para profissionais trabalharem com a fauna silvestre brasileira. A experiência em Fernando de Noronha aponta para esse sentido: o trabalho não é só com gatos domésticos, pois um dos objetivos é, justamente, aliviar a pressão que o gato exerce sobre as espécies nativas”, pondera.
Foram utilizadas todas as armadilhas possíveis na captura dos felinos, como conta Pedroso: automáticas, drop traps e redes. “Há muitas colônias no local e diversas delas, como a do Porto, estão controladas, fruto do nosso trabalho”, festeja o profissional que adiciona: “Nas duas ações (2019 e 2021), houve casos de indivíduos filhotes ou adultos machucados e doentes precisarem ser abrigados para tratamento e processo de adoção responsável. Os adultos bravos receberam suporte e foram devolvidos; os mansos e filhotes, as protetoras se encarregam do trabalho. Há um grupo de proteção muito atuante na ilha”.
Terminado o trabalho com sucesso em Fernando de Noronha, Pedroso destaca que a ação foi correta e precisa, levando em consideração que os técnicos do ICMBio e da Vigilância Sanitária da ilha foram capacitados pelos técnicos da Ampara Animal e continuaram o trabalho entre as ações de 2019 e 2021. “Esse fato rendeu 250 gatos castrados, o que contribui para o almejado controle da população de gatos do local”, encerra.