Nesta semana, o Ministério da Educação (MEC) tornou pública a nova regulamentação para cursos de graduação a distância. A portaria, emitida pelo Governo Federal, proíbe o ensino na modalidade EaD para áreas como Medicina, Odontologia, Psicologia, Enfermagem e Direito. No entanto, para surpresa do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), a Medicina Veterinária não foi incluída entre as exceções.

Conversamos com a assessora da Presidência e chefe do Setor de Comissões Técnicas, Ingrid Bueno Atayde, sobre o caso. Ela declara que o CFMV avalia como uma incongruência do MEC que afasta a Medicina Veterinária de outros cursos/profissões da saúde que trabalham com o mesmo escopo, a exemplo de atuação na clínica, epidemiologia e diagnósticos.
Ela comenta que, desde 2015, o CFMV alerta para os riscos da formação EaD na Medicina Veterinária, intensificados após o período da pandemia. “Em 2023, o CFMV participou de audiências públicas, articulou com outros conselhos da área da saúde e entregou ao MEC uma carta aberta, cobrando a proibição do EaD para o curso. Em 2024 e 2025 participou ativamente das discussões sobre o marco regulatório da EaD, explanando clara e detalhadamente os motivos pelos quais a Medicina Veterinária precisa ser ofertada de forma exclusivamente presencial. Ainda assim, houve esse resultado. A omissão do MEC é percebida com um grande risco para toda a sociedade”, destaca.
Ensino não compatível
Como explicado pela profissional, a formação profissional é amparada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs – Resolução nº 3, de 15 de agosto de 2019), que exigem profissionais aptos para atuação no contexto da Saúde Única e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma formação ampla, integrada, generalista, humanista, crítica e reflexiva, alicerçada em atividades práticas com a indispensável presença de animais para o desenvolvimento de competências e habilidades, com volume de casuística adequado.
“É necessário desenvolver habilidades que diferenciem o saber fazer do saber como fazer. É importante ter o amparo de um professor acompanhando o aluno para corrigir seus equívocos e evitar erros futuros que coloquem o paciente ou a sociedade em risco”, pontua.
Segundo ela, o relacionamento interpessoal é outra característica que precisa ser exercitada para o trabalho multidisciplinar e multiprofissional que a profissão requer.

Em Medicina Veterinária, as práticas reúnem, como citado por Ingrid, habilidades intelectuais, motoras e emocionais. “Essa integração, especialmente nos mais jovens, precisa ser desenvolvida em situações reais. O profissional precisa ser capaz de tomar decisões rápidas e sob pressão, reconhecer diversos aspectos apresentados pelo paciente e pelo contexto, ter habilidade para executar manobras manuais, lidar com reações inesperadas do animal, da sua resposta ao tratamento/abordagem e às expectativas do proprietário ou do mercado”, afirma.
Na visão do Conselho Federal, não há simulação que substitua o aprendizado que se obtém ao ver um professor conduzir tais situações ou a correção pelo professor imediatamente antes que uma decisão inadequada se torne um erro profissional. “A prática on-line também priva o aluno de desenvolver relacionamentos que podem, tanto auxiliar no desenvolvimento profissional e empregabilidade (networking), quanto no desenvolvimento de laços de amizade, que servem como suporte social para as situações emocionalmente desafiadoras que enfrentarão no exercício profissional”, indica.
Valorização do médico-veterinário
Para Ingrid, a nova regulamentação não apenas desconsidera a necessidade de habilidades e capacidade para um bom atendimento clínico e cirúrgico, mas, também, priva o estudante da oportunidade de aprender a trabalhar em equipe, o que é essencial no contexto de Uma Só Saúde, no qual o médico-veterinário está inserido.
“Por isso, o CFMV continuará com seus esforços para esclarecer e sensibilizar o Governo Federal sobre os riscos aos quais o MEC está expondo a Sociedade Brasileira, não apenas com prejuízos à Saúde Pública, ao Bem-estar animal, mas também quanto aos custos de decisões equivocadas e erros de profissionais despreparados, os quais resultam em mau uso do dinheiro público e gastos adicionais para correções”, salienta.
A porta-voz do Conselho ainda deixa uma mensagem aos estudantes de Veterinária: “Entendam que o cenário profissional exige muito mais do que um diploma e uma coleção de informações. A sociedade busca profissionais com conhecimento para compreender as especificidades de cada atendimento, cada diagnóstico, cada decisão. Busca profissionais que saibam conduzir uma reunião ou uma consulta, que saibam gerenciar equipes, que saibam explicar suas decisões, não apenas repetir o que já ouviram. Essas habilidades de relacionamento, essa segurança para ações, a destreza para práticas de exames e cirurgias são aprendidas pela convivência, pelo testemunho de ações reais, pela chance de se colocar nesses papéis sob supervisão. Busquem instituições de ensino que ofereçam a oportunidade de aprender com professores capacitados e experientes, com aprendizagem presencial e atividades práticas, para que o saber como fazer possa ser efetivamente transformado em Saber Fazer”.

Ela gostaria, ainda, de falar diretamente com a sociedade, que será muito prejudicada com os resultados dessa decisão. “O Sistema Conselhos institui as normas e fiscaliza o exercício profissional, portanto, conhece o produto dos cursos de formação. Temos sido incansáveis na solicitação da limitação da quantidade de novos cursos que não atendem às necessidades mínimas para a formação profissional, seja pela infraestrutura e corpo-docente, seja pela questão do ensino não presencial. Comprovamos não apenas que a situação atual não atende aos critérios de formação, como comprovamos que os resultados têm sido o aumento do número de processos éticos profissionais e cíveis devido a erros ou faltas éticas, especialmente entre profissionais mais jovens – e isso é um reflexo do cenário atual da educação”, cita.
De acordo com a profissional, a sociedade é prejudicada ao ter seu animal de estimação sujeito a atendimento por um médico-veterinário que o cliente não sabe diferenciar qual qualidade de formação recebeu, qual a oportunidade de prática e desenvolvimento recebeu. “Animais de produção são sujeitos a práticas que precisam estar de acordo com os melhores parâmetros de bem-estar animal, as decisões sobre rebanhos tem impactos econômicos muito sérios para o País e para a sua conta no supermercado. Os alimentos precisam ser inspecionados para que as pessoas não adoeçam ou percam sua qualidade de vida – ou a própria vida. Quando lutamos pela qualidade da formação profissional, nesse momento refletida pela inegável exigência da presencialidade, estamos lutando pelos direitos de vocês, para que possam ter tranquilidade, segurança, saúde e qualidade de vida”, finaliza.
FAQ
Por que a Medicina Veterinária não foi incluída na lista de cursos proibidos de serem oferecidos a distância?
Segundo o CFMV, essa exclusão é uma incoerência do MEC, já que a Medicina Veterinária exige uma formação prática intensa, semelhante à de outras profissões da saúde. O Conselho acredita que a decisão ignora os riscos à saúde pública, ao bem-estar animal e à segurança alimentar.
Quais os principais riscos do ensino EaD na Medicina Veterinária, segundo o CFMV?
A formação a distância compromete o desenvolvimento de habilidades técnicas, motoras e emocionais exigidas na prática clínica e cirúrgica. O EaD limita a vivência real com os animais, impede a supervisão direta de professores e priva o aluno da experiência prática essencial para a atuação profissional segura e ética.
O que o CFMV recomenda aos estudantes diante desse cenário?
O CFMV orienta que os estudantes escolham instituições com ensino presencial, professores capacitados e estrutura adequada para atividades práticas. A formação presencial é essencial para que o estudante desenvolva habilidades reais, segurança profissional e capacidade de atuar com responsabilidade no cuidado de animais e na saúde pública.
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